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Brasil

Empresas usam terras públicas da Amazônia para vender créditos de carbono a multinacionais, diz site

Defensoria Pública do Pará entrou com ações na Justiça contra empresas. Três projetos estão sobrepostos a áreas de florestas públicas estaduais sem autorização do governo do Pará.

Comunidade ribeirinha em assentamento estadual à margem do rio Anapu, em Portel (PA), onde foram vendidos créditos de carbono. (Foto: Giaccomo Voccio/g1)

Cinco empresas brasileiras e três estrangeiras (uma americana, uma canadense e uma britânica) usaram terras públicas na Amazônia para lucrar, de forma irregular, com a venda de créditos de carbono para gigantes multinacionais, segundo a Defensoria Pública do Estado do Pará. As informações são do site g1.

Os casos foram levados à Justiça pela própria Defensoria Pública do Pará, que entrou com três ações civis públicas na Vara Agrária de Castanhal contra os envolvidos em três projetos de crédito de carbono, localizados na área rural de Portel.

Com 62,4 mil habitantes, Portel é um município onde vivem populações ribeirinhas. Fica a 13 horas de barco de Belém, a 263 km da capital, e é cortado pelas águas de diferentes rios do arquipélago do Marajó.

Entre as multinacionais, estão empresas mundialmente conhecidas, como farmacêuticas, companhias aéreas e até um time de futebol da Inglaterra. Elas compraram esses créditos para compensar as próprias emissões de gases do efeito estufa. As compras foram feitas de modo legal, na maior certificadora de venda de créditos de carbono no mundo, a Verra, sem indicativos de que poderia haver problemas nos créditos.

As multinacionais não são alvo das ações da Defensoria Pública. Os processos são contra as empresas que geraram os créditos de carbono. Procuradas pelo g1, as multinacionais alegam, de forma geral, que não tinham conhecimento das irregularidades apontadas pela Defensoria. Já o time de futebol não respondeu às tentativas de contato (leia o que dizem os citados ao final desta reportagem).

A Verra diz que colabora com a Defensoria e que suspendeu a venda de novos créditos de carbono dos três projetos enquanto faz “verificações” (leia mais abaixo).

A Defensoria do Pará aponta três problemas com os projetos:

1-Os responsáveis dizem que os projetos estão em propriedades particulares, mas, na verdade, eles estão localizados em terras públicas estaduais.
2-Como estão em terras públicas, esses projetos precisavam ter tido alguma autorização dos órgãos do governo local, o que não aconteceu.
3-As comunidades ribeirinhas, que vivem em assentamentos agroextrativistas, demarcados pelo governo do Pará, deveriam ter sido consultadas sobre esses projetos, para dizer se concordavam ou não com eles. Segundo a Defensoria e ribeirinhos, isso também não aconteceu.

As ações da Defensoria mostram que atores privados estão ganhando dinheiro com terras públicas de floresta, mas sem a permissão do estado ou qualquer retorno para as famílias da região.

Para o órgão, trata-se de grilagem de terras públicas, já que as empresas responsáveis pelos projetos se valeram de matrículas imobiliárias e de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) inválidos para alegar à maior certificadora internacional de crédito de carbono que as áreas eram de propriedade privada.

“Trata-se de uma prática ilícita realizada pelos requeridos […] para se beneficiarem de área de floresta pública de posse das comunidades tradicionais”, dizem as ações.

O Ministério Público do Pará também passou a acompanhar os casos por um procedimento extrajudicial. Com base nas ações da Defensoria em Portel, o MP do Pará e Ministério Público Federal emitiram, em julho, uma nota técnica sobre o assunto .

O que são créditos de carbono?

-Trata-se de um mecanismo criado para remunerar projetos que desenvolvem ações de combate às mudanças climáticas. Pode ser com energia renovável, reflorestamento ou preservação da floresta, como é o caso em Portel.
-Empresas que lançam na atmosfera gases do efeito estufa (o que contribui para as mudanças climáticas) podem recorrer a esses projetos para compensar suas próprias emissões.
-01 crédito equivale a 1 tonelada de gás carbônico. Uma empresa que emite 100 toneladas de gases do efeito estufa pode, por exemplo, comprar 100 créditos como compensação.
-Por enquanto, ainda não existe no Brasil um mercado regulado pelo governo. Dessa forma, os créditos são negociados no chamado mercado voluntário.

O g1 viajou até Portel e percorreu cerca de 400 km pelos rios Anapu e Pacajá para ouvir lideranças e moradores das áreas. Os entrevistados dizem que os representantes das empresas não disseram que os projetos eram de crédito de carbono, não se identificaram com clareza nem trabalharam junto com as associações e organizações locais.

Parte das áreas dos projetos está sobreposta a cinco assentamentos dos chamados Projetos Estaduais Agroextrativistas (PEAEX).

São terras públicas estaduais já tituladas pelo governo estadual, onde vivem pelo menos 1.484 famílias ribeirinhas em comunidades dispostas ao longo das margens dos rios. No total, os cinco assentamentos somam mais de 3,3 mil km2 (o dobro da área da cidade de São Paulo) de florestas públicas.

“Um dos questionamentos que fazíamos era sobre quem financiava o projeto. E eles [representantes das empresas] não quiseram dizer. Também não disseram quem era o coordenador, o dono da empresa. Só diziam ser uma ONG”, conta Gracionice Silva, hoje presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Alto Pacajá, que representa um dos assentamentos.

“Da forma com que está sendo feito, o dinheiro está indo, e a gente não sabe nem para o bolso de quem”, diz ela.

Como funcionavam os projetos no Pará?

-Para poder vender créditos de carbono no mercado voluntário, projetos do tipo submetem várias documentações a uma certificadora internacional, que possui metodologias para estimar quantas emissões seriam evitadas.
-A maior certificadora é a Verra, uma organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos.
-Depois que são registrados por uma certificadora, os projetos começam a comercializar créditos.
-Na zona rural de Portel, três projetos foram registrados e validados pela Verra. Segundo a documentação, eles estavam em terras privadas. Mas não é isso que mostra o cruzamento de coordenadas geográficas.
-Entre as centenas de compradoras de créditos desses projetos, estão empresas mundialmente conhecidas, como Air France, Boeing, Braskem, Toshiba, Samsung, Kingston, Barilla, as farmacêuticas Bayer e Takeda, além do Liverpool, time de futebol da Inglaterra.
-Cada contrato de compra e venda de crédito de carbono é negociado de forma privada entre as partes. Assim, não é possível saber exatamente quanto os projetos lucraram com a venda dos créditos.
-Em 2021, quase 1,4 milhão de créditos do projeto Pacajaí, por exemplo, foram usados por empresas para compensar emissões. Naquele ano, o valor médio global dessa categoria de crédito de carbono foi de US$ 5,80, segundo a Ecosystem Marketplace.
-Assim, num cenário completamente hipotético em que todos esses créditos do projeto tenham sido vendidos por esse valor em 2021, o total seria de mais de US$ 8,1 milhões, ou R$ 40,8 milhões.
-O projeto Pacajaí comercializa créditos desde pelo menos 2015 e foi proposto por uma empresa identificada pela sigla ADPML — esta, por sua vez, é controlada por um fundo com sede na ilha britânica Guernsey, no canal da Mancha (procurados, eles não responderam aos pedidos de contato feitos pelo g1).

O objetivo de projetos de crédito de carbono desse tipo é financiar a proteção da floresta, evitando o desmatamento. Não há evidências, porém, de que os projetos em Portel tenham, de fato, gerado proteção ambiental.

“Foram projetos de gaveta, projetos no papel, que efetivamente não operaram qualquer proteção ambiental nessas áreas de floresta na Amazônia”, afirma a defensora pública agrária Andreia Barreto, autora das ações judiciais.

‘Grilagem do clima’

Nos documentos submetidos à Verra, as empresas afirmam que os projetos estão localizados em áreas privadas. A Defensoria Pública do Estado do Pará, no entanto, identificou que foram canceladas 45 das 50 matrículas imobiliárias usadas na documentação dos projetos — as outras cinco estão fora das áreas dos assentamentos estaduais.

“Essas [45] matrículas integram a prática ilícita da grilagem de terras públicas realizada nos registros dos Cartórios de Breves e Portel, abrangendo áreas multiplicadas apenas em papéis, que não possuem validade jurídica”, dizem as ações.
A fraude também contou com a emissão de Cadastros Ambientais Rurais (CAR), usados pelos projetos de forma ilegal, conforme a Defensoria .

Entre as oito empresas processadas na esfera cível pela Defensoria, cinco estão ligadas ao empresário americano Michael Greene, que vive nos Estados Unidos. Ele é sócio e administrador de quatro delas. A quinta está em nome de sua mulher, Evelise da Cruz Pires Greene.

Greene é apontado nas três ações como o suposto proprietário de áreas usadas pelos projetos. Ele teria adquirido dezenas de imóveis rurais do brasileiro Jonas Morioka — também alvo da ação da Defensoria por ser apontado como proprietário de algumas terras.

A grande maioria dessas matrículas imobiliárias, contudo, foi cancelada pelos cartórios de Portel e de Breves, devido a irregularidades. Muitos dos cancelamentos administrativos ocorreram após uma determinação de 2010 da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. O cancelamento significa que a matrícula deixa de ter validade jurídica.

Mesmo assim, os perímetros apontados nas matrículas canceladas foram usados na documentação dos projetos, segundo a Defensoria.

Procurado por e-mail e por meio de um funcionário, Greene afirmou que não é ele o responsável pela “regularidade dos imóveis em discussão”.

“Sobre as empresas, Brazil Agfor e Agfor Empreendimentos, como supostos proprietários das terras, informo que um particular possuía uma dívida gerada por serviços por mim prestados a ele que, após não serem pagos os valores devidos, gerou uma ação judicial e, de boa-fé, recebi em dação em pagamento imóveis que à época eram propriedades particulares em dação em pagamento, através de um acordo homologado em um processo judicial”, respondeu ele.

Greene afirmou ainda que, se necessário, cooperará com a Justiça para “ajustar o que estiver em desacordo legal e cumprir toda e qualquer determinação judicial cabível ao caso”.

O americano também é sócio e administrador da Brazil Agfor, com sede em Manaus e em Michigan, nos Estados Unidos, responsável pelo projeto de crédito de carbono Rio Anapu-Pacajá.

Perguntado sobre o projeto, Greene disse que foi contratado em 2012 por um “proprietário de terras particulares para prestar um serviço de consultoria e desenvolvimento” do projeto Rio Anapu-Pacajá. Ele não especificou quem foi o contratante.

Em 2012, o governo do Pará editou um decreto que reservou áreas na região para os assentamentos estaduais.

“Ao tomar conhecimento de que as matrículas dos imóveis particulares passaram a ser questionadas, imediatamente suspendi as atividades relacionadas ao Projeto Rio Anapu-Pacajá, que é o projeto que eu fui contratado para desenvolver em propriedades particulares”, disse Greene, sem especificar quando isso aconteceu. O projeto Rio Anapu-Pacajá gerou créditos em 2021.

O g1 também mandou e-mails e tentou contato com Jonas Morioka por meio do site dele, mas não obteve retorno. O advogado dele foi procurado, mas não havia retornado até a última atualização desta reportagem.

 

De acordo com a Defensoria, os responsáveis pelos projetos violaram o direito territorial e o direito à consulta livre, prévia e informada das comunidades que vivem nos assentamentos, acarretando riscos socioambientais, à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais.

Isso porque, sem autorização do estado e sem a realização de um estudo prévio, as empresas entram nos assentamentos, fazem monitoramentos, inventários florestais e até o cadastramento de famílias, sem qualquer controle do poder público e das comunidades.

Nas ações, a Defensoria pede que:

-seja assegurado o direito ao território das comunidades dos cinco assentamentos estaduais;
-seja reconhecida a invalidade dos projetos de crédito de carbono e todos os negócios deles decorrentes;
-seja impedida a entrada dos responsáveis pelos projetos nos assentamentos;
e seja paga indenização moral por danos coletivos no valor de R$ 5 milhões por ação judicial.

Duas das três ações também são contra o município de Portel. A Defensoria requer a nulidade de dois decretos editados pelo prefeito local, que autorizou as empresas privadas a realizarem construções dentro dos assentamentos.

A administração municipal afirma que esses dois decretos já foram revogados e que só apoia um quarto projeto de crédito de carbono. Esse quarto projeto ainda não foi registrado por nenhuma certificadora internacional e, portanto, não comercializa créditos. Ele também é alvo de uma quarta ação da Defensoria.

Em nota, a prefeitura afirmou:

“Anulamos os demais decretos tendo em vista que somente após a edição dos mesmos e, após a audiência pública do dia 24 de janeiro do corrente ano em Portel, provocada pelo Ministério Público agrário, é que viemos a ter conhecimento que quase a totalidade do projeto se assenta em terras ‘ditas’ do Sr. Jonas Akila Morioka, cujas propriedades há décadas são objetos de questionamentos judiciais na justiça do estado do Pará e do STF, sendo que a maioria das matrículas de ditas propriedades foram suspensas ou canceladas por decisão do Conselho Nacional de Justiça”.

Procurada pelo g1, a Verra, que registrou os projetos em sua plataforma, afirmou que está colaborando com a Defensoria, que está revisando as iniciativas. A Verra afirma ainda que os projetos registrados passam por verificações e validações conduzidas por terceiros. As auditorias costumam ser contratadas pelos próprios proponentes dos projetos.

Dois dias depois de enviar a primeira resposta ao g1, a Verra publicou um comunicado nos sites dos três projetos, informando que abriu um período para fazer novas validações e verificações e que, enquanto esse processo durar, a emissão de novos créditos de carbono por parte dos projetos está suspensa.

Como funciona o mercado de crédito de carbono

Com o agravamento do aquecimento global e da crise climática, mais de 130 países já estabeleceram compromissos para zerar suas emissões de gases do efeito estufa.

Da mesma forma, grandes corporações e empresas vêm prometendo corte de emissões ou medidas que resultem na neutralidade das emissões de carbono nas próximas décadas. Das 80 principais empresas que atuam no Brasil, 77% já divulgaram alguma meta de redução de emissões, segundo a consultoria McKinsey. Para compensar suas emissões, muitas empresas recorrem aos créditos de carbono.

O valor de cada crédito depende do mercado no qual ele é negociado — regulado ou voluntário. Nos mercados regulados, os governos (nacional, regional ou estadual) determinam metas ou limites de emissões para empresas emissoras que devem ser cumpridos por lei. Aquelas que conseguem emissão inferior à cifra estabelecida podem vender seus créditos de carbono às que excederem o limite.

Já no mercado voluntário, as empresas não têm obrigações legais de reduzir emissões, mas aquelas com suas próprias metas procuram adquirir créditos de carbono para fazer a compensação e atender à demanda crescente do mercado consumidor por companhias comprometidas com o meio ambiente.

Os créditos, por sua vez, são gerados a partir de diferentes tipos de projetos, como de energia renovável, gestão de resíduos sólidos e, ainda, iniciativas relativas à floresta e ao uso do solo, como ações de reflorestamento ou de redução do desmatamento — esta última categoria é conhecida pela sigla REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal).

Quando a floresta é desmatada, o carbono armazenado no solo e nas plantas é liberado para a atmosfera, contribuindo para o agravamento do aquecimento global. Projetos de redução do desmatamento, em teoria, evitariam esse tipo de emissão.

Os desenvolvedores desses projetos procuram certificadoras internacionais para atestar que evitam ou reduzem emissões. Atualmente, a principal certificadora do mundo é a Verra, uma organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos responsável pela metodologia que calcula quantos créditos de carbono um determinado projeto pode gerar, a chamada “Verified Carbon Standard (VCS)”.

Os projetos em Portel: ‘projetos de gaveta’

Os três projetos denunciados pela Defensoria Pública do Pará à Vara Agrária da Região de Castanhal são projetos do tipo REDD+, o que significa que eles se propõem a gerar créditos de carbono por evitar o desmatamento da floresta. Dois deles obtiveram o registro da Verra em 2020, um, em 2021.

As três iniciativas preveem longos períodos de duração (de 30 a 40 anos) e abarcam, no total, uma área de 4.519 quilômetros quadrados, o que equivale a quase 18% de todo o município de Portel.

Para evitar o desmatamento, os projetos afirmam nos documentos à certificadora que treinaram e contrataram moradores locais para atuarem em espécies de “brigadas” de monitoramento contra crimes ambientais.

Dois deles, o RMDLT e o Pacajaí, também dizem que realizam sobrevoos mensais para monitorar as áreas. O primeiro afirma ainda que tinha como plano futuro instalar torres de vigilância com câmeras.

Já o projeto Rio Anapu-Pacajá afirma que a partir de 2016 as atividades de patrulha foram intensificadas com a contratação de moradores locais. Greene respondeu à reportagem que “o patrulhamento era realizado pelo proprietário dos imóveis”.

Não há nenhuma evidência que essas medidas contra o desmatamento tenham ocorrido de fato. Nenhum morador ou liderança local ouvido pelo g1 tinha notícia ou já tinha ouvido falar nesses monitoramentos.

Por isso que a defensora Andreia Barreto classificou as iniciativas como “projetos de gaveta, projetos no papel”.

“Portanto, não há nenhum tipo de proteção efetiva da floresta pelas empresas que compraram esses créditos de carbono para fazer a compensação de suas emissões”, diz Barreto.

“Isso também é um alerta para quem compra dentro desse mercado e para quem está vendendo a ideia de proteger a Amazônia, contra as mudanças climáticas, sem efetivamente estar checando onde está a fonte dessa proteção.”
Os três projetos em Portel registrados pela Verra comercializam créditos há anos. Milhares já foram emitidos e usados por empresas, incluindo grandes multinacionais, para compensar emissões. A Defensoria identificou que um dos projetos, o RMDLT, firmou um contrato para a venda de 500 mil créditos a US$ 3,50, o que equivale a US$ 1,75 milhão.

Os projetos também alegam trazer benefícios para as comunidades locais, como oficinas de treinamento e orientação técnica para que as famílias que vivem fora dos limites dos projetos possam obter títulos de propriedade “em áreas que não são privadas”.

Um dos projetos, o Rio Anapu-Pacajá, afirma que vai ajudar 127 famílias a obter o Cadastro Ambiental Rural (CAR) — trata-se de um cadastro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais para prestar informações ambientais e não equivale a um documento de posse da terra.

Abordagem nas comunidades: uso do CAR

Segundo as lideranças locais ouvidas pelo g1, os representantes dos projetos se valeram de um momento em que a regularização fundiária dos assentamentos ainda estava em andamento — o governo do Pará destinou essas áreas para comunidades tradicionais por meio de um decreto publicado ainda em 2012. Nesse contexto, eles se aproximavam das famílias oferecendo o CAR como se fosse o equivalente ao documento de posse de terra, numa fraude posteriormente identificada pelos órgãos públicos.

“Em 2017, percebemos um fluxo maior de pessoas estrangeiras, que já não falavam o português, entrando nos territórios. Em 2018 e 2019, eles saíram para campo e começaram a abordar as famílias para fazer demarcação de áreas com coordenadas geográficas”, conta Gracionice.

Ela diz que, em 2020, o fluxo de pessoas de fora das comunidades se intensificou. Essas pessoas pressionavam as famílias para fazer o CAR, alegando que ele seria uma “segurança” para a posse da terra.

O g1 conversou com moradores que ainda guardam Cadastros Ambientais Rurais expedidos por representantes dos projetos. Atualmente, eles já sabem que os documentos que receberam são irregulares.

A reportagem também ouviu moradores que se negaram a assinar os papeis apresentados por essas pessoas.

“Nós começamos a receber famílias no sindicato que diziam: ‘estão querendo dividir a minha terra, me deram um documento, esse documento tem validade?’”, relata Nilson Silva. “E a gente sempre explicava que o Cadastro Ambiental Rural é um documento ambiental declaratório, mas não é documento de terra”.
Para a defensora Andreia Barreto, o CAR foi usado de forma ilegal. “Nós apontamos que foram inseridas informações falsas no sistema do poder público”, explica ela.

 

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