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Amazonas

Ibama usa declaração de empresa e se retira de licença para exploração de gás em Silves, no Amazonas, diz jornal

Segundo a Folha de S. Paulo, o Ibama acatou o que foi afirmado pela empresa e disse, em documentos da área técnica, não ter competência para o licenciamento.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) usou uma declaração da empresa que explora gás em uma região preservada da Amazônia para se retirar de processos de licenciamento do empreendimento. A informação é do jornal Folha de S.Paulo.

Segundo o jornal, a Eneva, responsável por exploração de gás no chamado Campo Azulão, em Silves (AM) e Itapiranga (AM), preencheu um documento autodeclaratório e afirmou que os projetos não impactam terras indígenas. E o Ibama acatou o que foi afirmado pela empresa e disse, em documentos da área técnica, não ter competência para o licenciamento.

As manifestações do órgão federal ocorreram em junho deste ano, o primeiro do atual mandato de Lula (PT). As licenças vêm sendo concedidas pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão vinculado ao governo estadual.

Indígenas) pediram, em ofícios enviados à Eneva e ao Ipaam em agosto, a suspensão dos processos de licenciamento dos projetos de gás e petróleo na região, que fica a menos de 300 km de Manaus. Os órgãos apontaram impactos a indígenas.

As comunidades tradicionais foram ignoradas no curso do licenciamento e da execução dos projetos, conforme a Funai. O MPI relatou “clima de aflição e incerteza nas aldeias e nas comunidades, inclusive com o acirramento de conflitos na região, sobretudo em razão do avanço do licenciamento”.

O Ibama não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Em nota, a Eneva afirmou que não existem terras indígenas homologadas ou em estudo na área de influência do empreendimento. Os chamados estudos de componente indígena são exigidos por lei conforme o tipo de projeto. No caso do Complexo do Azulão, devem ser levados em conta territórios a pelo menos 10 km de distância, conforme a empresa.

“As áreas indígenas mais próximas do empreendimento, conforme as informações oficiais divulgadas no site da própria Funai, estão a mais de 30 km de distância”, cita a nota.

Ao definir os limites dos blocos exploratórios de óleo e gás, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) fez consultas sobre áreas indígenas, segundo a Eneva. “Só depois de confirmada a inexistência é que os blocos foram licitados pela agência.”

A competência para a licença é do Ipaam, afirmou a empresa. No caso da termelétrica, um acordo de cooperação técnica entre Ibama e Ipaam delegou competência ao órgão estadual, segundo a Eneva.

Indígenas muras, mundurukus e gaviões, de sete aldeias, foram ignorados na execução dos projetos de gás, conforme documento do MPI. São cerca de 190 famílias.

Mesmo assim, Eneva e Ipaam agendaram para os últimos dias 2 e 3 audiências públicas relacionadas ao licenciamento da Usina Termelétrica Azulão, um dos empreendimentos do grupo.

“O licenciamento do projeto termelétrico tem na realização das audiências públicas passos importantes e imprescindíveis de debate com a sociedade civil”, disse a empresa.

O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas expediu recomendação de suspensão das audiências. Foi ignorado, e as audiências foram realizadas em Silves e Itapiranga.

MPF e Funai pediram a interrupção do processo de licenciamento até que seja realizado o estudo de componente indígena, necessário quando um empreendimento impacta comunidades tradicionais.

“O Ibama só vem levando em conta relatórios de GTs [grupos técnicos da Funai para processos de demarcação] já publicados ou áreas já demarcadas. Mas a Constituição Federal não diz isso. Os territórios são indígenas independentemente de demarcação”, disse à Folha o procurador da República Fernando Merloto Soave, um dos responsáveis pela recomendação a Eneva e Ipaam.

O Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou a existência de 1.066 indígenas em Silves, cita a recomendação. “A maioria está em aldeias, não na cidade”, afirmou Merloto.

Os muras da região de Autazes (AM), onde outro empreendimento sem licenciamento pelo Ibama – um projeto de exploração de potássio– impacta comunidades indígenas, estão no local há 200 anos, disse o procurador.

“Se tem impacto em terra indígena, a competência para o licenciamento é do Ibama. Não se deve olhar para o mapa e levar em conta somente o que está demarcado”, afirmou o integrante do MPF.

O formulário que a Eneva preencheu diz respeito à FCA (Ficha de Caracterização de Atividade). Os empreendimentos são “produção e escoamento de hidrocarbonetos do Campo de Azulão/AM”. Estão incluídos gasodutos, oleoduto e pontos de produção, conforme o documento.

O processo era sobre uma consulta relacionada à competência para o licenciamento, que já é tocada na esfera estadual.

Sobre terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas, o Ibama registrou: “Nenhum alvo potencial foi declarado pelo empreendedor para esse tema”. Conforme a FCA, os empreendimentos impactam áreas urbanas e áreas de reprodução de tartarugas e aves.

“A análise da não sobreposição da área do empreendimento com terras indígenas foi realizada utilizando as bases disponibilizadas pela Funai”, afirmou a área de licenciamento do Ibama em 6 de junho. “Com base nos dados e informações apresentados, conclui-se não se tratar de licenciamento ambiental de competência do Ibama.”

A exploração de gás já é feita pela Eneva, empresa que tem BTG Pactual, Cambuhy Investimentos, Dynamo, Atmos e Partners Alpha em sua estrutura societária. O insumo é levado para uma termelétrica em Roraima que é responsável por 50% da geração de energia elétrica no estado, segundo a empresa.

No caso da licença prévia concedida pelo Ipaam para exploração de potássio na Amazônia, a Justiça Federal no Amazonas decidiu pela anulação do ato. A decisão é de 25 de agosto e estabelece que a competência para o licenciamento é do Ibama, em razão do impacto a terras indígenas.

A empresa responsável é a Potássio do Brasil, subsidiária do banco canadense Forbes & Manhattan. O empreendimento afirmou que só se manifestará nos autos do processo.

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