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Narcomadeireiros, traficantes e milicianos: relatório do CNJ mapeia atuação do na Amazônia

O documento afirma que uma rede de profissionais, a princípio com funções legítimas, frequentemente cooperam com os esquemas fraudulentos.

Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, Roraima, visitada pela Comissão de Direitos Humanos da OEA. (Foto: Thiago Dezan)

Além dos já conhecidos garimpeiros e grileiros, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se debruçou no mapeamento da atuação de outros grupos criminosos na região da Amazônia Legal, como narcomadeireiros, traficantes e até milicianos. Uma pesquisa do órgão analisou, sob a perspectiva de processos judiciais, as cadeias de financiamento, de lavagem de dinheiro, além de corrupção nesse espaço territorial que abarca nove estados e mais da metade do território nacional.

“Observou-se como padrão do universo dos processos analisados que a maioria dos crimes ambientais compreendidos na Amazônia Legal estão diretamente ligados à exploração de recursos naturais (madeira e minérios, principalmente), associados a organizações criminosas que operam atividades coordenadas e complexas, engendrando um padrão de alta sofisticação na lavagem do bem e capital envolvidos”, aponta o CNJ.

O documento, objeto de reportagem da revista “Veja” e obtido pelo jornal O globo, afirma que uma rede de profissionais, a princípio com funções legítimas, frequentemente cooperam com os esquemas fraudulentos. São contadores, advogados, engenheiros florestais e servidores públicos que se corrompem e permitem a aprovação de licenciamentos ilegais, bem como a implementação de fraudes aos sistemas de controles oficiais. O trabalho em conjunto também acaba por obstruir o trabalho da fiscalização.

A análise também revela que fazendeiros, madeireiros e garimpeiros participam da extração da matéria-prima ilegal, como minério, “podendo estar associados ou não a grupos de milícia, com envolvimento de polícias locais ou agentes de segurança privada”.

“Há uma rede de outras atividades-meio que alimentam as cadeias produtivas criminosas, tais como comércio de combustíveis, frigoríficos, lojas de materiais hidráulicos e corretagem de imóveis”, registra o relatório.

A pesquisa cita, por exemplo, uma investigação que mirou a atuação de policiais civis e militares, traficantes de drogas, pistoleiros e ex-políticos locais no garimpo denominado Serra do Caldeirão, na fronteira com a Bolívia. Com armas de fogo e força bruta, eles exerciam o controle das localidades de onde o ouro era extraído em maior quantidade.

O grupo extorquiria garimpeiros no local, cobrava percentuais pela extração e até “pedágios” para o acesso ao garimpo e uso de estacionamento, além de estabelecer regras sobre o comércio na localidade. O ouro extraído teria sido vendido a comerciantes locais na cidade de Pontes e Lacerda, no Mato Grosso.

Em outra ação, desdobramento da operação Lava-Jato, foi investigada uma organização criminosa atuando na exploração ilegal de recursos naturais na Terra Indígena Parque do Aripuanã, em Rondônia, especificamente de pedras preciosas de diamantes. O núcleo financeiro era composto por financiadores, que seriam empresários, advogados e até autoridades locais.

Em entrevistas colhidas pelo CNJ, a equipe do projeto constatou que o dinheiro que financia o desmatamento em toda a Amazônia circula por atividades distintas, sendo movimentado por pessoas ou empresas. Em geral, o processo inicia com a grilagem ou invasão da terra a ser desmatada, seguida da derrubada da vegetação e do transporte da madeira para circulação no comércio ilegal.

Os conflitos relacionados à terra também são tratados como um dos principais motivos do desmatamento. No Acre, um entrevistado afirmou que nas zonas de fronteira com Bolívia e Peru há incidência de tráfico de drogas e de armas, que atualmente estão se relacionando com os crimes ambientais.

Outro entrevistado da região considerou que os “narcomadeireiros” representam a maior ameaça.

“Essas rotas usadas pelos narcotraficantes, que são esses homens-mulas que transportam as drogas, eles usam os caminhos dos povos isolados na floresta. […] Então, a gente sabe que o narcotráfico, aliado à exploração, à atividade ilegal da madeira, é a principal ameaça aos povos isolados e aos povos indígenas de forma geral, […] porque a fronteira do Acre com o Peru é basicamente terras indígenas e unidade de conservação. Então, essas rotas, inevitavelmente, elas passam pelos territórios indígenas e pelas áreas de conservação ambiental”, contou.

Outro acreano também mencionou que a entrada das facções na região Norte do país está relacionada aos crimes ambientais. Segundo ele, atualmente, além da atuação dos “narcomadeireiros, há cooptação de indígenas, muitas vezes utilizados como “mulas” para permitir o tráfego em áreas estratégicas para o tráfico.

A pesquisa contou com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).

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