Amazonas
Decreto de governador do Amazonas favorece a grilagem e pressiona terras indígenas, avaliam pesquisadores
Governo estadual defende, por sua vez, não haver ‘qualquer flexibilização’ nas regras vigentes

Área com grilagem na Amazônia. (Foto: Marcio Isensee e Sá)
Um decreto assinado pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (União), na quarta-feira (6/8), abre brechas para legalizar desmatamentos ocorridos de forma criminosa, inclusive em áreas próximas a Terras Indígenas e Unidades de Conservação, avaliam pesquisadores ouvidos na reportagem publicada pelo jornal O Globo.
De acordo com a reportagem, os cientistas destacam que a nova regra permite regularização dos territórios com base no Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que favoreceria diretamente a grilagem — a ocupação e posterior venda ilegal de terras públicas — por ser autodeclaratório até a validação final do órgão público responsável. Procurado pelo jornal O Globo, o governo estadual afirma que o documento não representa “qualquer flexibilização da legislação ambiental vigente”.
O decreto regulamenta a possibilidade de redução do percentual de reserva legal para recomposição com fundamento em Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), passando de 80% para até 50%. Os imóveis devem estar inseridos em área de floresta da Amazônia Legal, além de estarem localizados em um município com mais de 50% da área total ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas.
O proprietário também deve ter promovido ou se comprometido a promover a recuperação natural ou compensação da área de reserva legal até o limite de 50% do território do imóvel rural, que precisa estar inscrito no CAR.
Em nota, o governo afirma que a medida se “aplica apenas a imóveis rurais que já foram desmatados acima do limite legal antes da regularização” e aponta que o decreto não permite que os 30% de passivo restante sejam convertidos para uso produtivo ou ampliação de atividades com finalidades econômicas. A gestão diz que a possibilidade de aplicação das novas regras já é prevista pelo Código Florestal Brasileiro e por uma lei estadual de 2016.
Mas pesquisadores alertam para a pressão que a mudança deve trazer sobre territórios sensíveis, cujo efeito prático seria a redução de Áreas de Preservação Permanente (APP). Pesquisador das universidades de São Paulo (USP) e Federal do Amazonas (Ufam), Lucas Ferrante afirma que a justificativa do governo de que o decreto não autoriza novos desmatamentos é “enganosa”. O cientista avalia que, embora não permita “novos cortes”, a medida legaliza áreas já desmatadas.
O pesquisador destaca que estudos científicos publicados em periódicos especializados na área ambiental, como “Land Use Policy” e “Environmental Conservation”, demonstram que a prática de grilagem é recorrente no estado. Inclusive, “com participação de agentes públicos, como fiscais do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que atuam na legalização de áreas desmatadas ilegalmente”.
— Há forte atuação de organizações criminosas na grilagem e no desmatamento no Amazonas. Legalizar essas áreas, mesmo que o uso produtivo não seja permitido, consolida o crime já cometido. O Ministério Público deve atuar pela revogação do decreto e abrir investigação sobre a conduta do governador Wilson Lima e do secretário de Meio Ambiente por favorecimento direto à grilagem e ao desmatamento ilegal — alerta Ferrante.
O pesquisador destaca que, em municípios como Autazes, Humaitá e Tapauá — todos abrangidos pelo decreto —, a área de pastagens cresceu entre 34% e 73% nos últimos cinco anos, “refletindo o avanço da pecuária ilegal”.
Já Fábio Takeshi, assessor de políticas públicas do Observatório do Clima, avalia que pontos presentes no decreto “não vão no sentido de melhores práticas” ambientais e tampouco dos preceitos legais de proteção. O pesquisador afirma que causa estranheza ter como exigência que o imóvel esteja necessariamente em área de floresta, o que pode induzir um aumento no desmatamento de vegetação nativa em área sensível.
— A exigência de simples inscrição no CAR torna, aparentemente, desnecessária a validação e homologação do cadastro, o que é extremamente grave. Há também a liberação dessa redução de reserva legal para os imóveis que já desmataram, ou seja, traz um efeito retroativo, podendo, assim, regularizar desmatamentos até então irregulares — diz Takeshi. — É praticamente uma anistia para desmatamentos pretéritos sob uma nova regra.
O governo estadual, por sua vez, defende que o decreto traz “uma medida de regularização ambiental, que busca viabilizar a recuperação da vegetação nativa e o cumprimento da legislação por parte de produtores que desejam atuar dentro da legalidade”.
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