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Proposta de Alcolumbre adotada por Lula deve acelerar obras de impacto na Amazônia, como a BR-319, diz Estadão

Uma estratégia dos parlamentares, revela a Coluna do Estadão, será retomar flexibilizações vetadas no texto da Medida Provisória da licença especial.

A passagem está instalada no km 271 da rodovia, a 12 quilômetros da Comunidade de São Sebastião do Igapó Açu (AM).

A Licença Ambiental Especial (LAE) – parte do novo licenciamento ambiental aprovado em agosto – deve acelerar a aprovação de empreendimentos de grande porte na Amazônia. Alguns exemplos são o asfaltamento da BR (Manaus-Porto Velho), hidrovias no Rio Araguaia e a Ferrogrão, de Mato Grosso ao Pará. A informação é do jornal O Estado de São Paulo (Estadão).

A LAE foi incluída no licenciamento ambiental pelo presidente do Senado, DaviAlcolumbre(União‑AP) e depois transformada em Medida Provisória (MP) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O modelo cria um rito simplificado para obras classificadas por um conselho de governo como “estratégicas” e impõe prazo máximo de doze meses para a análise desses pedidos de empreendimentos.

Segundo o Estadão, ambientalistas veem risco de uso de critérios políticos em detrimento dos técnicos na priorização dos projetos. Também apontam que o limite de um ano é curto para cumprir as três fases de análise previstas na nova regra.

O jornal informa que entidades ligadas ao setor de infraestrutura, por sua vez, têm defendido desburocratizar trâmites e criticam a necessidade de um novo processo de licenciamento para cada projeto aberto em uma mesma área.

A matéria diz que, ao propor a emenda, Alcolumbre disse que a mudança daria “celeridade e eficiência” para investimentos vitais. Procurado pelo Estadão, o parlamentar não falou. Um dos projetos de interesse do presidente do Senado é a exploração de petróleo na Margem Equatorial da Foz do Rio Amazonas, o que deve gerar receitas para o Amapá, seu Estado natal.

O Ministério do Meio Ambiente, em nota, afirma manter os compromissos climáticos, com a biodiversidade e os povos tradicionais (leia mais abaixo). Já a Petrobras diz seguir as exigências dos órgãos ambientais em seus licenciamentos.

Ao sancionar o novo licenciamento aprovado pelo Legislativo, Lula vetou 63 dispositivos que flexibilizavam
regras. Em aceno para Alcolumbre, porém, transformou a emenda da LAE em Medida Provisória – em vigor desde
agosto.

O Congresso iria votar nesta quinta-feira (16/10), quais vetos seriam derrubados, mas a sessão foi cancelada. Há temor de desgaste às vésperas da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), que será em Belém no próximo mês. Uma estratégia dos parlamentares, revela a Coluna do Estadão, será retomar flexibilizações vetadas no texto da MP da licença especial.

Na formulação atual, a Licença Especial seria um “cheque em branco” para projetos de alto risco ambiental e social, avalia o Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), que reúne mais de 50
organizações pró-desenvolvimento sustentável.

Entre os pontos críticos, na avaliação de especialistas, estão: a ausência de definição sobre o que é considerado estratégico; a manutenção de procedimento simplificado de licenciamento, inclusive quando há exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA), com prazo máximo de 12 meses.

Na prática, as disposições simplificam o licenciamento de projetos de transporte (rodovias, ferrovias e hidrovias), mineração, hidrelétricas e perfurações de petróleo, incluindo obras do novo Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC).

O Ministério do Meio Ambiente diz que a definição para projetos estratégicos, das equipes de analistas ambientais dedicadas a isso e outros detalhes sobre o procedimento da LAE serão regulamentados.

O Conselho de Governo definirá os empreendimentos prioritários. O órgão, com representantes de 11 ministérios (como Meio Ambiente, Transportes e Minas e Energia), teve seu formato definido pelo governo na quarta-feira (15/10), mas ainda não foi indicada data para reunião.

No texto original de Alcolumbre, era previsto rito único de análise na LAE, mas a nova versão prevê três etapas.
Especialistas, porém, apontam que na prática o limite de um ano é curto para o rito trifásico (que se divide entre licença prévia, de instalação e operação e costuma ser aplicado à maioria dos projetos de grande impacto).

Para a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), a LAE é “incompatível com a necessidade de estudos aprofundados e rigorosos” para projetos de interesse público e submete “decisões que deveriam ser técnicas a pressões políticas”.

Já a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base afirma defender “procedimentos técnicos necessários no processo de concessão do licenciamento”.

Presidente executivo da entidade, Venilton Tadini disse ao Estadão não fazer sentido fechar os olhos para o risco de danos ambientais irreversíveis em empreendimentos de grande impacto na Amazônia.

Por outro lado, critica a exigência de um novo processo de licenciamento para cada novo projeto na mesma área, como era antes. “É preciso que o histórico de dados de determinada região seja considerado e que se procure ganhar tempo sem comprometer a segurança ambiental.”

O Ministério dos Transportes afirma, em nota, conduzir estudos internos e dialogar com órgãos responsáveis do governo federal pela regulamentação para “dimensionar a aplicação da nova legislação nos projetos estruturantes de rodovias e ferrovias, além de sua integração ao planejamento setorial no âmbito do Plano Nacional de Logística 2050”.

Quais projetos podem acelerar com a LAE?

BR-319 (Manaus-Porto Velho)

A pavimentação total da Rodovia BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, é motivo de polêmica há décadas. Com cerca de 885 quilômetros de extensão, ela corta a área mais bem preservada da Floresta Amazônica: passa às margens ou em alguns casos pelo meio de 42 unidades de conservação ambiental, 69 reservas indígenas e mais de seis milhões de hectares de terras públicas.

Apenas cerca de 400 quilômetros (200 no início e 200 no fim da via) são asfaltados. O trecho central é de terra batida e costuma ficar intransitável no período de chuvas. Grande parte do fluxo entre as cidades é feita de barco pelo Rio Madeira e o trajeto leva dias.

A estrada é a única ligação terrestre da capital do Amazonas ao resto do País, e é defendida por moradores e
políticos locais, além de representantes da indústria, para facilitar o transporte de mercadorias. Já na opinião dos ambientalistas, o asfaltamento da estrada aumentaria a destruição do bioma, impedindo o País de cumprir a meta de desmatamento zero até 2030.

Em 2024, Lula se comprometeu a retomar as negociações para reconstruir a rodovia. A medida foi na direção contrária a uma nota técnica emitida pela pasta do Meio Ambiente, de Marina Silva, que apontou risco de elevar a
taxa de desmate em até quatro vezes com a obra.

Por ora, a licença prévia para a obra está suspensa por liminar concedida pela Justiça Federal. A decisão atendeu a recurso do Observatório do Clima – grupo de organizações do terceiro setor – em ação civil pública que pede a anulação da licença por inconsistências legais, técnicas e ambientais no processo de licenciamento realizado pelo Ibama em 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL).

Implementação da Ferrogrão no corredor logístico Tapajós-Xingu

O projeto capitaneado pelo agronegócio para escoar a produção de grãos pelos portos do Norte do País prevê
construir 933 quilômetros de ferrovia entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), com a promessa de reduzir emissões por transporte e reduzir custos logísticos.

Desenhado há mais de uma década, o empreendimento teria capacidade de movimentar cerca de 50 milhões de toneladas de grãos, tornando-se um dos grandes indutores do chamado Arco Norte, que hoje funciona principalmente
pela BR-163.

Mas não saiu do papel pelos impactos ambientais — principalmente o risco de desmate no Parque Nacional do
Jamanxim, reserva no Pará. Também é questionada a falta de consulta pública à população da região durante o estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental – a consulta é uma etapa prevista por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O andamento do projeto está suspenso desde 2021, após liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal. A União
entregou à Corte manifestação que afirma ser possível passar pela área de proteção ambiental respeitando a faixa de domínio da BR-163/MT e documentos para comprovar a consulta prévia a líderes de comunidades, prometendo destinar R$ 715 milhões em contrapartidas ambientais.

Em maio, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) disse que trabalharia para liberar a construção da ferrovia.

Hidrovias do Madeira e Tocantins-Araguaia

Em estudos no Ministério da Casa Civil, há projetos de concessão de hidrovias como a do Rio Madeira (de Porto Velho, em Rondônia, a Itacoatiara, Amazonas), Tocantins e outras.

A hidrovia do Madeira tem importância estratégica para o agronegócio, principalmente para escoar a produção agrícola de Mato Grosso e Rondônia, mas está com o leilão travado no Senado.

No Rio Tocantins, o Ibama licenciou o derrocamento do Pedral do Lourenço, formação rochosa que restringe a passagem de embarcações de carga, mas a intervenção foi suspensa em junho pela Justiça Federal. O governo do Pará encaminhou ofício no último dia 16 ao governo federal em defesa do empreendimento.

Segundo André Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Ambiente (Iema), o licenciamento desse tipo de projeto normalmente é feito para cada intervenção realizada, como a explosão de rochas ou dragagem de
sedimentos para permitir a circulação de embarcações de maior porte.

Com a LAE, ainda não está claro se esses projetos serão liberados de uma só vez. Procurada, a Casa Civil não deu
detalhes sobre o processo de licenciamento das hidrovias.

Exploração de petróleo

Há 21 blocos sob contrato na Amazônia Legal e outros 67 em diferentes estágios de oferta (um arrematado no leilão de áreas de petróleo realizado em junho, um em oferta e 65 em estudo para Oferta Permanente de Concessão). Já na costa Amazônica, são 25 blocos já contratados, 19 arrematados no último leilão e outros 249 em estudo, segundo dados do Monitor Amazônia Livre de Petróleo, do Instituto Arayara. Conforme a análise da organização, os blocos sob contrato já estariam aptos ao licenciamento por LAE, e o restante seria igualmente propício à licença especial.

Na prática, devido ao prazo estabelecido na LAE, o licenciamento desses empreendimentos seria mais rápido do que o do bloco da Margem Equatorial da Foz do Amazonas, que gerou impasse entre setores do governo e fez Lula acusar o Ibama de “lenga-lenga” na análise da exploração de petróleo na região.

“Não significa inviabilizar a atividade econômica. Na etapa de planejamento, se estudam várias alternativas para atender à demanda e garantir o fluxo de mercadorias, por meio de projetos que tenham menores riscos sociais e ambientais”, diz André Ferreira, diretor executivo do Instituto de Energia e Ambiente (Iema).

A Petrobras afirma fazer avaliações dos impactos e riscos de suas atividades, incorporando medidas para evitá-los, mitigá-los, compensá-los ou potencializar impactos positivos. “Todas essas medidas e ações são incorporadas nos processos de licenciamentos e atestadas pelo órgão licenciador”, declara a companhia em nota.


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