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Amazonas

Medo da morte foi a alegria do Carnaval de Manaus pós gripe espanhola, mostra historiadora

O Amazonas pensava em se reerguer novamente no aspecto financeiro, com uma estruturação do mercado internacional e um possível aumento na venda da borracha.

‘O medo da Morte foi a alegria principal do Carnaval de 1919’. Esse é um dos vários capítulos da dissertação da historiadora Rosineide de Melo Gama, com o título ‘Dias mefistofélicos: a gripe espanhola nos jornais de Manaus (1918 – 1919)’, apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em 2013, como requisito para obtenção do Grau de Mestre.

Ela mostra que o começo do ano de 1919 (o ano seguinte à pior fase da gripe espanhola) nasceu trazendo muitas expectativas para o comércio e para a estruturação do cotidiano de Manaus. A gripe parecia que estava dando os últimos suspiros na cidade e com fim da Primeira Grande Guerra, o Amazonas pensava em se reerguer novamente no aspecto financeiro, com uma estruturação do mercado internacional e um possível aumento na venda da borracha, fato este que animava o comércio local.

A dissertação diz que a gripe espanhola, que matou cerca de 8 mil pessoas no Amazonas, mesmo aparecendo esporadicamente nas matérias jornalísticas da época, ainda fazia parte da história dos bairros distantes e carentes, chegando notícias algumas vezes sobre a desorganização social que ainda reinava nesses bairros.

“Mas as notícias jornalísticas, nos últimos dias de dezembro de 1918, já se despediam da “hespanhola” e começavam a pensar na alegria do carnaval, até porque no centro da cidade de Manaus, a gripe parecia mesmo ter dado os seus últimos suspiros. Publicações e sátiras começaram a sair nos periódicos, destacando o adeus, a tristeza e uma divertida recepção à alegria e ao carnaval”, diz.

Rosineide de Melo Gama informa que com toda a especulação sobre a entrada novamente da gripe espanhola na cidade, um sentimento de medo e desolação foi tomando conta dos moradores que temiam ver seu cotidiano outra vez alterado. E que, “ainda que a população tenha voltado lentamente para as suas atividades econômicas, para uma situação de normalidade e resgatado a alegria, no início do ano continuava ansiando a normalidade completa. E “o Carnaval transformou-se na oportunidade para apagar as últimas lembranças e vestígios daquela que ficou temida por todos”.

Ela mostra que diante da dúvida dos órgãos oficiais sobre se haveria ou não Carnaval, “a imprensa deu início a longas matérias alusivas ao carnaval com frases que incentivavam a população a comparecem e pedirem as festividades pelas ruas de Manaus. Citações como o ‘O rei momo vem aí, fazendo o sorriso aparecer entre os mais tristonhos’, ou lá vem ‘Pierrot, Columbina, Arlequim, Polichinello e Pierret, tontos de ansiedade, na expectativa das glorificações do rei da folia, do soberano da alegria e do senhor do esquecimento’.”

Mesmo que todos os jornais estivessem pedindo o comparecimento da população nas festividades de momo, ainda assim o jornal Gazeta da Tarde, em editorial, destacava a chegada em “proporções alarmantes e phantasticas de legiões de grippados do alto rio”. Em que pese essas últimas notícias de pandemia, a popularidade do carnaval crescia dia a dia, junto com a profusão de blocos e bailes carnavalescos que foram organizados para o início das festividades. Nomes como Dominó Azul, Humildes Veneradores, Caboclinhos do Japurá, Idealistas da folia, Jardineiros, Pierrots e Tenentes do Diabo mandavam convites e cartas para os jornais publicarem sua passagem por algumas ruas de Manaus, bem como os seus últimos arranjos e progressos, diz a historiadora.

Recortes de jornais da época incluídas na dissertação mostram que notas carnavalescas nos jornais destacavam a preparação para receber “o rei da pandenga”, destacando que já era hora da população esquecer definitivamente a gripe e mostrar “que a pandemia de grippe vale menos que os requebros do maxixe e os saracoteios de um coco a bahiana”.

Em março, diz a historiadora, “ao iniciarem as festividades oficiais do carnaval, ou as ‘gordas do carnaval’, notamos que a imagem que ficou da gripe espanhola para a sociedade foi a da morte, pois a sensação de medo individual e coletivo apareceu nos blocos e carros carnavalescos em Manaus”. Ele mostra que o jornal Imparcial divulgou, no dia 3 de março, em plena segunda-feira de carnaval, notícias sobre a passagem dos carros carnavalescos Pierrots, Papagaios e Nacional todos dramatizando os fatos ocorridos na cidade durante o surto epidêmico.

O carro dos Pierrots, que era do bar X.P.T.O., representou a gripe espanhola através dos versos cantados durante sua passagem na rua que dizia:

“Todo medico que cura;
E as moléstias todas vence;
Aos seus remédios mistura;
A cerveja Amazonense.
A baratinha Yaya, a baratinha Yoyo,
a baratinha dos contos da minha avo.
XPTO espanca a morte;
Afugenta ilusões;
Faz de cada fraco em forte;
Dos maricas valentões”.

“Os brincantes pareciam estar vivendo como se fosse seus últimos dias de vida. Por esta razão, o carnaval de 1919, em Manaus, foi representado de forma intensa pelos jornais da cidade, diz Rosineide de Melo Gama. Segundo a dissertação, “após a passagem da Gripe pela cidade, Manaus foi ganhando, aos poucos, seu movimento próprio e voltando as suas atividades. A Gripe foi deixando os espaços de propaganda e jornalísticos, conforme a quantidade de mortos ia diminuindo.”

Contudo, diz, mesmo com este desinteresse da imprensa com a Gripe Espanhola, a doença continuava a devastar os subúrbios e bairros pobres de Manaus, que acabava deixando escapar notícias do sofrimento desses bairros carentes”. Noticias como: ‘as lavadeiras estão doentes”, “os operários ainda estão gripados’. “Com efeito, aparentemente, a imprensa deixou de falar sobre a Gripe, como também a administração pública e a maioria das entidades de ajuda humanitária, ao que tudo indica, parecem não ter prestado socorro aos últimos doentes que se encontravam na capital, que na maioria eram pessoas sem recursos”, afirma.

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