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Amazonas

Estadão: 16 de 21 cidades beneficiadas por esquema dos royalties, mesmo sem produzir petróleo, são do Amazonas

Grupo já obteve R$ 25,7 milhões em honorários com as vitórias no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) desde janeiro de 2021

São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. (Foto: Christian Braga/Greenpeace)

O Amazonas tem 16 dos 21 municípios que obtiveram decisões favoráveis na Justiça Federal de Brasília para receberem royalties de petróleo, mesmo sem produzirem uma única gota nem atendem a outros critérios da legislação, em ações do lobista Rubens de Oliveira, condenado por estelionato e investigado por lavagem de dinheiro, e suspeito de liderar um grupo já obteve R$ 25,7 milhões em honorários com as vitórias no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) desde janeiro de 2021. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo (Estadão).

Procurado, o TRF-1 informou que os magistrados não se manifestariam. Individualmente, apenas a desembargadora Daniele Maranhão declarou que “tem 30 anos de magistratura e sempre pautou suas decisões pelas leis e pelos princípios que regem a jurisdição”.

De acordo com o Estadão, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mapeou, internamente, a atuação de desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que autorizaram o pagamento de R$ 125 milhões em royalties para municípios que não produzem uma gota de petróleo nem atendem a outros critérios da lei.

De acordo com o jornal, as decisões “sem rigor técnico” de três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em ações que reivindicam royalties para prefeituras acolheram pedidos “sem suporte técnico e legal” e que se “baseiam em nada”.

As petições acolhidas têm alegações falsas, distorção de conceitos pacificados na legislação do petróleo, erros de grafia e até menções à Bíblia. Elas confundem critérios de distribuição, cria outros, desconsideram a dinâmica da exploração e produção de petróleo e indicam municípios como produtores que não possuem poços em produção e mencionam genericamente instalações inexistentes.

Para apontar as inconsistências nas decisões, o Estadão considerou leis e decretos do petróleo, relatórios da ANP, pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e decisões judiciais que indeferiram os pedidos.

Ao todo, o grupo liderado por um lobista condenado por estelionato conseguiu contratos com ao menos 56 cidades. Para 21, obteve decisões favoráveis na Justiça Federal de Brasília, sendo 19 dos mesmos três desembargadores.

As 21 cidades contempladas até o momento com decisões judiciais que garantem milhões em royalties, em geral, repetem os mesmos argumentos e entendimentos listados acima.

A lista de 21 municípios beneficiados é a seguinte:

Alvarães (AM)
Atalaia do Norte (AM)
Itamarati (AM)
Juruá (AM)
Jutaí (AM)
Manacapuru (AM)
Nhamundá (AM)
Novo Airão (AM)
Rio Preto da Eva (AM)
Santa Isabel do Rio Negro (AM)
São Gabriel da Cachoeira (AM)
São Paulo de Olivença (AM)
Tabatinga (AM)
Barreirinha (AM)
Borba (AM)
Fonte Boa (AM)
Ilha das Flores (SE)
Barra de São Miguel (AL)
Faro (PA)
Boca da Mata (AL)
Branquinha (AL)

Inconsistências

Alvarães (AM)

Foi o primeiro beneficiado por uma decisão judicial obtida pelo grupo do lobista Rubens de Oliveira. O pedido foi apresentado ao TRF-1 em 18 de dezembro de 2020. O desembargador Souza Prudente concedeu o direito a royalties milionários menos de um mês depois, em 11 de janeiro de 2021.

O magistrado autorizou repasses ao município pela “existência de instalações de embarque e desembarque de gás natural (pontos de entrega) sobre a produção marítima e terrestre”. O problema? Alvarães não tinha qualquer estrutura deste tipo.

A cidade não apresentou à Justiça nenhuma foto ou relatório técnico que indicasse a existência das instalações em seu território. Até junho deste ano, a cidade já havia recebido R$ 18,8 milhões em royalties.

Em Nhamundá (AM), o advogado Gustavo Freitas Macedo afirmou na petição que a ANP deixa de repassar ao município “valores relativos à produção marítima devidos em razão da movimentação de entrega/citygates”. O argumento foi acolhido pelo desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, em junho de 2021.

O magistrado determinou que a cidade recebesse royalties “na condição de detentor de instalações marítimas e terrestres de embarque e desembarque de petróleo e gás”.

Contudo, o município não possui essas instalações. Apenas as citou genericamente, sem mencionar qualquer ponto de entrega.

Atalaia do Norte (AM)

As advogadas Maria de Fátima Madruga e Marli de Oliveira alegaram que o “impacto ambiental decorre através do Bloco de Exploração AC-T-11″, localizado parcialmente nos municípios vizinhos de Cruzeiro do Sul e Ipixuna. Também falaram que Atalaia do Norte “é afetada pelo escoamento da exploração de petróleo da Bacia Sedimentar do Solimões/Amazonas”, pois “o polígono do Bloco AC-T-11, está inserido parcialmente no município”.

Contudo, o bloco citado não produz petróleo e não tem qualquer atividade petroleira porque simplesmente não foi concedido a nenhuma empresa para exploração. O desembargador Antonio Souza Prudente acolheu os argumentos em 7 de julho de 2022.

“Não há nenhuma das instalações de embarque e desembarque previstas na legislação no território do autor. O suposto city gate (ponto de entrega) que o autor alega possuir precisa de comprovação (deveria o autor indicar as coordenadas da suposta IED e demonstrar sua existência e atendimento aos requisitos legais por meio de prova pericial”, diz a área técnica da ANP.

Juruá (AM)

Afirmou que era “confrontante” com o município de Tefé e, por isso, dividia “a preservação da Floresta Nacional” e sofria “os mesmos impactos ambientais” de instalações de embarque e desembarque de gás natural e petróleo que supostamente estariam na cidade vizinha. O advogado Gustavo Freitas Macedo não indicou a localização das supostas instalações.

O pedido de Juruá foi apresentado à desembargadora Daniele Maranhão, que acolheu as alegações. Após a decisão, instada a se manifestar, a ANP afirmou que Tefé não é produtora de petróleo nem tem este tipo de instalação. Mesmo que fosse, a legislação não dá direito a pagamento de royalties à cidade “confrontante” com município produtor ou detentor de instalações.

“Houve grave erro material, pois o autor (Juruá) não é contíguo e nem limítrofe a nenhum município com poços produtores ou pontos de entrega no Estado do Amazonas!!! Está muito distante de qualquer poço produtor e/ou ponto de entrega do Estado do Amazonas!!!!”, sinalizou a agência.

São Gabriel da Cachoeira (AM)

Em 17 de setembro de 2021, o desembargador Carlos Augusto Pires Brandão mandou incluir o município “no rol de beneficiários dos royalties na condição de confrontante”. Internamente, a ANP classificou a decisão como “impossível de cumprir”, pois o critério indicado pelo magistrado não existe na lei, e apontou “inverdades” no pedido feito pelo grupo do lobista à Justiça.

O município relatou ser afetado por ponto de entrega de petróleo e gás natural, sem indicar onde estariam essas instalações. A estrutura mais próxima está a 500 quilômetros de São Gabriel da Cachoeira.

O grupo do lobista indicou que a suposta produção da cidade de Juruá lhe impactava. O município não tem poços produtores em seu território. São Gabriel da Cachoeira também alegou que a produção do bloco SOL-T-118 lhe afetava. Como o bloco ainda não foi concedido pela ANP, ou seja, não há exploração e, consequentemente, não “fato gerador para o pagamento de royalties”.

Faro (PA)

Em fevereiro de 2022, o desembargador Antonio Souza Prudente acolheu o argumento da existência de produção e de instalações de embarque e desembarque de gás natural em um município vizinho a Faro. O “vizinho” fica a 370 quilômetros, em Nhamundá (AM).

O Pará não possui gasodutos de transporte de gás natural nem poços produtores de petróleo. Detalhe: o vizinho citado, Nhamundá (AM), não possui produção de petróleo e os blocos indicados nem foram concedidos.

“Contestar uma ação elaborada nestes termos, torna-se um desafio de exegese porque é preciso imaginar as diversas situações as quais se refere o autor em suas alegações, para então ancorar uma linha de defesa que seja algo coerente com o que se imagina ser a reivindicação deduzida”, dizia a contestação da AGU e ANP.

Em vermelho, a distância entre Faro (PA) e o chamado “ponto de entrega” de petróleo mais próximo, em manifestação da ANP ao TRF-1. Apesar dos 370 km de distância e de a lei não prever mais repasses a vizinhos desses pontos, estrutura foi usada como justificativa para cidade receber mais royalties Foto: Reprodução

Barra de São Miguel (AL)

Reduto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a cidade alegou, por meio do advogado Gustavo Freitas Macedo, ser “confrontante” com cidades produtoras de petróleo em terra. A legislação não estabelece esse critério para garantir direito a repasses milionários, apenas residuais, por presença em uma “zona de produção”.

O desembargador Pires Brandão acolheu o pedido. A decisão foi classificada como pela ANP como “extra-petita”, ou seja, a agência entendeu que o magistrado deu mais do que o município pediu ao Judiciário. Isso porque o desembargador determinou repasse mensal de royalties em razão da existência de ‘instalações de embarque e desembarque de gás natural’ no município. Barra de São Miguel não possui essas estruturas e, portanto, não as aponto no pedido.

Branquinha (AL)

Os advogados apresentam mapas que afirmam ser da ANP. As imagens demonstrariam o direito da cidade a royalties mais robustos e foram citadas como provas de que a própria agência reconhecia um direito do município. Os mapas não são da ANP, mas do Instituto Brasileiro de Administração Municipal. A agência apontou o erro em recurso, mas falha não foi mencionada na decisão.

Em junho de 2022, o desembargador Pires Brandão determinou a classificação do município como “confrontante de produtor” e estipulou que a ANP repassasse royalties à prefeitura como se o município fosse “detentor de instalações de embarque e desembarque de petróleo”. A cidade não tem essas estruturas.

‘Baseados em nada’

A ANP usou gráficos e tabelas para consolidar um panorama interno sobre as decisões proferidas pelos desembargadores Carlos Augusto Pires Brandão, Antonio Souza Prudente e Daniele Maranhão, do TRF-1. Uma nota técnica foi editada em março do ano passado para orientar procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU), que defendem a ANP na Justiça, em recursos apresentados contra as ações movidas pelos advogados do grupo do lobista Rubens Machado de Oliveira.

Em despachos internos a agência passou a classificar esses processos como “ações judiciais de alegações genéricas”, porque os pedidos apresentados pelos advogados “se baseiam em nada”, “distorcem grosseiramente” as regras da legislação do petróleo e “trazem inúmeras inverdades”. No rol de argumentos, houve espaço até para os advogados mencionarem aleatoriamente “Bíblia”, “Floresta Nacional”, aves, mamíferos e problemas com a covid-19 e com enchentes.

A “tese” que convenceu os magistrados foi criada pelo lobista. Os advogados arregimentados por ele apenas assinam as peças. Ao contestar um dos processos do grupo de Rubens de Oliveira, a AGU sinalizou à Justiça Federal de Brasília a dificuldade que vinha tendo com as “ações genéricas”. Segundo os procuradores, “contestar uma ação elaborada nestes termos” era “um desafio de exegese”, ou seja, de interpretação.

“É preciso imaginar as diversas situações as quais se refere o autor em suas alegações, para então ancorar uma linha de defesa que seja algo coerente com o que se imagina ser a reivindicação deduzida”, afirmou a AGU.

A ANP citou nominalmente os advogados Gustavo Freitas Macedo, Maria de Fátima Madruga Mendes e Marli de Oliveira como os profissionais que moviam as ações genéricas. Todos são associados ao lobista Rubens de Oliveira, condenado por estelionato e investigado por lavagem de dinheiro. O grupo já obteve R$ 25,7 milhões em honorários com as vitórias no TRF-1 desde janeiro de 2021.

Os processos preocuparam a agência, pois adotavam a “mesma sistemática” e avançavam “com rapidez e capilaridade”. Trecho de uma nota técnica de março de 2022 destacou a decisão do desembargador Pires Brandão que beneficiou o município de Barra de São Miguel (AL). A prefeitura é administrada por Biu de Lira (PP), pai do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ambos são filiados ao Progressistas alagoano.

Pires Brandão autorizou Barra de São Miguel a receber royalties milionários pelo critério de detentora de instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural. O município, contudo, não tem este tipo de estrutura. A ANP fez, então, um alerta aos procuradores da AGU “para a excepcional gravidade” da decisão que poderia “se transformar num divisor de águas potencialmente catastrófico” na distribuição dos royalties.

“Esta decisão institui pela via judicial novo critério de distribuição de royalties, genericamente intitulado “confrontante”, e define o parâmetro a ser adotado para apuração do valor a ser distribuído aos municípios-autores agraciados que, em completa deturpação da vontade do legislador, receberão parcela dos royalties que deveria ser destinada unicamente aos municípios que de fato possuem em seus limites territoriais instalações de embarque e desembarque”, afirmou a ANP.

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