Conecte-se conosco

Brasil

Maioria do STF vota por inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra em feminicídios

Embora não esteja contemplada pela Constituição Federal, o argumento jurídico vem sendo usado nos tribunais desde a época do Brasil colônia.

Palácio do Supremo Tribunal Federal na Praça dos Três poderes em Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta sexta-feira, 30/6, pela inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídios. Na última sessão do semestre, a maioria dos magistrados reafirmou o entendimento apresentado em medida cautelar pelo relator da ação, ministro Dias Toffoli, e referendada pela Corte, em 2021. O julgamento foi suspenso e deverá ser retomado em 1º de agosto.

A tese está em discussão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Embora não esteja contemplada pela Constituição Federal, o argumento jurídico acerca da legítima defesa da honra, sobretudo a honra masculina, vem sendo usado nos tribunais desde a época do Brasil colônia, quando a lei concedia ao homem o direito de matar a mulher quando flagrada em adultério, por exemplo.

– O que se discute aqui é, na verdade, sobre lavar a honra com sangue. A origem desse discurso jurídico e social, secular em outros países e principalmente no Brasil, se tornou um salvo-conduto para se justificar a violência de homens contra mulheres. Infelizmente ainda hoje, terminando o primeiro quarto do século XXI, isso ainda gera absolvições, principalmente nos juízes leigos que compõem os tribunais do júri — afirmou o ministro Alexandre de Morais, durante a sessão.

Dias Toffoli havia concedido parcialmente medida cautelar, em fevereiro de 2021, para firmar o entendimento de que a tese contraria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. A liminar foi referendada pelo plenário, em março daquele ano. Nesta sexta-feira, acompanharam o relator os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.

— Os avanços da lei penal, principalmente no que tange ao dispositivo da Maria da Penha, demonstram que o legislador brasileiro tem preocupação com a discriminação, sobretudo com as mulheres — disse o ministro André Mendonça.

Para o Toffoli, esse é um julgamento simbólico e pedagógico, num momento de reflexão que o Judiciário traz para a sociedade. Segundo ele, a legítima defesa da honra ofende a dignidade humana e não deve ser veiculada pela defesa, pela acusação, pela autoridade policial ou pelo juízo, direta ou indiretamente, no processo penal, sob pena de nulidade do julgamento.

No entendimento de Toffoli, a legítima defesa é um recurso argumentativo “odioso, desumano e cruel” utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para culpar as vítimas por suas próprias mortes ou lesões. Isso, a seu ver, contribui para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres, pois exonera os responsáveis da devida sanção. Ele também citou regra do Código Penal segundo a qual a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal.

A seu ver, o argumento também reforça o desvalor da vida da mulher, que pode ser suprimida em nome de uma suposta honra masculina. O acolhimento dessa tese, segundo o relator, estimula a violência contra mulher, e é dever do Estado criar mecanismos para coibir o feminicídio e a não conivência com essa situação.


Toffoli afirmou, ainda, que a dignidade da pessoa humana, a vedação a todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida têm prevalência sobre a plenitude de defesa.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, e a coordenadora-geral de Contencioso da AGU, Alessandra Lopes da Silva Pereira, também defenderam a proibição do uso da tese. Ontem, Alessandra destacou os importantes avanços contra a violência de gênero, a tipificação do feminicídio e a construção de jurisprudência do STF na direção da proteção do direito à vida e à integridade das mulheres.

Também participaram do julgamento representantes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), da Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas (ABMCJ) e da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), admitidas como interessadas no processo.

Clique para comentar

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

nove + onze =