Amazonas
Expedição investiga a disseminação de vírus emergentes e reemergentes ao longo da rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho
Resultados preliminares indicam a presença de enfermidades como febre oropouche, febre mayaro, leptospirose, leishmaniose, malária, hantavirose, dengue e chikungunya na região amazonense
Pesquisadores do projeto Rede Pampa – uma parceria entre a Unicamp, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Evandro Chagas – embarcam, terça-feira (25/11) para mais uma expedição na região amazônica, ao longo da rodovia BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). A iniciativa investiga a disseminação de vírus emergentes e reemergentes em regiões impactadas pela degradação ambiental. Além disso, realiza ações de promoção de saúde para ampliar a resiliência da população local e prevenir surtos ou surgimento de doenças.
Ate 15 de dezembro, a equipe irá percorrer um trecho não pavimentado de cerca de 600 km da rodovia. O estudo avalia possíveis impactos para a saúde de um projeto em andamento de restauração da estrada. Isso porque, conforme o pesquisador da Fiocruz Amazônia Pritesh Lalwani, obras de infraestrutura são comumente acompanhadas de um aumento de doenças infecciosas nas suas proximidades.
O projeto, contemplado com financiamento da iniciativa Amazônia+10, realiza viagens regulares à região desde 2023, a fim de monitorar os vírus e as doenças em circulação e coletar amostras de sangue de humanos e animais domésticos, além de amostras de insetos. Agora, pela primeira vez, serão coletados, também, animais selvagens de pequeno porte, como roedores e marsupiais.
Resultados preliminares indicam a presença de enfermidades como febre oropouche, febre mayaro, leptospirose, leishmaniose, malária, hantavirose, dengue e chikungunya na região amazonense. Outro braço do projeto analisa os efeitos da mineração na região de Carajás (PA).
Coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE) da Unicamp, José Luiz Modena destaca que intervenções em ambientes com alta biodiversidade, como a Floresta Amazônica, aumentam o contato com microrganismos, conhecidos ou desconhecidos, que podem provocar novas doenças.
Além da obra na BR-319, a localidade também sofre os impactos do aumento populacional, da expansão da agropecuária e do desmatamento – que, por sua vez, enfraquecem a biodiversidade e facilitam a adaptação e a circulação de patógenos (vírus, bactérias e outros microrganismos capazes de causar doenças em seres vivos). “Como minimizar isso? Promover qualidade de vida, diagnósticos imediatos e vigilância em tempo real das populações impactadas”, defende o pesquisador.
A partir dessa pesquisa, a ideia é criar estratégias de saúde para lidar com as alterações ambientais, que também podem ser provenientes das mudanças climáticas. O estudo pode, ainda, servir de modelo para implementação de políticas públicas em outras áreas com características similares.
Segundo os pesquisadores, novos resultados devem ser divulgados em meados de 2026, ano de encerramento do projeto. Porém, Lalwani afirma que o objetivo do grupo é buscar novos financiamentos para a manutenção do trabalho na região, agregando especialistas de diferentes áreas a fim de levar soluções que integrem meio ambiente e saúde humana e animal.
Livia Sacchetto, virologista e pós-doutoranda no LEVE, viajará pela primeira vez com o projeto e auxiliará na instalação de 200 armadilhas para coleta de roedores. “Meu trabalho é focado na caracterização desses vírus que podemos encontrar tanto nos humanos, quanto nos animais selvagens e mosquitos.”
Uma questão que chamou a atenção dos pesquisadores, destaca Sacchetto, foi a identificação não somente em humanos, mas também em animais, de soropositividade (anticorpos) para o vírus oropouche, que teve reemergência recente no Brasil a partir de uma nova variante. Transmitido por um mosquito chamado de maruim, esse vírus causa uma doença com sintomas similares à dengue.
A pesquisadora explica que, com os dados das espécies encontradas – se são silvestres ou urbanas – e dos patógenos identificados, será possível estudar a interação dos humanos e animais domésticos com o ambiente da floresta.
As análises das amostras são feitas de forma integrada, divididas entre a Fiocruz Amazônia, o Instituto Evandro Chagas e a Unicamp. “Em Campinas, estamos fazendo uma parte que depende de isolamento e manipulação de vírus viável, de neutralização de partículas infectivas”, esclarece Modena.
Programa de extensão
O percurso da expedição começa pela comunidade de Igapó-Açu, passa por diversos povoados e propriedades às margens da rodovia e termina no distrito de Realidade, em Humaitá – que experimentou um grande crescimento nos últimos anos.
O que começou como um projeto de vigilância em saúde caminha para se tornar um programa interdisciplinar, por meio de uma iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão, Esporte e Cultura (ProEEC/Unicamp). Em Igapó-Açu, a expedição atual promoverá, além das atividades de pesquisa, ações de saúde e saneamento básico.
Em dezembro de 2024, as engenheiras Luana Mattos de Oliveira Cruz, docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (Fecfau), e Viviane Pereira Alves, doutoranda na Unicamp, foram à comunidade pela primeira vez para realizar um diagnóstico da situação relacionada à água, ao esgoto e aos resíduos sólidos. “Chegamos com uma estrutura de questionário montada, e lá precisamos reconfigurar tudo, porque é um contexto absolutamente diferente do que conhecemos”, conta Alves.
A doutoranda relata que há graves problemas de saneamento básico, poucas casas com esgotamento sanitário e um risco de contaminação do rio Igapó-Açu, que fornece água para consumo. Além disso, o armazenamento dos resíduos sólidos para coleta e disposição final também é um desafio, pois atrai roedores.
Essas questões se conectam ao objeto da pesquisa em andamento. “Isso se reflete no fato de estarmos encontrando casos de leptospirose, de doenças sabidamente transmitidas por roedores domésticos. Temos também uma taxa muito alta de soroconversão nas pessoas [indivíduos com anticorpos detectáveis para determinada doença] para agentes que são transmitidos por roedores silvestres, como hantavírus”, afirma Modena.
A equipe extensionista retorna, nessa nova expedição, com uma proposta diferente de trabalho: distribuir 200 filtros de água doados, fornecer capacitação para utilizá-los e realizar oficinas sobre esgotamento sanitário. A ideia é de “entender quais soluções tecnológicas – secas ou que usam recursos hídricos – a comunidade prefere. Vamos envolver a população de forma participativa para que eles escolham se gostariam de ter esse sistema piloto instalado nas suas casas”, explica Alves.
Igapó-Açu foi escolhida porque está localizada em uma área que sofre alagamentos intensos em um período do ano e secas severas em outro. “Se conseguirmos solucionar a questão nesse local, conseguiremos replicar para outros lugares”, diz a doutoranda.
Adicionalmente, a equipe de pesquisa também atua na educação em saúde, divulgando cartazes e jogos infantis com explicações sobre as doenças infecciosas e sua prevenção. “Essa é a nossa devolutiva à comunidade”, reitera Lalwani. Os pesquisadores visam, ainda, estabelecer parcerias com as prefeituras da região para levar alternativas de acesso à saúde, como a telemedicina.
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