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Faculdades abrem curso de medicina sem aval do MEC; AGU tenta impedir matrículas

A motivação da AGU é porque muitas escolas têm adotado a estratégia de efetivar as matrículas mesmo sem o credenciamento como forma de pressão.

Pelo menos 15 faculdades de várias regiões do país – que, juntas, ofertam cerca de 1,7 mil vagas de medicina – obtiveram liminar para realizar vestibular para a graduação mais concorrida do ensino superior sem autorização do Ministério da Educação (MEC). Algumas já estão, inclusive, matriculando alunos e o governo corre para impedir. Na semana passada, a pasta obrigou o centro universitário UniMauá, de Brasília, a fechar o curso que já estava com estudantes em sala de aula até que a instituição obtenha o credenciamento definitivo.

Na última quinta-feira, 9/5,  a Advocacia Geral da União (AGU) entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF), instância que está analisando o imbróglio dos cursos de medicina, pleiteando que as liminares para abertura dessa graduação sejam suspensas por 120 dias.

A motivação da AGU é porque muitas escolas têm adotado a estratégia de efetivar as matrículas mesmo sem o credenciamento como forma de pressão. Quando os alunos já estão matriculados é mais complicado tirá-los da escola e, consequentemente, negar o pedido de abertura do curso. Para evitar jurisprudência e diante do risco de milhares de vagas serem abertas nesse esquema, o MEC suspendeu a medicina da UniMauá.

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Trocando em miúdos: as faculdades que conseguiram uma liminar para ter seus pedidos de abertura de curso de medicina analisados pelo MEC agora reclamam que a pasta está levando muito tempo com esse processo. Desta vez, as instituições estão entrando na Justiça para que as análises sejam feitas em prazos curtos como 48 horas, 15 dias, um mês. Caso contrário, o curso será aberto de imediato.

Os processos para aprovação de uma graduação de medicina, cuja mensalidade média é de R$ 10 mil, é longo porque passa pelos ministérios da Educação e da Saúde, uma vez que é preciso verificar também se há leitos SUS disponíveis para as aulas práticas nas cidades que as faculdades escolherem ter sua unidade.

A origem do imbróglio vem das faculdades que entraram na Justiça para ter o direito de pedir cursos de medicina fora do Programa Mais Médicos. Oficialmente, desde 2013, essa graduação só pode ser aberta por meio do programa do governo federal que faz uma série de exigências. Entre elas, a faculdade precisa repassar 10% das mensalidades à rede pública de saúde, conceder bolsa integral a alunos carentes, além disso, só é possível abrir 60 vagas e as cidades em que os campus serão erguidos são definidas pelo governo que tem como critério escolher os municípios carentes de saúde.

Nos cursos judicializados, a faculdade agora também precisa seguir as regras do programa do governo, mas têm a liberdade de escolher onde abrir seu campus e o número de vagas pode ser superior a 60. Os pedidos feitos via liminar podem ser aprovados ou reprovados conforme a qualidade do programa. Há casos de faculdades judicializadas, com infraestrutura e programas de alto nível, cujos pedidos foram deferidos pelo MEC – há 14 cursos com liminares autorizados pela pasta.

Ao mesmo tempo em que as decisões judiciais chegam diariamente no MEC, com casos de multas sendo aplicadas no CPF de gestores da pasta, o imbróglio está sendo julgado desde 2022 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cujo relator é o ministro Gilmar Mendes. Em audiência pública, realizada em agosto de 2023, o decano determinou a interrupção de novas liminares. Aquelas ações impetradas antes dessa decisão e que estavam em análise pelo MEC (etapa chamada de fase Inep) poderiam seguir com os trâmites. Há cerca de 250 liminares que se enquadram nessa condição determinada pelo ministro. Nos tribunais de Justiça do país, há cerca de 360 pedidos de abertura de cursos de medicina, que somam cerca de 60 mil vagas. Para efeitos de comparação, hoje, o Brasil tem cerca de 32 mil vagas de medicina nas escolas particulares e 9,7 mil na rede pública.

Desde que o imbróglio dos cursos de medicina veio à tona, em 2022, surgiram várias denúncias. Na época, havia escolas de fachada e escritórios de advocacia vendendo liminares. Em 2023, a Ulbra entrou na Justiça exigindo que o MEC analisasse em apenas um mês a criação de 960 vagas de medicina em vários campi em Porto Alegre, Gravataí e São Jerônimo (RS), Palmas, Santarém (PA) e Manaus. A pasta não cumpriu o prazo de 30 dias e a Ulbra iniciou as matrículas, mas o MEC interveio e suspendeu os cursos. Agora, há o caso de uma clínica chamada Ortunho, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, que conseguiu uma decisão favorável para ofertar 120 vagas de medicina e na semana passada entrou com outra ação para matricular os alunos antes de ter o credenciamento. “Muitos sabem que não vão conseguir ter seus projetos aprovados e correm para colocar o aluno para dentro da sala”, disse uma fonte.

A Associação das Universidades Privadas (Anup) destacou, em comunicado, que se preocupa “com o crescimento da judicialização de pedidos de abertura de novos cursos de forma geral, mas, especialmente, por estabelecimentos estranhos à área de educação ou sem a mínima infraestrutura para acolher alunos de medicina. ”

Há cerca de 1,7 mil vagas de medicina com decisão judicial liberando as matrículas
Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, retomou a discussão, interrompida três vezes, com pedidos de vista, para o próximo dia 24. Hoje, a votação está empatada. Os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Dias Tofoli são a favor de os processos judicializados (na fase Inep) sigam para apreciação do MEC. Já Edson Fachin e Rosa Weber, que votaram em 2023 antes de suas respectivas aposentadorias, defenderam que nenhuma escola seja aberta via liminar. Para André Mendonça, é necessário uma revisão da política pública que envolve os cursos de medicina. Mas todos os ministros têm em comum a defesa de que, resolvida essa questão da judicialização, todos os novos cursos devem ser abertos apenas via Programa Mais Médicos.

Procurados pela reportagem, a UniMauá informou que o curso de medicina cumpriu requisitos de qualidade e que “ações truculentes do MEC são ilegais” e medidas da pasta “estão sendo utilizadas apenas para assustar outras instituições que também pediram tutela para oferecerem o vestibular”.

A Universidade São Judas, que pertence à Ânima, disse que recebeu autorização judicial liminar para abrir o processo de seleção de estudantes para a graduação de Medicina, mas o processo seletivo não foi aberto. A Uninta também confirmou ter liminar, mas seu processo ainda está em análise no MEC e que, portanto, não está realizando vestibular, nem tampouco fazendo publicidade do curso e destacou que só fará vestibular quando tiver o credenciamento.

O advogado Ricardo Salvador, do escritório Salvador Associados, que representa as instituições Maricá, Unigoyazes e Castelo Branco (essa última não foi citada pela AGU) destaca que “a medida sub-rogatória ocorreu em razão da insustentável situação gerada pelo SERES/MEC, que está há cerca de oito meses se negando a publicar as portarias das instituições de ensino, mesmo tendo sido cumpridos os requisitos exigidos”

A Faculdade Santa Teresa diz ter ficado surpresa com o pedido da União tendo em vista a decisão do ministro Gilmar Mendes determinando que as escolas que já estão em fase documental podem dar sequência ao seus pedidos e que “a autorização para o vestibular não equivale a uma decisão sobre a portaria de autorização. O vestibular é uma forma de, ao mesmo tempo, coibir o MEC a exercer sua competência e garantir a efetividade das decisões judiciais”. A instituição diz ainda que seu processo teve parecer final satisfatório em abril de 2023 e que, desde então, não teve portaria publicada e que a Justiça aplicou multas acima de R$ 1 milhão contra o MEC.

A FTC, dona da Unex, diz ter cumprido todos os procedimentos exigidos pelo MEC para a autorização e funcionamento dos cursos. A Facens informou que não vai comentar. A Unidoctum afirmou que se pronunciará em momento oportuno. Fimca Vilhena, UNIFSA, Multivixm, F5, Uniabeu e Unifam não retornaram. A reportagem não conseguiu contato com a Clínica Ortunho.

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