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Economia

Trabalho remoto se consolida como preferido pelos empregados, diz FGV

Fundação Getúlio Vargas (FGV) diz que o percentual de empresas que adotam o sistema de home office passou de 58% em 2021 para 33% em 2022.

Quando a pandemia atingiu o Brasil, muitos profissionais tiveram que adotar o modelo de trabalho remoto. Apesar de ter sido uma mudança forçada — sem planejamento, e em muitos casos, sem a estrutura adequada, — a experiência serviu como um grande laboratório para uma forma de trabalho que já ensaiava os primeiros passos, pois muitas empresas permitiam o trabalho remoto eventual, principalmente aquelas do setor de tecnologia. Três anos depois, os escritórios até voltaram a ficar cheios, mas a modalidade está longe de retomar os níveis verificados antes da crise sanitária.

Segundo um estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o percentual de empresas que adotam o sistema de home office passou de 58% em 2021 para 33% em 2022. A pesquisa revela ainda que 34% dos trabalhadores prestam serviço de forma remota ou híbrida (semipresencial) — eram 55% um ano antes. Antes da pandemia, cerca de 7% das empresas tinham empregados trabalhando a distância.

Os números fazem parte de um trabalho dos pesquisadores Stefano Pacini, Rodolpho Tobler e Viviane Seda Bittencourt com base nas sondagens empresariais e do consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) entre outubro de 2021 e de 2022.

De acordo com os responsáveis pelo levantamento, as empresas esperavam, a partir da normalização dos negócios, que o modelo de trabalho remoto diminuísse significativamente, o que não aconteceu.

“Havia um processo de aumento do home office muito lento antes da pandemia, que foi acelerado. A tendência agora é normalizar perto do que a gente tem hoje. A gente já vive um momento de poucas restrições, e as empresas também estão vendo o que é possível ou não fazer à distância”, afirma Rodolpho Tobler, do FGV Ibre.

Na indústria, 49% das empresas têm pelo funcionários que trabalham remotamente pelo menos uma vez por semana. Nos serviços, são 40%. No varejo e na construção, os números giram em torno de 10%.

No segmento de serviços de informação e comunicação, o percentual chegou a 90% em 2021 e ficou em 74% em 2022. Nos trabalhos prestados às famílias, aqueles que mais dependem do contato presencial com o cliente, caiu de 37% para 13%, de acordo com a pesquisa.

Dois terços dos trabalhadores consultados nas sondagens do consumidor trabalham presencialmente todos os dias. São 20% no sistema totalmente remoto, enquanto 14% seguem a modalidade de trabalho híbrido. A média na jornada dos colaboradores em home office da área administrativa se manteve próxima de três dias em 2021, o que se repetiu em 2022. A perspectiva das empresas é que esse resultado se mantenha no futuro. Nas áreas operacionais, cresceu de 1,1 para 1,6 dia por semana.

O site Vagas.com também divulgou uma pesquisa apontando que quatro a cada dez pessoas elegeram o sistema que mescla atividades presenciais e remotas como o mais indicado para trabalhar. Os dados indicam ainda que três em cada quatro trabalhadores dizem que o trabalho híbrido é “inegociável” para eles. Ou seja, desde o momento em que a pandemia forçou as empresas a escolherem um novo modelo e acelerar a instauração do home office, a aceitação e a percepção do funcionário sobre a melhor forma para desempenhar as funções corporativas mudaram.

Direitos básicos

Segundo a advogada trabalhista Renata Martins, sócia do escritório Pires Queiroz e Martins, quem trabalha de maneira remota possui todos os direitos básicos do trabalhador tradicional, tais como 13º, férias e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “Até porque, não há diferença entre trabalho executado à distância e o trabalho no emprego. Entretanto, há peculiaridades que envolvem essa modalidade, em especial quanto à jornada de trabalho e ergonomia”, afirma.

Ela ainda destaca as vantagens de quem exercer home office: “Existem inúmeras vantagens, como a flexibilidade quanto ao horário de trabalho, economia de tempo e valores no deslocamento casa-trabalho-casa, o que gera, em alguns casos, melhora na produtividade e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal”, ressalta Martins.

A observação da especialista pode ser confirmada no estudo da FGV. A pesquisa aponta que há divergências entre o que empregadores e trabalhadores percebem como benefícios desse sistema. As empresas com funcionários em home office reportam aumento médio de 23% na produtividade. Entre os trabalhadores, a maioria (41%) se considera mais produtiva ou igualmente produtiva (38%) no trabalho remoto.

Com a redução no percentual de empresas que utilizam o sistema, houve melhora na percepção sobre a questão. Em 2021, 22% das empresas que adotaram home office observaram aumento na produtividade, e 19% apontaram redução. Em 2022, a proporção dos empregadores que notaram aumento da produtividade de seus colaboradores aumentou para 30%, enquanto as que avaliam que houve perda diminuiu para 10%.

Não perder tempo com deslocamento e horários mais flexíveis são as duas vantagens do trabalho remoto mais apontadas pelos entrevistados. Metade dos trabalhadores também cita questões como redução de custos e aumento da qualidade de vida — são 4% os que não enxergam pontos positivos.

Um outro estudo, realizado pelo International Data Corporation Pesquisa de Mercado e Consultoria (IDC Brasil), feito para o “Workspace Google”, constatou que a maioria dos colaboradores aponta melhora na produtividade com o trabalho híbrido. Das 900 pessoas entrevistadas, 44% trabalham no sistema híbrido, 29% no presencial e 27% de forma remota. Para 67% deles, o trabalho em home office é melhor, pois não se perde tempo em deslocamento. Já 46% preferem o modelo por terem a oportunidade de conviver mais com a família e 31% pela flexibilidade de horários para realizar as atividades.

O home office é uma opção predominante para as categorias salariais mais elevadas, segundo o levantamento da Fundação Getúlio Vargas. O trabalho remoto é atualmente uma opção para cerca de 20% dos trabalhadores com renda de até R$ 4.800, para 50% na faixa acima de R$ 9.600 e 40% no grupo intermediário.

A pesquisadora do Ibre Viviane Seda Bittencourt pondera que o trabalho remoto ainda é um “desafio também para as empresas pequenas e médias, que precisam de um esforço maior para incorporar tecnologias”.
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Tendência no mercado

Com a adaptação do mercado ao trabalho home office, outras formas surgiram e viraram tendência. Um exemplo é o chamado de “nowhere office”, criado pela pensadora e empreendedora Julia Hobsbawm, que se resume em “um pouco de escritório em alguns momentos”. Para Hobsbawm, o termo traduz um conceito do mundo corporativo, que, segundo ela, não tem o intuito de abolir espaços corporativos, mas do fim da ideia de um modelo único para todos.

A empreendedora propõe que, sendo o escritório um trabalho moderno, ao questioná-lo, seja possível rever o que acontece dentro do fazer profissional, independentemente de onde ele aconteça. Além disso, acredita que é um momento de incertezas para chefes e gestores.

“Acredito que muitas pessoas, organizações e governos, investiram alto no trabalho presencial. Esse momento é um desafio, e tem um grande ponto de interrogação em como os gestores vão encará-lo. Eles estão relutantes porque isso significa mais mudanças, mais adaptação e menos controle”, afirma a empreendedora.

Para Beatriz Pires, diretora de RH, de maneira geral, não há obstáculos para o modelo de trabalho em casa. “Mas sim uma necessidade de adaptação para aqueles que estão acostumados ao trabalho presencial, uma vez que o trabalho remoto exige ainda mais foco e organização para cumprir as tarefas diárias”, avalia.

O especialista em gestão Pedro Signorelli avalia que a nova maneira de trabalho está em alta no mercado, que ela deve ser a que mais terá aderência no mundo corporativo pelos próximos anos, mas que será um desafio para as organizações.

“Penso que, de fato, este será o modo a ser oferecido a partir de agora, que terá de ser avaliado caso a caso, função a função, identificando qual é o colaborador que precisa, necessariamente ir todos os dias ao escritório, ou aquele que pode ir com alguma outra frequência que faça sentido. Portanto, este é um desafio a mais a ser enfrentado pelas organizações”, pondera.

“Quando pensamos em tipos de trabalho em que a possibilidade automação de processos é mais presente, e a presença humana é quase que dispensável, ou quando uma pessoa pode realizar todas as suas funções pela internet, ir ao escritório uma ou duas vezes no mês para rever os amigos, é interessante a adoção do ‘nowhere office’. No entanto, é impensável imaginar quando se trata de um operador de máquinas, por exemplo. Pelo menos no estágio de robotização da indústria de maneira geral”, afirma o gestor.

Signorelli ainda aponta que é preciso conhecer alguns pontos sobre a empresa na hora de exercer o trabalho. “O principal fator é identificar os objetivos comuns da empresa e passá-los para os colaboradores, onde quer que estejam. Sabendo qual é a sua função e a importância dela para atingir o resultado, ele irá desempenhá-la da melhor forma possível, independentemente do local, seja em casa, no escritório, na praia, ou de onde quer que ele prefira”, avalia.

“Neste caso, os OKRs (Objectives and Keys Results ou Objetivos e Resultados Chaves) são um caminho a ser seguido, seja para o trabalho 100% presencial, 100% remoto ou híbrido. As empresas que operam com esse modelo oferecem clareza e direção para as ações, alinhamento entre todos e foco, mitigando, inclusive, os riscos do trabalho remoto, pois traduz de maneira mais clara o propósito daquelas ações, facilitando a conexão do trabalho do dia a dia do colaborador com a estratégia da companhia”, pontua o gestor.

Bruna Felix, de 33 anos, é gestora de mídias sociais e trabalha para uma agência de marketing. Ela conta que começou a exercer a função remotamente por causa da pandemia, e que hoje não abre mão. “Eu achava que só dava para trabalhar na minha área se fosse presencialmente. Geralmente tinha que ir até o cliente, apresentar as estatísticas, cronograma, entre outras coisas. Depois da pandemia, precisei adaptar o trabalho e vi que dava para fazer tudo remotamente”, afirma.

Ela ainda explica que, após a flexibilização das medidas de segurança contra a covid, já iria sugerir à empresa em que trabalha para continuar exercendo em home office, mas a agência chegou com a proposta antes. “Acho muito importante quando o meio entende quais são as necessidades do colaborador e o que realmente funciona. Economizo tempo de deslocamento e acabo tendo mais tempo para fazer o que preciso do meu trabalho, gerando mais produtividade. Além disso, a internet nos possibilita muitas coisas, nos conecta”, pontou.

A gestora de mídias sociais ainda destacou que a empresa fornece infraestrutura necessária trabalhar em casa, como um valor que auxilia na internet, luz e um notebook.

Mas a advogada trabalhista Renata Martins, alerta que os meios para realizar o trabalho são responsabilidade do funcionário. “No caso de fornecimento de infraestrutura, apesar de a legislação trabalhista permitir a negociação via contrato de trabalho, contudo, prevendo ou não tais condições, é importante salientar que a lei brasileira determina ser do empregador a responsabilidade. Isso inclui as questões ergonômicas e mesmo questões as psicológicas e psiquiátricas, causadas pelo isolamento e má gestão no trabalho em home office”, pondera.

A advogada destaca questões sobre o benefícios do vale-transporte e vale-refeição:
“O vale transporte é direito pago ao trabalhador no deslocamento casa-trabalho-casa. Logo, trabalhando em casa, o direito não assiste ao trabalhador. Quanto ao vale-refeição e alimentação, deve-se observar o que consta da negociação coletiva da categoria ou mesmo do contrato de trabalho. Apenas nos casos em que esses preveem que o pagamento será condicionado ao dia de trabalho presencial é que o direito não assiste ao trabalhador em home office.”

Regulamentação da modalidade

Com essa adaptação, possibilidade de continuidade e das novas vagas surgindo no mercado, também nasceu a necessidade de regulamentar a modalidade de trabalho, dando segurança para os profissionais que contratados em regime CLT ou com contratos formais de prestação de serviço. A ideia é evitar possíveis conflitos entre patrões e empregados.

Em setembro do ano passado, foi sancionada a Lei 14.442/22, que regulamenta o teletrabalho. A norma sucede a Medida Provisória (MP) 1.108/22, aprovada pelo Congresso Nacional com vetos e alterações.

Um dos pontos da nova legislação diz respeito à definição da modalidade. A lei definiu como teletrabalho ou como trabalho remoto a prestação de serviços feita fora da empresa, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, podendo ser totalmente remoto ou híbrido, e que não deve ser considerada como trabalho externo. A contratação pode ocorrer por tarefa ou produção e as especificações do serviço nessa modalidade devem constar do contrato individual de trabalho.

A lei também define que a carga horária diária de trabalho remoto deverá considerar o “tempo de repouso legal”. Isso significa que o trabalhador, mesmo exercendo as suas funções fora das dependências da empresa, tem o direito ao intervalo, que deve ser contabilizado dentro da carga horária de trabalho. Se o profissional cumpre jornada de oito horas, ele deve tirar 60 minutos de repouso.

A legislação também possibilita que estagiários e aprendizes também possam atuar no esquema home office. Têm prioridade para adotar o trabalho remoto — desde que haja as condições necessárias — para os empregados com deficiência ou aqueles com filhos ou crianças sob guarda judicial com idade de até 4 anos.

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