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Economia

Brasil tem 1,5 milhão de trabalhadores por aplicativos sem direitos garantidos na justiça, diz Ipea

Pelo fato de não terem vínculo de emprego com as empresas de transporte e entregas por aplicativo, essas pessoas não têm direitos trabalhistas assegurados.

Segundo Ipea, 90% dos entregadores são homens. (Foto: Marcelo Casal _AgB)

O Brasil tem, aproximadamente 1,5 milhão de pessoas que trabalham com transporte de passageiros e entrega de mercadorias. De acordo com dados de 2021, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), existem no país 945 mil motoristas de aplicativo e taxistas, que correspondem a 61,2% do grupo, 322 mil motociclistas que fazem entregas (20,9%) e 222 mil mototaxistas (14,4%). Outras 55 mil pessoas usam outro meio de transporte para entregar produtos, como bicicletas.

Esses cidadãos estão inseridos na chamada gig economy, formada por trabalhadores sem carteira assinada, freelancers ou temporários e autônomos.

Com tantos profissionais nessas condições, o site EXTRA perguntou a especialistas em Direito do Trabalho: quais são os deveres e direitos desses trabalhadores?

De acordo com o advogado Sérgio Batalha, pelo fato de não terem vínculo de emprego com as empresas de transporte e entregas por aplicativo, essas pessoas não têm férias, 13º salário, horas extras, adicional noturno, INSS, aviso prévio, multa rescisória e FGTS, entre outros. No entanto, a Justiça tem reconhecido, em alguns casos, alguns direitos para essas categorias.

Uma lei, que perderá a validade no próximo dia 22, devido ao fim do estado de emergência por causa da Covid, garante aos entregadores apenas água potável, banheiro, flexibilidade de horário, seguro contra acidentes, pagamento virtual, e assistência financeira em caso de afastamento em decorrência da doença. Mas, a partir do dia 22, essa lei restrita perderá a validade, e nenhuma legislação foi criada ainda para esses trabalhadores.

Dois projetos de lei (PL 3748/2020 e PL 4172/2020) — que preveem uma regulamentação específica sobre o trabalho desses profissionais — estão em tramitação no Congresso Nacional.

— Hoje há uma multidão de trabalhadores sem direitos trabalhistas. Estes motoristas e entregadores poderiam formar um sindicato dos trabalhadores “sem direitos”. Eles não têm vínculo de emprego com as empresas. Assim, eles não têm limitação de jornada, remuneração mínima ou proteção em caso de acidentes — afirma Batalha, acrescentando: — É necessário garantir um mínimo de dignidade para esses trabalhadores, como já ocorre na Europa e em estados dos Estados Unidos, com a concessão de alguns direitos trabalhistas a estes motoristas e entregadores.

Pagamento

Batalha pontua que o único direito que eles têm é o de receber o pagamento combinado, com a obrigação de fazer a entrega ou o transporte do passageiro.

— É curioso observar que a precariedade dessa relação começa a provocar efeitos sobre a qualidade do serviço prestado, com inúmeras queixas de consumidores. Há casos de corridas recusadas por motivos fúteis ou discriminatórios, bem como de entregadores que desistem da entrega após aceitar o serviço. A sociedade tem de entender que a economia obtida à custa da superexploração do trabalho tem um custo social — acrescenta Batalha.

Para o advogado trabalhista, Solon Tepedino, é necessário que se criem leis para assegurar os direitos desses trabalhadores.

— As pessoas que trabalham hoje no Brasil com transporte de passageiros e entrega de mercadorias por aplicativos não têm qualquer direito previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Eles trabalham sem qualquer amparo na lei, e o que se vê é um movimento grande para que busque uma legislação que consiga amparar estes trabalhadores — avalia Tepedino.

– O motociclista, por exemplo, que não trabalha por aplicativos, mas em empresas jurídicas que têm requisitos do artigo terceiro da relação de emprego, têm direto a tudo que a lei prevê, como férias, 13º, recolhimento do Fundo de Garantia, INSS, horas extras, aviso prévio, recolhimento do FGTS e 40% de multa. Os funcionários que exercem funções com esses requisitos devem ter a carteira assinada e ter esses direitos, além do adicional de periculosidade que envolve seu trabalho — orienta o advogado.

Requisitos

Os requisitos do artigo 3º da CLT a que o advogado se refere são: subordinação, habitualidade, onerosidade e a pessoalidade.

— São requisitos da relação de emprego. Se existem no ambiente de trabalho, ele (o profissional) deve ser enquadrado como empregado e ter sua carteira de trabalho registrada — salienta Tepedino.

O advogado Bruno Minoru Okajima chama a atenção para a polêmica sobre o vínculo empregatício dos trabalhadores que atuam com transporte de passageiros e entrega de mercadorias com as empresas a que prestam serviço.

— Considerando o modelo de negócio atual de praticamente todos as empresas de aplicativos, os trabalhadores são considerados “parceiros de negócio” e trabalham de forma autônoma (pessoa física) ou como microempreendedores individuais (MEI) — afirma.

Segundo Ipea, 90% dos entregadores são homens

O estudo do Ipea mostra que a maioria desses trabalhadores (90%) é homem e tem menos de 50 anos. A maior parte deles é composta de pretos e pardos, chegando a 73,8% entre os mototaxistas. O maior número de motociclistas que entregam mercadorias, de motorista de aplicativos e de taxistas concentra-se na Região Sudeste. As regiões Norte e Nordeste têm o maior número de mototaxistas no país.

Quanto à escolaridade, mais de 10% dos motoristas de aplicativo e dos taxistas e 5,6% dos entregadores de mercadorias via motocicleta têm ensino superior. Entre os mototaxistas, a porcentagem é de 2,1% e, neste grupo, 60,1% não concluíram o ensino médio.

O Ipea também identificou que o rendimento real dessas pessoas vem caindo e, hoje, varia entre R$ 900 e R$ 1.900, dependendo do serviço. No subgrupo de motociclistas que fazem entregas, o rendimento é de aproximadamente R$ 1,5 mil por mês, valor que se mantém estável desde 2020.

A remuneração dos mototaxistas, por sua vez, caiu. Passou de aproximadamente mil reais, em 2016, para R$ 900, em 2021. É o único subgrupo da gig economy no setor de transportes com rendimentos abaixo do salário mínimo, que em 2021 era R$ 1.212.

O maior rendimento médio é de motoristas de aplicativos e taxistas, em torno de R$ 1.900. Em 2016, eles recebiam, em média, R$ 2.700.

O levantamento mostra que, entre 2016 e 2021, o número de entregadores de mercadorias via moto aumentou, passando de 25 mil para 322 mil, número que não sofreu redução durante a pandemia de Covid.

Já o número de motoristas de aplicativos e taxistas caiu de 1,121 milhão, em 2019, antes da pandemia, para 782 mil, em 2020. Em 2021, o número cresceu para 945 mil, mas ainda sem voltar ao patamar de 2019.

Decisões judiciais favoráveis

A Justiça tem sido a alternativa para que esses trabalhadores tenham seus direitos reconhecidos. Mas, segundo o advogado Sérgio Batalha, não é sempre que a decisão é favorável ao empregado.

— A Justiça do Trabalho, na maioria das decisões, não tem reconhecido o vínculo de emprego. Aí, eles ficam sem direito a nenhuma verba de natureza trabalhista. Como não há uma legislação específica, eles ficam sem direito algum — adverte.

Em um dos casos, a subordinação algorítmica e a ausência de regulação foram os principais fundamentos utilizados pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maurício Godinho, para reconhecer o vínculo empregatício entre um motorista e a empresa de aplicativo. Ele foi o relator da decisão em um recurso proferida pela Terceira Turma do Tribunal e publicada no dia 11 de abril.

A ação foi proposta originalmente na Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro por um motorista que prestou serviços para a empresa durante dois meses. Ele pleiteou o reconhecimento do vínculo de emprego, mas teve seu pedido negado pelo juiz de primeira instância e pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT-1). Apresentou, então, o recurso ao TST, que acabou sendo acolhido.

A Justiça reconheceu a subordinação que é o fator decisivo para se definir se um trabalhador é autônomo ou empregado, reconheceu o vínculo trabalhista entre um motorista e a empresa. O julgamento foi realizado no dia 20 de abril, mas ainda cabe recurso à empresa.

Em outra ação, um motorista havia perdido o processo em 1ª instância, mas recorreu ao TRT-15 (Campinhas – SP). Na ação, ele pedia o reconhecimento como empregado da empresa, nos períodos de 10 de agosto de 2017 a 17 de julho de 2018 e de 26 de julho de 2019 a 24 de setembro de 2019.

Na decisão, os juízes do TRT-15 consideraram que a empresa deve pagar ao motorista salário equivalente a R$ 3 mil mensais. Os magistrados levaram em conta a análise do Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre o caso. Os procuradores afirmam que os clientes atendidos pelo aplicativo são da empresa e não do motorista, sendo vedado qualquer contato entre as partes até o momento da corrida.

Na análise do MPT, há diversos pontos que classificam a relação de trabalho entre o motorista e a empresa como vínculo empregatício, entre eles a pessoalidade, a onerosidade e a não eventualidade do serviço. Agora, o processo deverá retornar à 1ª instância, para que sejam analisados outros pedidos do motorista que constam do processo.

No ABC Paulista, a juíza Gláucia Regina Teixeira da Silva, da 4ª Vara do Trabalho de Santo André, reconheceu o vínculo trabalhista entre um motoboy e uma empresa que atua na modalidade Operadora Logística (OL) com uma empresa de entregas.

As operadoras são contratadas pela empresa de entregas e administram grupos de entregadores. Os profissionais têm que estar disponíveis em dias e horários pré-estabelecidos. Esses trabalhadores correspondem a 10% dos entregadores do aplicativo.

O entregador que entrou com ação foi admitido em abril de 2021, e a demissão veio dois meses depois. Não houve qualquer registro na carteira de trabalho. Ele alegou que trabalhava de segunda a domingo, inclusive feriados, entre 9h e 21h, sem intervalos. Desta forma, reivindicou o reconhecimento do vínculo empregatício e o recebimento das verbas contratuais e rescisórias. A Justiça reconheceu esses direitos.

Tome nota

Durante a vigência da lei 14.297, que acaba em 22/05/2022, o entregar tem os seguintes direitos:

Água potável

Banheiro

Flexibilidade de horário

Seguro contra acidentes

Pagamento virtual

Assistência financeira em caso de afastamento em decorrência da doença.

Direitos assegurados pelas empresas

– Receber o valor decorrente da prestação dos serviços na forma e na data firmada.

– Ter liberdade e autonomia na realização das atividades.

– Não estar sujeito a controle de jornada e cumprimento de metas.

Deveres

– Ter registro profissional nos moldes previstos na legislação, especialmente no caso dos motoboys.

– Observar as regras previstas nos termos de uso dos aplicativos para a realização das entregas e transporte de passageiros, sob pena de bloqueio, suspensão ou exclusão da plataforma, além de responsabilização por eventuais danos causados.

Direitos que vêm sendo reconhecidos pela Justiça

Regularização do vínculo trabalhista

Aviso prévio

13º salário

Férias

FGTS

Horas extras

Horas intrajornada

Adicional noturno

Adicional de periculosidade

Contribuição previdenciária

(O que dá direito a auxílio-acidente, auxílio-doença e salário-maternidade, entre outros)

Delivery responde por 1/3 da receita de bares e restaurantes

Os pedidos de comida feitos por WhatsApp, internet ou telefone correspondem, hoje, um terço da receita dos bares e restaurantes brasileiros, o que coloca o Brasil no primeiro lugar do ranking dos países com maior participação do delivery nas vendas totais dos estabelecimentos.

As informações são de um relatório do Euromonitor, empresa de pesquisa de mercado global, em parceria com a Adyen, plataforma de pagamento. O levantamento analisou o setor em 62 países.

Os entrevistados que dizem pedir comida por delivery pelo menos uma vez por semana representam 40%, contra cerca de 20% que afirmam ir a um estabelecimento semanalmente para fazer refeições.

Mesmo com esse cenário, o Brasil está na 23ª posição entre os países com maior percentual de pedidos processados pela internet. Isso significa que ainda há resistência para fazer pagamentos on-line, usando Pix ou links, por exemplo.

As informações são do site Extra.

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