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Brasil

Facções criminosas na Amazônia usam cargas de pirarucu para esconder droga e travam apoio federal à pesca

Peixes disfarçam cheiro da cocaína e da supermaconha transportada na tríplice fronteira; Ministério da Justiça avalia alternativas para a região

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Facções criminosas como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) têm usado barcos com cargas de pirarucu e outras espécies de pescado para transportar grandes quantidades de cocaína e skank, conhecido como “supermaconha”, pelos rios da Amazônia. Apreensões recentes apontam que pacotes são colocados nos cascos dos barcos e em caixas de isopor, junto do gelo e do peixe. O cheiro forte ajuda a esconder os entorpecentes de cães farejadores. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O uso dessa cadeia pelos bandidos freou até iniciativa do governo federal para apoiar o manejo de pirarucu na região de Tabatinga (AM), tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, segundo o Ministério da Justiça.

“A gente até ia trabalhar com um incentivo à cadeia do pirarucu, mas deu um passo atrás justamente pela vulnerabilidade das pessoas que estavam ali e que tinham inclusive medo de se envolver nessa cadeia por conta do crime organizado”, disse Marta Machado, secretária nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do ministério.

O governo federal agora discute investir em novas cadeias produtivas na região, perto de onde foram assassinados em 2022 o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira após conflitos com um grupo que estaria envolvido em pesca ilegal no Vale do Javari.

Autoridades apontam ainda queda drástica no turismo nos últimos anos, o que elevou o desafio de criar incentivos de renda à população, até para frear a cooptação dos moradores pelas facções. Alguns dos municípios da região, como Atalaia do Norte, têm índices de desenvolvimento humano (IDH) bem abaixo da média do Estado.

Trabalhadores locais ouvidos pelo Estadão afirmam quecasos de irregularidade são exceções, e questionam a decisão da Senad. “Tem ali (na região do Alto Rio Solimões) forte convergência de tráfico de drogas com a cadeia do pirarucu, tem vários casos do peixe sendo transportado com droga dentro”, afirma Marta. As facções agem até em comunidades indígenas e quilombolas.

“Há uma espécie de compartilhamento de logística: a gente vê isso com fauna, com carregamento de madeira, que vai com droga também”, diz a secretária. Segundo ela, os bandidos não deixam de vender o peixe transportado com a droga, em uma relação “ganha-ganha”.

O avanço do tráfico de drogas na Amazônia contribui ainda para impulsionar a degradação ambiental na floresta, com alta do desmatamento e do garimpo em áreas protegidas.
Crime organizado na Amazônia

Diante disso, o ministério prevê buscar não só reforço à fiscalização e à repressão dos grupos que cometem crimes na região, mas também na prevenção ao aliciamento. “Como a gente fortalece as comunidades locais, especialmente as comunidades indígenas, para que não sejam aliciadas pelo crime organizado?”, questiona Marta.

Em julho, a Polícia Militar do Amazonas apreendeu 23 quilos de droga, entre cocaína e skank, após abordagem a um barco que passava por volta das 2h20 da madrugada pela base arpão em Coari, no Médio Solimões.

Essas bases são estruturas que funcionam como postos policiais dos rios e auxiliam nas abordagens a embarcações. A apreensão se deu após um cão farejador da corporação apontar suspeita ao chegar perto de onde estava uma caixa de isopor com peixes e pedras de gelo no setor de encomendas da embarcação.

Há dois anos, operação da Polícia Civil apreendeu 1,5 tonelada de cocaína no Estreito de Óbidos, região oeste do Pará. A droga estava escondida embaixo de uma carga de 12 toneladas de pirarucu, conforme registro policial. Três pessoas foram autuadas em flagrante.

Além de misturar entorpecentes na carga de peixe, é usada a “caletagem” para transportar quantidades maiores – os
pacotes são acoplados no fundo dos barcos. “Quando é muita droga, trazem no porão“, diz o major Francisco Camurça, coordenador de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública do Amazonas.

Relatório de inteligência da pasta, obtido pelo Estadão, aponta que, além do tráfico por meio fluvial, há uso de helicópteros e aeronaves anfíbias para levar o produto ilegal.

“As drogas são ocultadas em vísceras de peixe, no ‘bucho de tambaqui’, cilindros de oxigênio, ‘caletadas’ nos porões das embarcações e em paredes falsas”, diz trecho do documento sobre a variedade de estratégias.

O governo do Amazonas tem quatro bases arpão distribuídas em pontos estratégicos da malha fluvial, como no Solimões. Nos rios do Pará, são outras duas, além de uma terceira em fase final de construção.

No mês passado, agentes da PM estavam em patrulhamento por volta de 1h na base arpão de Coari quando viram que um pequeno bote se soltou da embarcação maior e seguiu rente a uma das margens do rio. A ação gerou suspeita imediata. Os policiais usaram uma lancha blindada para abordar o bote, onde havia 300 quilos de pirarucu e cerca de oito
quilos de skank distribuídos em oito tabletes pretos. A droga estava no fundo da embarcação e ao menos três
suspeitos foram presos.

Segundo a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, o apoio à cadeia do pirarucu foi pensado neste ano no contexto do Parque Científico e Tecnológico do Alto Solimões (PaCTAS), na cadeia da Bioeconomia, em Tabatinga, onde a Estratégia Nacional Povos Indígenas na Política sobre Drogas inaugurou há alguns meses o Centro de Acesso a Direitos e Inclusão Social Povos Indígenas.

Mas a avaliação foi de que, para o desenvolvimento específico na cadeia, seria necessário trabalho com risco de
“extrapolar o tempo de gestão” disponível. “Por isso, está em estudo o investimento em outras cadeias produtivas, onde possamos ter avanço e incidência mais imediatos e, dessa forma, contribuir com o desenvolvimento local”, informa a pasta.

A secretária afirma que, além de lançar o centro de acesso a direitos em Tabatinga, a Senad planeja uma espécie de índice para medir a presença de organizações criminosas em territórios indígenas, com previsão de lançamento na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), que ocorre em novembro em Belém.

“A gente precisa proteger e fortalecer as comunidades locais para evitar o aliciamento, evitar a colaboração com o crime”, diz ela.


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