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Amazonas

Comissão do Senado sugere uso das Forças Armadas e Garantia da Lei e da Ordem no Vale do Javari, no Amazonas

Parecer do senador Nelsinho Trad diz que a ausência do Estado na região favoreceu o crescimento de grilagem, queimadas, garimpo, pirataria e transporte de drogas e de armas.

Região do Vale do Javari, no Amazonas. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

A Comissão Temporária sobre a Criminalidade na Região Norte aprovou, nesta terça-feira (16/08), um relatório que sugere que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indique à Presidência da República a realização de uma missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na região do Vale do Javari, terra indígena localizada no Amazonas onde foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Philips.

Além disso, o texto traz uma recomendação para que o Executivo promova a reabertura da base do Ibama na região.

Realizadas exclusivamente por ordem da Presidência da República, as missões de GLO ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, “em graves situações de perturbação da ordem”.

Na prática, isso significa conceder provisoriamente às Forças Armadas a faculdade de atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade. Desta forma, os militares teriam uma atuação episódica, em área restrita e por tempo limitado”.

Depois dos assassinatos de Pereira e Phillips, medidas de segurança foram exigidas pelo Ministério Público e foram realizadas vistorias parlamentares in loco, para requisitar proteção aos funcionários locais e indígenas. No entanto, relatos da região colhidos apontam que o cenário de insegurança não mudou.

O parecer é de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Nele, o parlamentar explica que a ausência do Estado na região favoreceu o crescimento de “mercados ilícitos” de grilagem de terras, queimadas, exploração da madeira, garimpo, pesca, caça, pirataria e transporte de drogas e de armas.

“No vácuo de poder deixado pelo Estado, organizações criminosas são formadas ou migram para explorar essas atividades. Conforme constatado por esta Comissão in loco, é preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectem esferas federal e estadual e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (principalmente polícias, ministério público, defensorias, Funai, Ibama, ICMBio, Incra e Judiciário)”, argumenta.

O texto dá exemplos de como o narcotráfico atua no controle do Vale do Javari. “No trabalho de investigação local desta comissão, foi obtida a informação de que organizações criminosas transfronteiriças usam o pirarucu e o piracatinga para lavar dinheiro do narcotráfico, criando uma demanda por esses peixes, que eram visados pelos pescadores ilegais suspeitos da morte de Dom e Bruno”, afirma o senador.

“Em outras regiões, como no Pará e em Roraima, o ouro garimpado ilegalmente em terras indígenas pode servir ao mesmo propósito, por ser facilmente esquentado devido à frouxidão regulatória e à falta de fiscalização e de rastreamento químico – que é, porém, tecnicamente viável”, complementa.

Por sugestão do presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o relatório final também propõe que o Ibama reabra sua base na cidade de Atalaia do Norte.

Para Nelsinho, o governo brasileiro tem negligenciado o seu dever de proteção. “Mesmo que se possa discutir a legitimidade dos interesses de não-indígenas sobre áreas não-homologadas, como defende a atual gestão da Funai, não há sombra de dúvida de que a presença de invasores nas terras já homologadas, como a do Vale do Javari, é um emaranhado de crimes contra os indígenas, contra a União e contra os interesses nacionais”, discute o parecer.

O senador do PSD também acusa a Funai de atuar como uma organização anti-indígena na gestão de Jair Bolsonaro. “Desde o início dos trabalhos desta Comissão, muitas foram as reclamações sobre a atual gestão da Funai, que teria passado a ser uma organização anti-indígena. Nesse sentido, a Funai estaria empenhada em subverter sua missão institucional, promovendo a integração no lugar da inclusão, e patrocinando interesses de invasores em vez de defender os povos originários e suas terras”, acrescenta.

De acordo com o parecer, a comissão ouviu diversos relatos de que a Fundação Nacional do Índio seria hoje “omissa” e “avessa” ao cumprimento de seu dever de proteção aos indígenas e a seus próprios funcionários. “Mal equipada e carente de pessoal capacitado, a Funai deixa um déficit de diálogo com os povos indígenas e não fiscaliza atividades clandestinas nas suas terras. Além disso, o Ibama está ausente do Vale do Javari e a atuação das forças de segurança é considerada insuficiente”, conta o parlamentar.

Além disso, o relatório aprovado conclui que o indigenista Bruno Pereira foi exonerado do seu cargo na Funai porque teria desagradado autoridades que defendem a regularização de atividades hoje ilegais nas terras indígenas. “Isso não é confirmado pela Funai, mas está em linha com as diretrizes publicamente adotadas pela autarquia nos últimos anos, como a postura de defesa mínima, o retorno ao integracionismo e o apoio do governo à legalização da mineração e do garimpo em terras indígenas”, pondera o senador.

Por fim, a comissão propõe a aprovação de uma série de projetos de lei para auxiliar o Poder Público com esta questão. Um deles sugere alterar na Lei Complementar 97, de 1999, para estabelecer a competência permanente e subsidiária das Forças Armadas para atuar na prevenção e repressão de delitos que atentem contra direitos transindividuais de coletividades indígenas, em acréscimo aos delitos transfronteiriços e ambientais, já previstos na legislação.

Os senadores apresentaram também uma proposta de alteração no Estatuto do Desarmamento, para conceder o porte de arma de fogo aos integrantes da Funai em atividades de fiscalização, e na Lei de Crimes Ambientais, a fim de agravar penas em delitos cometidos em terras indígenas.

Nota da Funai

Leia a íntegra da nota divulgada pela assessoria da Funai:

A Fundação Nacional do Índio (Funai) esclarece que a proteção das aldeias é uma das prioridades na atuação do órgão. A Funai investiu R$ 82,5 milhões em fiscalização de terras indígenas nos últimos 3 anos, realizando ações permanentes e contínuas de monitoramento e vigilância territorial em áreas indígenas de todo o país em conjunto com órgãos ambientais e de segurança pública competentes. As atividades são fundamentais para combater ilícitos em áreas Indígenas.

Nos últimos dois anos, a Funai apoiou cerca de 1.200 ações de proteção territorial, as quais contemplaram 351 Terras Indígenas (TIs) no país. Desse total, mais de 500 ações foram voltadas ao enfrentamento da pandemia nas comunidades indígenas. Além disso, a fundação apoiou a instalação de mais de 300 barreiras sanitárias e postos de controle de acesso em todo o território nacional, a fim de impedir a entrada de não indígenas nas aldeias.

A fundação esclarece ainda que realizou processo seletivo simplificado para a contratação de 640 servidores, por tempo determinado dos seguintes cargos: supervisor dos agentes de proteção Etnoambiental, chefe dos agentes de proteção etnoambiental e agente de proteção Etnoambiental. A iniciativa visa atender necessidade temporária de excepcional interesse público, com atuação em barreiras sanitárias e postos de controle de acesso para prevenção da covid-19 nas áreas indígenas, especialmente nas terras indígenas da Amazônia Legal. Do total, cerca de 100 profissionais atuam no Vale do Javari.

Além disso, a instituição investiu quase R$ 10 milhões em ações no Vale do Javari nos últimos 3 anos. Entre as medidas, estão ações de combate a ilícitos, tais como extração ilegal de madeira, atividade de garimpo e caça e pesca predatórias.

As ações são realizadas por meio das unidades descentralizadas Coordenação Regional Vale do Javari e Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, que possuem em sua área de atuação cinco Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes): Curuçá, Ituí-Itaquaí, Figueiredo, Jandiatuba e Korubo e uma estrutura de quarentena para entrada na Terra Indígena.

A fundação esclarece, ainda, que apoiou as buscas pelo indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e pelo jornalista britânico Dom Phillips de forma incessante desde que foi informada do desaparecimento, sendo que quatro embarcações foram empregadas nos trabalhos, com o envolvimento de 14 servidores. Os pertences das vítimas foram encontrados com auxílio dos servidores da Funai em campo.

Por fim, a Funai informa que não tem medido esforços na atuação, junto aos órgãos ambientais e forças de segurança pública competentes, no fortalecimento de atividades que visam combater ilícitos nas áreas indígenas de todo o país, bem como garantir a proteção das comunidades indígenas.

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