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Amazonas

Monitoramento de onça-pintada em UCs da Amazônia dão suporte para conservação da espécie

Projetos realizados no Amapá e Amazonas ajudam a entender como Unidades de Conservação servem de refúgio ao maior felino da Américas, e a traçar estratégias de conservação.

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A WWF-Brasil, organização não governamental, vem desenvolvendo ações de monitoramento da onça-pintada em três Unidades de Conservação (UCs) com características diferentes: na Floresta Nacional do Aripuanã (FLONA do Aripuanã), no sul do Estado do Amazonas – região altamente afetada pelo desmatamento –; no Parque Nacional do Cabo Orange (PARNA do Cabo Orange) e na Floresta Nacional do Amapá (FLONA do Amapá), ambos no estado do Amapá, onde se encontram as áreas mais protegidas do país. O objetivo da ação é compreender como as áreas protegidas da floresta têm servido de refúgio para o maior felino das Américas e traçar estratégias adequadas de conservação

“Nosso foco é a onça-pintada, um animal topo de cadeia alimentar, cuja presença indica que o ambiente está saudável. Isto é, sua existência mostra que os animais dos quais se alimenta também estão existindo, bem como as plantas dos quais esses animais se alimentam. Por isso sua conservação é de extrema importância”, explica Felipe Feliciani, analista de conservação do WWF-Brasil.

O trabalho de monitoramento consiste basicamente na instalação de câmeras fotográficas na floresta, (chamadas de cameras trap ou armadilhas fotográficas), que disparam quando ocorre a movimentação de algum animal, com posterior triagem e análise dos registros.

Na FLONA do Aripuanã, o projeto ocorreu entre junho e agosto de 2024. Foram instaladas 72 câmeras de forma pareadas (em 36 pontos), distantes 2 km entre eles, formando uma grade, que permaneceu em campo por 60 dias. Ao todo 12 pessoas participaram do trabalho, sendo dois coordenadores científicos e dez comunitários locais, que foram capacitadas para atuar na campanha.

Dos 9.577 registros brutos, foram triados 1.817 registros únicos, revelando 57 espécies diferentes (mamíferos, aves e répteis). Ocorreram 13 registros de onças-pintadas, sendo seis indivíduos diferentes, quatro machos e duas fêmeas.

“A área nunca havia passado por uma metodologia tão robusta de monitoramento”, garante Feliciani. Segundo ele o trabalho no local é importante porque se trata de uma Floresta Nacional. Ou seja, um tipo de UC que concilia a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais. “Essa convivência com atividades humanas pode ocasionar outras ameaças para as onças, quando comparamos com uma UC de proteção integral”. Além disso, está localizada entre zonas com altos índices de desmatamento.

Segundo ele, pretende-se, em 2025, repetir a mesma metodologia em uma área de floresta que não seja protegida, para que se possa comparar os resultados e estimar a efetividade da proteção da UC para a conservação das espécies. “Caso tenhamos capacidade de repetir o estudo em dois ou três anos, será possível determinar a tendência populacional de onças na Unidade. Isto é, verificar se ela está em declínio ou não”, explica.

Feliciani ressalta que o resultado obtido na FLONA do Aripuanã foi animador, pois é semelhante ao obtido em áreas menos ameaçadas, como é o caso das UCs do Amapá. “Isso já dá um bom indicativo da importância das áreas protegidas como locais essenciais para a conservação da biodiversidade”, salienta

Monitoramento no Amapá

O Amapá apresenta uma vasta cobertura de floresta amazônica, tendo 71,1% de seu território protegido por parques, reservas e terras indígenas. Apesar da riqueza da sua biodiversidade, é uma região com pouca visibilidade quando comparada com outros estados. “Temos ali grandes áreas de floresta que vêm sofrendo ameaças, e nas quais são necessários mais estudos”, afirma Felipe Feliciani.

A situação incentivou uma parceria entre o WWF-Brasil, WWF-Japão e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para desenvolver um projeto de monitoramento de onças-pintadas em duas Unidades de Conservação (UCs): a Floresta Nacional do Amapá (FLONA do Amapá) e o Parque Nacional do Cabo Orange (PARNA do Cabo Orange), ambas geridas pelo ICMBio.

Seguindo a mesma metodologia aplicada na FLONA do Aripuanã, foram instaladas, em cada região, 72 câmeras em 36 pontos, distantes 3 km entre si, ativas 24 horas por dia, por períodos mínimos de 60 dias. As câmeras foram colocadas primeiro na FLONA do Amapá, entre outubro de 2022 e janeiro de 2023, com posterior triagem de dados e análises estatísticas, e depois no PARNA do Cabo Orange, entre novembro de 2023 e fevereiro 2024, totalizando 14 mil imagens e vídeos e cujas informações estão sob análise. As campanhas realizadas em cada uma das UCs mobilizaram mais de 15 pessoas por etapa, entre profissionais, técnicos e assistentes de campo

A bióloga Dayse Ferreira, que colaborou com o planejamento de colocação das câmeras nas duas UCs e participou da instalação na FLONA do Amapá, conta que o trabalho foi árduo, principalmente pelas distâncias que se tem de percorrer no meio da floresta, “carregando equipamentos debaixo de chuva e passando horas na voadeira em pleno sol”. Ela também realizou a triagem de todos os registros das armadilhas fotográficas. “Foram muitas horas em frente ao computador e milhares de arquivos revisados”, conta.

Só na FLONA do Amapá foram feitos 15.856 registros de animais em vídeo. Desses, 1.588 eram mamíferos. De acordo com Felipe Feliciani, entre as espécies que despertaram maior interesse estão nove registros de onças-pintadas (Panthera onca), três de onça parda (Puma concolor), 99 de anta (Tapirus terrestris), 413 de queixada (Tayassu pecari) e 285 de caititu (Pecari tajacu), vários deles com grupos de indivíduos jovens e adultos.

Segundo Fernanda Colares Brandão, gestora do Núcleo de Gestão Integrada do Amapá Central, que inclui a FLONA do Amapá e Parque Nacional do Tumucumaque pelo ICMBio, as discussões a respeito da onça-pintada começaram a ser debatidas em razão da sua abundância na região. “Tivemos alguns ataques a animais domésticos e avistamentos pela população que vive na região. Sentimos então a necessidade de um monitoramento a longo prazo, com respostas mais coesas sobre o estado de conservação desse felino no território”, explica.

Assim, aplicou-se na localidade um protocolo piloto de monitoramento. “A ideia é replicá-lo em outras Unidades de Conservação administradas pelo ICMBio que também precisam de respostas científicas para os conflitos envolvendo a espécie que, embora seja o maior predador do Brasil, está ameaçada pela caça e pressão das fronteiras agrícolas e urbanas sobre as áreas naturais”, completa Fernanda.

A FLONA do Amapá está localizada no centro do estado do Amapá, sendo uma região com alto grau de conservação e altos índices de biodiversidade. Trata-se de uma das áreas da Amazônia com maior lacuna do conhecimento científico, carecendo de informações que vão desde inventários das espécies, até relações da biodiversidade com as atividades humanas, que cada vez mais avançam sobre a floresta.

De acordo com Fernanda, os dados coletados indicam que a população de onças-pintadas e demais mamíferos encontram-se em um estado íntegro. “Agora, o desafio é garantir a execução do monitoramento anual ou bianual a partir da busca por recursos financeiros, bem como obter mais apoio junto à comunidade cientifica para aumentar a realização de pesquisas”.

Já o Parque Nacional do Cabo Orange é uma Unidade de Conservação de proteção integral, que corresponde a uma área de 619 mil hectares. Seu excelente estado de conservação garante abrigo seguro e alimentos abundantes para a reprodução de muitas espécies de aves migratórias, répteis e mamíferos, muitos dos quais ameaçados de extinção em outras partes da Amazônia e do Brasil.

Paulo Silvestro, analista ambiental do ICMBio, conta que ali, como sul do Amazonas e na FLONA do Amapá, as onças são consideradas animais ameaçadores, e sua busca por alimentos junto a propriedades rurais e urbanas é razão de conflitos com seres humanos.

“Os dados obtidos nos dois anos de monitoramento estão sendo analisados, “mas já observamos que alguns animais demonstram ter um porte maior do que comumente se vê em outras regiões. Se isso for confirmado, já será uma informação nova para a ciência”, explica.

Segundo Paulo, o próximo passo será buscar apoio financeiro para o fomento de novas amostragens em campo. O objetivo é criar uma série histórica com informações abundantes sobre onças no Parque. “Com isso, qualquer alteração observada na ocorrência da espécie ou de suas presas poderá ser interpretada como indicativo de distúrbio no ecossistema, permitindo orientar rapidamente as ações de manejo do ICMBio”, conclui.

O trabalho de monitoramento de onças-pintadas realizado pelo WWF-Brasil em parceria com o ICMBio não apenas contribui para a conservação da espécie, mas também fortalece os dados científicos sobre a biodiversidade, a preservação de refúgios para espécies ameaçadas de extinção e reforça o papel fundamental das Unidades de Conservação na proteção da biodiversidade e no manejo sustentável dos recursos naturais.


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