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Brasil

Com clima e desmate descontrolados, Amazônia começa a colapsar em 2050, diz estudo

Esse caminho sem volta significa que parte das florestas pode se transformar em savanas empobrecidas de fauna e flora, sem capacidade de fixar carbono e produzir água.

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A Amazônia pode estar mais perto de transformações irreversíveis do que se imaginava, e causar impacto para o clima mundial. Um novo estudo avaliando o impacto duplo do desmatamento e do aquecimento global sobre a floresta do bioma indica que quase metade da floresta pode entrar numa trajetória de degradação sem volta até 2050.

O trabalho publicado nesta quarta-feira,14/2,  e divulgado no jornal O Globo, como tema de capa da revista científica Nature, fez uma análise combinando dados de simulações com observações do ecossistema local, e indica que o chamado “ponto de não retorno” pode ser cruzado até o meio do século em 10% a 47% do território do bioma que ainda tem mata em pé.

A floresta perderá sua função de produtora de água, que distribui umidade na atmosfera. E poderá passar de sumidouro para emissora de CO2, com impacto para o clima global, como a elevação da temperatura e da frequência e duração de secas.

Esse caminho sem volta significa que parte das florestas pode se transformar em savanas empobrecidas de fauna e flora, sem capacidade de fixar carbono e produzir água. Savanas que nada lembram o Cerrado original e sim campos degradados. Outras podem ser degradadas ao ponto de se tornarem emissoras de CO2 em vez absorvedoras, coisa que já ocorre no Sudeste do bioma. Florestas altas e vigorosas podem dar lugar a matas mais baixas e disfuncionais.

Liderado pelos pesquisadores Marina Hirota e Bernardo Flores, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o estudo detalha as previsões de ponto sem retorno, apresentadas pela primeira vez, há mais de duas décadas pelo climatologista Carlos Nobre, também integrante do novo estudo.

Para estimar quantas e quais partes da floresta serão capazes de sobreviver, os pesquisadores analisaram os fatores que regulam o estresse hídrico sobre o bioma, ou seja, a quantidade de chuva para que o bioma amazônico sobreviva. Tipicamente, abaixo de um limiar de 1.000 mm a 1.250 mm de chuva por ano não existe floresta, e o novo estudo busca prever onde ficam as áreas que serão submetidas a essa transição.

Além do histórico de chuva anual, os pesquisadores usaram na análise um recorte por estação, consideraram a duração da estação seca e as taxas de desmatamento. A tudo isso foram somados ainda modelos de quanto a Amazônia deve esquentar devido ao aquecimento global.

— Nós usamos mapas desses fatores com uma resolução em que cada pixel representa 5 km, e fizemos uma sobreposição dos mapas — conta Bernardo Flores.

O trabalho é a mais completa análise sobre a suscetibilidade da floresta a um ponto de não retorno. Ele contou com a participação de 24 cientistas (dentre os quais 14 brasileiros) de universidades de Brasil, Europa e EUA e teve financiamento do Instituto Serrapilheira.

— A suscetibilidade varia nos diferentes ecossistemas amazônicos. Não é que as árvores morrerão de uma vez, mas ela começará um processo de degeneração, que não tem volta porque se retroalimenta — afirma a outra pesquisadora, Marina Hirota.

Os pesquisadores analisaram os cinco principais fatores de estresse climático sobre a Amazônia: desmatamento, aquecimento global, precipitação anual, intensidade da distribuição de chuva anual e duração da estação seca.

— Nas últimas décadas, mudanças do clima e do uso do solo impuseram uma pressão imensa sobre a floresta. Parte dela já dá sinais de que a resiliência está se esgotando. O combate do desmatamento, por exemplo, flutua ao sabor de governos. Ele tem que ser permanente — frisa Hirota.

Estudo em fósseis

Além de dados observados e de projeções, o trabalho colocou na conta o resultado de estudos paleoecológicos, que mostram como a mata e a biodiversidade se comportavam milhões de anos atrás, quando condições climáticas eram diferentes. Os cientistas também consideraram quais áreas analisadas ficam dentro de unidades de conservação ou em terras indígenas, onde tradicionalmente o desmatamento é menor.

Ao final, a análise mostrou que uma parte significativa do centro da Amazônia (abrangendo leste do Amazonas, Oeste do Pará, sul de Roraima e norte do Mato Grosso) está sob grande risco. Nesses locais, se o desmatamento ou a mudança climática não forem freados, a floresta deve se converter em ambientes não florestais ou em floresta degradada.

Mais de 15% da floresta amazônica já foi efetivamente derrubada. Somados a outros 10% (no mínimo) que o estudo de Flores projeta, o total de área não florestal já pode chegar a 25% no meio do século.

Consenso e incertezas

A trajetória atual da ação humana porém, afasta a Amazônia do melhor cenário, e a aproxima do pior, com emissão de gases-estufa, desmatamento e queimadas descontroladas.

— Se a floresta entrar mesmo em um ponto de não retorno, a gente perderia o controle, e seria tarde demais para tentar interferir. A Amazônia entraria a partir daí num ‘loop’ de perda de floresta e umidade.

Há uma grande incerteza sobre qual é o limiar desse ponto, mas estudos de Carlos Nobre indicam que talvez ele seja tão baixo quanto 20% da Amazônia. Segundo Flores, a projeção feita no trabalho na Nature leva em conta uma tendência de aquecimento global e de desmatamento regional tal qual foi observada nos últimos anos.

— Se a gente conseguir zerar o desmatamento até 2030 e zerar as emissões de gases do efeito estufa até 2050 em nível global, a Amazônia com certeza vai estar segura — diz o cientista.

O ponto de não retorno é hoje uma ideia razoavelmente consensual entre cientistas, mas estimar quando exatamente ele será cruzado envolve ainda uma grande incerteza.

Entre as variáveis das quais essa projeção depende estão o entendimento de como balanço de carbono da floresta está sendo alterado, ou seja, quanto CO2 está sendo absorvido ou emitido. Outra cientista coautora de Flores, Luciana Gatti, do Inpe, tem obtido resultados preocupantes mostrando que a porção sul do bioma já emite mais gás-estufa do que absorve.

Outro elemento de incerteza na equação é a chamada “fertilização de carbono”, um efeito que faz plantas acumularem mais massa numa atmosfera mais rica em CO2. Esse fenômeno é, em princípio, benéfico, mas estudos do ecólogo David Lapola, da Unicamp, mostram que talvez ele não tenha uma dimensão tão relevante. Lapola, que conduz um grande experimento sobre o tema, é outro cientista líder em sua área de pesquisa coautor do estudo de hoje.

O resultado publicado agora na Nature é preocupante porque, reunindo dados em maior qualidade e quantidade, o cenário que se antevê é pior, não melhor do que o antes imaginado.

“Embora os modelos mais recentes concordem que um colapso em grande escala da floresta amazônica seja improvável no século XXI, as nossas descobertas sugerem que as interações e sinergias entre diferentes perturbações (por exemplo, frequentes secas extremas e incêndios florestais) podem desencadear transições inesperadas de ecossistema”, afirmam os pesquisadores no estudo.

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