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Crise de energia se espalha e coloca o mercado financeiro em alerta sobre possível inflação global

Petróleo em alta, afeta perspectivas de inflação e juros no mundo e derruba ações, principalmente de techs; entenda a relação.

Os índices caem com o aumento dos sinais de que a crise de energia não é pontual e está atingindo países do mundo todo. (Foto: REUTERS/Jason Lee)

Bolsas do mundo todo caem com o agravamento da crise de energia — que não afeta só o Brasil, embora aconteça por razões diferentes em outros países.

Enquanto isso, com a perspectiva de petróleo em alta, o mercado financeiro se dá conta de que a inflação global pode não ser transitória, como bancos centrais vêm afirmando. Nesta terça-feira (28), o petróleo do tipo Brent, referência global, ultrapassou os US$ 80, atingindo o maior valor em três anos.

A consequência desse cenário é uma perspectiva de aumento de juros antes do esperado, o que reduz a atratividade das bolsas em relação aos títulos de renda fixa, com efeitos principalmente para ações de tecnologia.

Nesta terça-feira, os índices na Europa fecharam em quedas superiores a 2%, como o Dax da Alemanha (-2,09%), o CAC 40 da França (2,17%) e o Euro Stoxx 600, que representa ações europeias, que caiu 2,56%, na maior queda diária em dois meses. Ações de tecnologia europeias caíram 4,8% e também foram ao nível mais baixo em dois meses.

Nos Estados Unidos, o clima de mau-humor também atingia as principais bolsas, com o S&P fechando o dia com baixa de 2,04% e a Nasdaq, que representa as ações de tecnologia, recuando 2,83%.

A bolsa brasileira acompanhou o exterior e fechou em queda de 3,05%, na segunda menor pontuação do ano, aos 11.124 pontos. Na direção oposta, o Vix, o índice do medo, que mede a volatilidade do mercado, chegou a subir mais de 23% no início da tarde, reforçando o aumento do pessimismo.

Crise de energia se espalha

Os índices caem com o aumento dos sinais de que a crise de energia não é pontual e está atingindo países do mundo todo, em um movimento global.

Na China, apagões em todo o país paralisam fábricas, inclusive fornecedores de empresas globais como Apple e Tesla. Milhões de residências também são afetadas. Cerca de 60% da economia chinesa depende do carvão, cuja oferta foi prejudicada pela pandemia e por uma disputa comercial com a Austrália, que afetou as importações.

O cenário fez a agência de classificação de risco do Goldman Sachs reduzir, nesta terça-feira, suas projeções de crescimento para a China de 8,2% para 7,8%.

Depois das baixas históricas na pandemia, o gás natural acumula alta de 500% em 12 meses no mercado europeu. No Reino Unido, o preço subiu 300% e 90% dos postos secaram nesta segunda-feira (27) com britânicos correndo para abastecer seus veículos.

Com o aumento da demanda por combustíveis acima do esperado e a demora da cadeia de petróleo para recompor a oferta, o banco Goldman Sachs disse que o barril de petróleo Brent pode bater os US$ 90 dólares este ano.

A alta reforça a tese de desaceleração global e deixa investidores cautelosos.

Nos Estados Unidos, a combinação de inflação pressionada com petróleo disparando derrubou os índices. O Federal Reserve (Fed), banco central americano, já estava sinalizando que poderia iniciar a redução de estímulos (tapering) em novembro, diante da inflação persistentemente alta. Com o petróleo batendo níveis recordes, o mercado passa a prever uma antecipação do tapering.

Os títulos do tesouro americano com prazo de dez anos, os treasuries, bateram o maior nível em meses. Esses papéis são os títulos mais líquidos do mundo e atraem investidores sempre que o risco no mundo aumenta, como é o caso agora.

Empresas de tecnologia são as mais afetadas pela alta de juros, o que explica a queda mais acentuada da Nasdaq, e seus reflexos em ações de fintechs e startups, que derreteram também na bolsa brasileira.

Ao calcular se ações de techs estão atrativas para o investimento, analistas fazem o chamado valuation, um cálculo para estimar seu retorno futuro. Como essas ações têm previsão de gerar receitas em um prazo mais longo, para estimar se valem a pena hoje, os analistas levam em conta a perspectiva de juros no futuro, descontando essa taxa. Por isso, quanto maior a expectativa de juros, mais desvantajosas elas ficam.

Com a crise de energia afetando as duas maiores economias do mundo, China e Estados Unidos, os dois maiores motores da economia global perdem força, com possíveis reflexos para toda a economia.

Roberto Attuch Jr, CEO da OhmResearch, afirma que os investidores devem monitorar de perto crise de energia e seus impactos na inflação global, mas segue com uma visão construtiva. “Acreditamos que pode haver uma desaceleração, mas continuamos construtivos com o cenário global. O petróleo a US$ 80 não é inconsistente com esse cenário, a questão do gás merece atenção, mas a retomada das economias, com avacinação avançando ainda pode se sobrepor aos riscos”.

Attuch afirma, porém, que no Brasil a situação é mais complicada, já que se aproxima o ano eleitoral, quando as atenções se viram para a disputa presidencial. Enquanto isso, “as previsões para o crescimento da economia vêm piorando, com crise hídrica e inflação superando as expectativas negativamente”.

Crise de energia

Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiros de Infraestrutura (Cbie), avalia que o mercado de energia global sofre um colapso. Segundo ele, o primeiro motivo está relacionado ao desarranjo da cadeia de petróleo com a pandemia. “A produção de petróleo não tem um botão de ligar e desligar, existe uma inércia operacional para recuperar a oferta depois que a demanda reage. E a parada também atrasou os investimentos, o que agrava ainda mais a situação”, diz.

O segundo ponto mencionado por Pires é a transição energética. Com países acelerando a diversificação de suas matrizes energéticas, de olho no ESG (preocupação com critérios sustentáveis, sociais e de governança), as economias ficaram reféns do clima. “Energias renováveis são intermitentes. A transição deveria ter buscado uma mudança estrutural na demanda, não uma redução da oferta.”

Pires conclui que com avanço das vacinações, a demanda por energia tende a aumentar no mundo todo, portanto a crise não deve se dissipar tão rapidamente. Os efeitos, segundo o especialista, devem ser sentidos inclusive na política. “Aumentos de custos na energia costumam provocar reações imediatas da população. Por isso a tendência é de aumento de turbulência na cena política.”

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