Brasil
Justiça suspende resolução do CFM que endurece regras para transição de gênero em crianças e adolescentes
A Resolução 2.427/2025, de abril deste ano, também aumenta de 18 para 21 anos a idade mínima para a realização de cirurgias de transição.

A Justiça Federal no Acre suspendeu na última sexta-feira (25) a norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe o uso de bloqueadores hormonais para mudança de gênero em crianças e adolescentes. A Resolução 2.427/2025, de abril deste ano, também aumenta de 18 para 21 anos a idade mínima para a realização de cirurgias de transição, quando os procedimentos implicarem potencial efeito esterilizador.
O Ministério Público Federal (MPF) argumentou que a regra configura “retrocesso social e jurídico, em flagrante violação às evidências científicas consolidadas”. Os procuradores pediram a suspensão liminar da medida e a condenação do CFM ao pagamento de R$ 3 milhões em danos morais coletivos.
O montante seria revertido em ações, projetos educativos e de enfrentamento das violências contra pessoas trans e travestis, elaborados com a participação de entes da sociedade civil e governamentais.
Nos autos, o Conselho rebateu a ação civil pública do MPF e apontou que o tema já é discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), portanto, não caberia à Justiça Federal decidir. O juiz federal Jair Araújo Facundes, da 3ª Vara Federal Cível e Criminal da Seção Judiciária do Acre, rejeitou o argumento.
A resolução de abril altera uma norma editada pelo CFM em 2019 (Resolução 2.265/19). Facundes esclareceu que não está em discussão o poder regulamentador do CFM sobre o proceder médico profissional, mas “há discordância genuína acerca dos limites desse poder regulamentador quando o tema envolve outras áreas do conhecimento”.
O magistrado ressaltou que a resolução anterior foi “resultado de um amplo debate com diversos representantes da sociedade civil e pesquisadores”, enquanto a norma atual foi “elaborada exclusivamente pelo CFM”. Dessa forma, ele estabeleceu que qualquer nova alteração na resolução de 2019, “deverão ser necessariamente antecedidas de debate e deliberação com a participação de pelo menos os mesmos órgãos e entidades que participaram de sua elaboração”
“Se o CFM reconheceu a necessidade de várias especialidades na elaboração da regulamentação do tema, não pode revogar sem passar pelo mesmo procedimento de aprovação, exceto se apresentar razões para tanto”, disse Facundes ao apontar vício procedimental e falta de fundamentação na nova resolução do CFM.
Cadastro
O Conselho também determinou que serviços médicos que realizam procedimentos cirúrgicos de transição de gênero deverão, obrigatoriamente, cadastrar os pacientes e repassar as informações aos Conselhos Regionais de Medicina competentes.
O juiz afirmou que cadastros, como o exigido na resolução, são “catalogações de seres humanos em razão de características pessoais são, por definição, incompatíveis com o direito à privacidade e intimidade, com a dignidade e respeito uniforme que todas as pessoas merecem”.
Juiz critica “tom irônico” do CFM
O CFM sustentou que a imposição da idade mínima de 21 para cirurgias de redesignação está prevista em legislação aprovada pelo Congresso. No entanto, o juiz lembrou que a lei foi discutida e aprovada com uma “finalidade ou fim público bem distante do tema ora tratado”.
Facundes apontou que o dispositivo “veicula um paternalismo incompatível com a autonomia da vontade” por dispor a “indivíduos transgêneros que conservem órgãos correspondentes ao sexo biológico junto ao especialista adequado (se genitália masculina, urologista; se feminina, ginecologista)”.
Segundo o magistrado, para justificar essa regra em específico, o CFM “adotou um tom irônico, inapropriado quando se discute temas que envolvam sofrimento humano e dor, junto a público com índices de suicídio acima dos demais grupos sociais”.
“De qualquer forma, há todo um arcabouço jurídico que garante às pessoas o direito de escolher seus médicos, e se alguém, mesmo com genitais masculinos, sente-se mais confortável e seguro em se consultar com um ginecologista, o Estado não deve interferir nessa escolha. Caberá ao médico e paciente decidirem se será chamado um terceiro profissional, mas não se legitima, prima facie, essa imposição”, disse.
Terapia hormonal
Em relação às terapias hormonais, o CFM defendeu a vedação de bloqueadores hormonais para crianças e adolescentes com base na falta de pesquisas durante a vigência da Resolução no 2.265/19 e em estudos europeus como o “Cass Review”, elaborado no Reino Unido.
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