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Amazonas

Dois meses após anúncio de Bolsonaro e Musk, nenhuma parceria foi fechada, diz governo federal

Presidente e empresário se encontraram para discutir acordo para levar internet a escolas na zona rural e monitorar a Amazônia.

Bolsonaro e Elon Musk no encontro em que foi anunciada parceria. (Foto: Reprodução/Redes sociais)

Dois meses após o bilionário Elon Musk ser recebido com alarde pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) num encontro em que foi anunciado um projeto para levar internet a escolas na zona rural do país e para monitorar a Amazônia, nenhuma parceria saiu do papel. A informação é do g1.

A informação consta nas respostas do governo a três ofícios com questionamentos de deputados federais encaminhados ao Palácio do Planalto. Ao g1, o Ministério das Comunicações disse que, se algum acordo vier a ser firmado, será de “forma legal e transparente”, seguindo a legislação sobre licitações e contratos administrativos.

Controversa, a negociação é criticada por setores porque o Brasil já tem mecanismos tecnológicos para monitoramento da Amazônia. Desde 1988, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, processa os dados da floresta via satélite. Uma análise de especialistas apontou que o problema é a falta de fiscalização de órgãos responsáveis.

Starlink já opera em parte do país

Na ocasião, sem dar detalhes, como prazo e custos, Bolsonaro disse que havia o “início de um namoro” ao anunciar um possível acordo com a Starlink, companhia de sistema de satélites da SpaceX, empresa de foguetes espaciais de Musk. Considerado o homem mais rico do mundo, ele é dono ainda da Tesla, que fabrica carros elétricos.

Bolsonaro viajou ao interior de São Paulo especialmente para encontrar o empresário — indo na contramão do protocolo de praxe, em que o visitante, por deferência, é quem vai até o mandatário. Mais de R$ 90 mil foram gastos no cartão corporativo da Presidência da República com passagens e diárias pela equipe presidencial de apoio. O Ministério das Comunicações não divulgou quanto investiu no evento (mais detalhes abaixo).

O evento, realizado em 20 de maio em um hotel luxuoso na cidade de Porto Feliz, reuniu cerca de cem convidados, incluindo empresários, a fim de debater iniciativas tecnológicas. A participação do presidente foi articulada pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria.

Bolsonaro levou ainda para o almoço outros ministros, como Carlos França (Relações Exteriores), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), Paulo Sérgio (Defesa) e Ciro Nogueira (Casa Civil).

O encontro do presidente com o bilionário animou apoiadores do líder brasileiro, que foram às redes sociais elogiar a atuação de ambos. Musk é visto com simpatia por militantes da direita pela sua intenção, depois fracassada, de comprar o Twitter.

Musk chegou a defender que a plataforma deveria ser uma “arena” da defesa da liberdade de expressão, argumento usado também por grupos conservadores, alvos constantes da rede sob acusação de disseminarem conteúdo falso.

Na reunião de maio, Bolsonaro, que é investigado no inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF), disse que a compra do Twitter por Musk representava um “sopro de esperança”, acrescentando que a “liberdade é a semente do futuro”.

Ainda durante o encontro, Elon Musk chegou a ser condecorado com a Medalha da Ordem do Mérito da Defesa, honraria concedida a civis e militares que prestaram relevantes serviços às Forças Armadas. O ministro-Chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, postou uma foto com o empresário usando a medalha.

Direito de exploração

Em janeiro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) concedeu à Starlink o direito de operar no Brasil satélites não-geoestacionários de baixa órbita.

No evento realizado com Bolsonaro, o bilionário anunciou o programa “Conecta Amazônia”, que incluiria o uso de satélites para levar internet e monitoramento do desmatamento na região.

Procurado pelo g1, o Ministério das Comunicações disse, em nota, que o encontro com Musk tratou de parcerias para projetos de conectividade na Amazônia por meio da Starlink, ressaltando que ela já possui autorização para atuar no território nacional.

Segundo a pasta, a empresa se comprometeu a colocar em campo cerca de 42 mil satélites de baixa órbita, com potencial de ampliação da preservação florestal. “Aliado a isso, é possível dar acesso à conectividade nas escolas em áreas rurais da região, como em aldeias indígenas e em comunidades bem distantes”, diz trecho da nota.

O ministério destacou que, no encontro, “foram apresentadas ao empresário novas possibilidades de investimento no setor, dentro da região Amazônica”, mas que o processo de parceria, caso seja firmado, será realizado de “forma legal e transparente, conforme prevê a Lei 8.666 (que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos)”.

Sobre os custos e valores cobrados do consumidor final no caso de um eventual plano privado, o ministério orientou a reportagem a contatar a empresa.

Procurada, a Starlink não respondeu aos e-mails encaminhados. Pelo site, a Starlink mostra que, no Brasil, o serviço é oferecido no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e em partes do Mato Grosso do Sul, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Questionamentos na Câmara

As negociações entre o governo brasileiro e Musk entraram na mira da Câmara dos Deputados. Ao menos três deputados federais encaminharam pedidos de informação ao governo, que tem a obrigação, por lei, de respondê-los.

Em 1º de julho, o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) pediu a cópia integral de todos os processos administrativos, na fase preparatória ou externa, de contratos, termos ou cooperação das empresas de Musk com o governo.

Em resposta, o Ministério das Comunicações afirmou, no entanto, que não tinham sido elaborados contratos, documentos, termos de cooperação, convênios, instaurações de processos ou negociação com as empresas.

O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) também pediu esclarecimentos a respeito da parceria citada no evento. A resposta do Ministério das Comunicações, porém, informou que não havia previsão de recursos públicos, assim como um cronograma.

O parlamentar chegou a questionar sobre uma possível colisão dos satélites com objetos em baixa órbita. No entanto, o documento citou que as operadoras são as responsáveis pela manutenção orbital e que o órgão regulador dos Estados Unidos é a “Federal Communications Commission – FCC” (sigla em inglês), que estabelece critérios para diminuir o risco de incidentes.

Em ofício à deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA), o Ministério da Defesa respondeu que “não possui qualquer acordo estabelecido”.

A Câmara dos Deputados realizou ainda, em 14 de junho, uma audiência pública conjunta das comissões de Ciência e Tecnologia; de Relações Exteriores e Defesa Nacional; Fiscalização Financeira e Controle; e de Integração Nacional para ouvir o ministro das Comunicações, Fábio Faria, sobre o projeto.

Uma das autoras do convite ao ministro, a deputada federal Perpétua Almeida (PC do B-AC) argumenta que o governo promete “entregar a conectividade na Amazônia, que deveria ser um serviço público, para uma empresa privada e estrangeira, sem licitação”.

Na audiência, Faria defendeu as qualificações da empresa, mas ponderou que a palavra final sobre a contratação será das empresas vencedoras do leilão do 5G (Oi, Claro, Vivo e Tim).

“Por que o satélite do Elon Musk na Amazônia? Porque o satélite dele é o único satélite que, primeiro que ele vai ter 40 mil satélites no espaço, e tem laser e que detecta o barulho da serra elétrica. Se tiver uma serra elétrica cortando uma árvore na Amazônia, é só a Starlink. É alta qualidade. Pode ver se aquele desmatamento é legal ou ilegal”, disse Faria.

Gastos da viagem

Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o g1 levantou que os gastos da equipe presidencial para o evento, que envolvem as despesas realizadas por intermédio da Secretaria Especial de Administração da Secretaria-Geral da Presidência da República com cartão de pagamento do governo federal – CPGF e com transporte terrestre, passagens aéreas e diárias, foram de R$ 94.513,03.

Segundo a resposta via LAI, o valor pode ser alterado por conta de análises nas prestações de contas. A reportagem pediu detalhes sobre os gastos, mas foram negados sob o argumento de uma restrição “classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada” e que essas informações poderiam “colocar em risco a segurança do presidente”.

Quem é Musk

“Superanimado por estar no Brasil para o lançamento da Starlink em 19 mil escolas não conectadas em áreas rurais e também para o monitoramento ambiental da Amazônia”, disse Musk em um tuíte pouco antes de se encontrar com Bolsonaro em maio. Foi a última vez que comentou sobre o projeto na rede social.

Elon Musk, que em abril anunciou acordo de compra do Twitter por cerca de US$ 44 bilhões, é o homem mais rico do mundo e tem um patrimônio avaliado em US$ 219 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão), segundo ranking da “Forbes”.

A Justiça dos Estados Unidos ouvirá na terça-feira (19) os argumentos do Twitter a favor de um julgamento em setembro contra Elon Musk. O processo busca forçá-lo a concluir o acordo de compra.

Na véspera da vinda ao Brasil, ele se defendeu de uma acusação de assédio sexual contra uma funcionária da SpaceX.


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