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Amazonas

Câmara de Vereadores de Manaus aprova projeto de lei que censura danças “com conteúdo erótico nas escolas”

A dança evoca uma relação com a alegria e a proibição de danças nas escolas pode comprometer o próprio aprendizado dos jovens, na percepção de pesquisador.

Por unanimidade, a Câmara Municipal de Manaus (CMM) aprovou, na quarta-feira (23/08), o projeto de lei de autoria do vereador Raiff Matos (DC) que proíbe “danças sensuais nas escolas de Manaus”. A proposta agora vai à sanção do prefeito de Manaus, David Almeida. Segundo Raiff Matos é importante “colocar barreiras de proteção para as crianças nas escolas”.

“Essa lei nos dá condição de elevar as muralhas de proteção para as crianças e adolescentes nas escolas para que a gente tenha um ambiente ainda mais saudável nas escolas municipais. Os filhos são bênçãos e precisam ser protegidos pelos pais e também por toda a sociedade”, justificou o vereador.

Segundo o vereador a proposta “busca impedir a realização de apresentações com músicas e danças com conteúdo erótico ou sensual para crianças e adolescentes nas escolas da rede pública de ensino de Manaus”. E foi motivada pela “ocorrência de diversas situações em todo o Brasil que ferem a inocência das crianças, contrariando o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.

Segundo o PL, “músicas com conteúdo erótico e sensual são aquelas que possuem letras com termos pejorativos relacionados à sexualidade e ao ato sexual”. As danças proibidas nas escolas, segundo a proposta, “utilizam movimentos ou gestos com conotação sexual simulando ou fazendo alusão à relação sexual, obscenidade, licenciosidade, indecência ou à prática de atos libidinosos”.

“Precisamos evitar a exposição prematura de crianças à erotização infantil ou à sexualização precoce. Infelizmente, a gravidez precoce é um problema muito sério que muitas vezes é minimizado”, afirmou o vereador.

Na votação da proposta em segunda discussão no Plenário da Casa, os vereadores Luiz Mitoso (PTB) e Marcel Alexandre (Avante) manifestaram apoio à proposta e parabenizaram a iniciativa, destacando a importância de proteger as crianças e as famílias.

Onda de cópias

Proposições semelhantes a aprovada pelos vereadores de Manaus estão aaparecendo em vários estados. E são quase que uma cópia umas das outras, em Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas. Seus autores são quase todos de bancadas evangélicas e/ou ligados à partidos políticos que defendem pautas conservadoras.

Do Patriotas, o delegado Wallber Virgolino, levou o mesmo debate para a Assembleia Legislativa da Paraíba, quando apresentou o PL 920/2019, que mira a proibição de “coreografias obscenas” nas escolas. Membro da bancada evangélica da Assembleia Legislativa da Bahia, o pastor Isidório Filho, do Avante, foi além. Apresentou um projeto de lei que estende a proibição de ‘danças eróticas’ a programas de TV e em qualquer ambiente público.

A psicóloga e mestra em antropologia, Daniela Sales reflete que, quando se trata do público jovem, o proibicionismo quase nunca tem eficácia. Para ela, os projetos que censuram danças tidas como estimuladoras da erotização precoce são dicotômicos. “A indústria de cosméticos também promove a erotização das crianças. Por que não é um alvo?”, questionou.

Ao cercear a liberdade de expressão através da dança nas escolas, a psicóloga acredita que o debate sobre a sexualidade fica negligenciado. “A partir de manifestações como o passinho, pode se iniciar discussões sobre o corpo, os direitos reprodutivos e a objetificação da mulher, por exemplo. Trazer o jovem para uma posição de protagonismo”, avaliou.

A dinâmica conservadora do momento atual do Brasil aciona pautas que tentam impor o controle sobre o corpo e sobre a moral, disse o pesquisador e professor da UFPE Thiago Soares. Ele ressaltou o fato de que pautas semelhantes estão em voga em outros contextos, dentro e fora das Casas Legislativas. E questionou: “o que é legislar sobre o corpo no Brasil?”

“Somos um país cuja relação com o corpo é particular. A dança evoca uma relação com a alegria. Há uma confusão entre alegria e sexualização. O passinho pernambucano, por exemplo, é uma dança negra, periférica, que vem atrelada com movimentos pélvicos. Numa leitura moralista do passinho, se lê sexualização. Numa leitura ampla e progressista do passinho, se lê alegria”, considerou.

A proibição de danças nas escolas pode comprometer o próprio aprendizado dos jovens, na percepção de Soares. “A escola já é um espaço de vigilância. Pensar em fiscalizar ainda mais o pátio da escola é tirar alegria do ambiente de ensino. Tem que haver prazer no aprendizado, na construção do conhecimento, não pode ser um espaço apenas de regulação. O passinho e outras danças são um sopro de prazer na experiência de educação”.

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