Brasil
Planos de saúde sobem 327% em 18 anos, acima da inflação no período
Estudo mostra que mensalidades subiram muito acima da inflação geral no período, que avançou 170%.

Comprometendo uma fatia cada vez maior do orçamento das famílias e das empresas, os planos de saúde acumularam uma alta de 327% entre 2006 e o ano passado, quase o dobro da inflação geral do país, medida pelo IPCA, que subiu 170% no período. Os números são de uma análise antecipada ao GLOBO pelo Instituto de Estudos de Políticas de Saúde (Ieps), com base nas estatísticas do IBGE.
O setor discorda de análises de variação de preço com base no IPCA. Operadoras e até a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) argumentam que a precificação dos planos leva em conta não só a variação dos custos de insumos e tecnologias, mas também a frequência de uso dos convênios pelos usuários. A ideia dos pesquisadores, porém, foi analisar o quanto consumidores têm desembolsado com os contratos.
— O objetivo era olhar o quanto está saindo do bolso e sendo pago por famílias e empresas ao longo do tempo comparado a outros itens da cesta de consumo — explica o economista Vinicius Peçanha, um dos autores do estudo.
Os pesquisadores concluíram que o preço dos planos foi o principal fator de pressão nos custos da cesta de saúde e cuidados pessoais acompanhada pelo IBGE. Outros serviços de saúde subiram num ritmo menor no período analisado: serviços médicos e dentários acumularam alta de 233%, enquanto os laboratoriais e hospitalares ficaram em 179%.
Além disso, o documento aponta que, nos 18 anos analisados, enquanto a inflação dos convênios disparou 327%, alimentos e bebidas ficaram 276% mais caros; a alta de educação foi de 203%; e os gastos com habitação subiram 176%. Outra constatação é que o Brasil está entre os países com maior aumento nos preços dos planos de saúde, superando a inflação geral em maior grau do que países como Alemanha, França e EUA.
Peçanha analisa que o aumento pode ser atribuído a fatores como a incorporação de tecnologias mais caras, reajustes autorizados pelos órgãos reguladores e ineficiências regulatórias, além de mudanças demográficas e epidemiológicas que elevam a demanda por assistência médica, como o envelhecimento da população.
Ele observa que o aumento dos preços torna o acesso à saúde privada cada vez mais oneroso para as famílias, principalmente aquelas com idosos, e para as empresas. Hoje, 72% dos 52,3 milhões de usuários de planos estão em contratos coletivos empresariais:
— O Brasil tem gasto privado per capita de saúde muito mais alto do que a renda per capita, e muito disso vem do plano de saúde. As operadoras atuam numa pressão estrutural de custos, mas o aumento acelerado dos preços pode tornar o mercado proibitivo para parte da população e pressionar mais o SUS.
O IBGE apura a inflação das mensalidades de forma homogênea. Se a variação de preços for esmiuçada por tipo de plano, o percentual de 327% pode estar subdimensionado.
É o que aponta Marcelo Borges, diretor executivo da Mercer Marsh, consultoria que faz a gestão de benefícios de 5 milhões de usuários de planos coletivos empresariais.
Isso porque, nesses contratos, não há um teto para o reajuste anual, composto por duas variáveis. Uma delas é o perfil do contrato, ou seja, se os usuários utilizam muito ou pouco o plano, e quais coberturas são mais demandadas.
A outra variável é a inflação médica da operadora, definida pela variação dos custos — como remédios, equipamentos, internações e consultas — e também pela frequência de uso dos usuários.
— O plano de saúde já representou 7% da folha de pagamento das empresas, hoje é 15%, o segundo maior custo, e a expectativa para esse ano é que seja 15,79% — afirma Borges, citando pesquisa da consultoria com base na sua carteira. — Empresas que não se dedicarem a uma melhor gestão da saúde ocupacional, com ações de prevenção e comunicação, vão usar mais, e o plano e a conta vão ficar mais caros.
O executivo pondera que nos últimos anos pesam o envelhecimento da população, os avanços nos tratamentos e a judicialização crescente, que pressionam previsões financeiras das empresas, gerando reajustes mais altos.
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Bruno Sobral, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), reconhece que o desembolso cada vez maior dos consumidores com os contratos “é um fenômeno mundial”, impulsionado por tecnologias e medicamentos mais caros:
— A tecnologia em saúde não substitui a anterior, mas se agrega. A judicialização precisa ser trabalhada, porque desorganiza a projeção de despesas. Mas, acima de tudo, temos uma saúde suplementar e uma qualidade assistencial muito melhor do que em 2006, e isso tudo tem custo.
Superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais diz que influenciam na conta dos planos a variação dos preços, a incorporação de tecnologias e a frequência de uso. E avalia que o impacto vem da velocidade na incorporação dos avanços nos tratamentos ao rol da ANS e da alta expressiva nos preços de exames e medicamentos:
— Em 2006, a grande discussão era um aparelho de ressonância que custava R$ 1 mil por exame. Hoje, falamos de medicamentos que chegam a R$ 20 mil a caixa — lembra. — As terapias vêm pesando muito nos custos. De 2022 para 2023, aumentaram 41,4%.
Diferentemente dos contratos coletivos, planos individuais têm limite máximo definido anualmente pela ANS, e são cada vez menos ofertados pelas operadoras. Para 2025, por exemplo, o teto de reajuste autorizado foi de 6,06%. Por isso, muitos usuários recorrem a contratos coletivos por adesão, sem teto de revisão.
— As famílias estão ficando sem capacidade de pagar o plano. Temos clientes aposentados em que o benefício previdenciário vai quase inteiro para pagar a mensalidade, e os familiares precisam ajudar a fechar o orçamento — cita o advogado Marcos Patullo, sócio do escritório Vilhena Silva.
— Nos últimos cinco anos, fui tendo reajustes, até que não tive como pagar mais e no ano passado precisei trocar. Quando optei por outra operadora, o valor diminuiu, mas a cobertura não era tão grande — diz.
Em nota, a ANS afirmou que “é de amplo conhecimento que em vários países os custos em saúde crescem a taxas superiores à variação média dos demais preços da economia”, mas defendeu que “estimativas de comprometimento de renda não devem considerar apenas a diferença entre reajustes acumulados nos planos de saúde e a variação do índice de preços do país, mas também fatores como variação dos rendimentos do trabalho e mudanças de planos pelos beneficiários ao longo dos anos”.
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