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Amazonas

Folha: Projeto de mineração favorece empresa acusada de atrair indígenas para explorar potássio

Potássio do Brasil , empresa com atuação em Autazes (AM), pediu novas autorizações em 2019 e pode se beneficiar de mineração em terra indígena.

Exploração mineral na Amazônia. (Foto: Reprodução)

Uma eventual aprovação do projeto de lei que libera mineração em terras indígenas favorece uma empresa acusada pelo MPF (Ministério Público Federal) de tentativa de cooptação de indígenas para exploração de potássio na Amazônia. A informação é da Folha de São Paulo.

A Câmara aprovou nesta quarta-feira (9) a urgência da votação sem o tema passar pelas comissões. Entretanto, o mérito da proposta deve ser votado em abril.

A Potássio do Brasil Ltda., um empreendimento do banco canadense Forbes & Manhattan, foi acusada de tentar cooptar indígenas do povo mura, na região de Autazes (AM), entre os Rios Madeira e Amazonas.

A empresa quer explorar potenciais minas de sais de potássio a menos de três quilômetros de uma terra indígena e chegou a operar dentro do território tradicional, segundo o MPF. Para isso, ignorou os mura ou tentou cooptá-los, conforme ação civil pública movida na Justiça Federal no Amazonas em 2016.

Menos de quatro meses depois, em 2017, um acordo entre o MPF e a empresa, validado pela Justiça, buscou garantir que os povos indígenas fossem devidamente ouvidos antes da exploração do potássio, base para fertilizantes utilizados na agricultura em larga escala.

O empreendimento da Potássio do Brasil inclui um porto, uma planta industrial e uma estrada conectando os dois.

Segundo o presidente da empresa, Adriano Espeschit, o acordo suspendeu o processo de licenciamento ambiental até que o povo mura seja consultado. Os indígenas participaram do acordo na Justiça, conforme afirmação de Espeschit em nota.

“Em 2019, o procedimento de consulta ao povo mura foi deflagrado, mas foi interrompido devido à pandemia. A Potássio tem como princípio respeitar as normas ambientais e os direitos dos povos tradicionais e reconhece a importância da consulta prévia, livre e informada do povo mura”, disse.

O projeto ficou paralisado, mas a empresa seguiu buscando a ANM (Agência Nacional de Mineração) para garantir a exploração mineral em áreas de terras indígenas.

A Folha identificou pelo menos três requerimentos protocolados pela Potássio do Brasil na ANM, após a judicialização do caso, para tentar garantir a exploração de sais de potássio em área relacionada à terra indígena Jauary, em Autazes, em fase de delimitação e homologação. Todos eles são de 2019, o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL).

Conforme a empresa, são ao todo quatro processos do tipo.

Os documentos públicos disponíveis nos três processos mostram que se trata de tentativas de lavra em área que envolve a terra indígena. Ao todo, os três requerimentos dizem respeito a uma área de 14,1 mil hectares.

O que a empresa busca é um desmembramento das áreas, para garantir a exploração dos sais de potássio somente em terrenos contíguos à terra indígena. Os processos seguem em tramitação.

“O projeto Potássio Autazes está totalmente fora de terras indígenas após o desmembramento de quatro processos minerários registrados na ANM em 2019”, disse o presidente da empresa.

Ao todo, há 183 requerimentos da Potássio do Brasil na ANM, desde 2008, para explorar sais de potássio na Amazônia.

Se o Congresso aprovar o projeto de lei apresentado pelo Executivo, liberando a mineração em terras indígenas, a Potássio do Brasil deve ser beneficiada. A empresa afirmou ser favorável à previsão na proposta de consulta a povos indígenas.

Um dos artigos do projeto afirma: “As atividades de pesquisa e lavra de recursos minerais (…) que tenham sido regularmente outorgadas anteriormente à homologação do processo de demarcação da terra indígena deverão ser autorizadas pelo Congresso Nacional no prazo de quatro anos, (…) ouvidas as comunidades indígenas afetadas.”

O projeto busca regulamentar a mineração em terras indígenas, a partir do que prevê a Constituição Federal. Como nunca houve essa regulamentação, a atividade é vetada nesses territórios.

Há quase 50 anos, o Estatuto do Índio, de 1973, restringe aos indígenas a exploração de riquezas em suas terras. O projeto de lei patrocinado pelo governo Bolsonaro derruba o artigo que faz essa restrição. E vai além, permitindo até pesquisa e cultivo de transgênicos em terras indígenas.

Para o MPF, existem “vício insanável”, “falácia” e “patrocínio de conflito de interesses” na proposta. Procuradores da República que atuam na Amazônia pretendem contestar eventual lei que libere mineração em terra indígena, dentro de mais de dez ações contra garimpos em áreas demarcadas.

A proposta é prioritária para Bolsonaro, que vem usando a guerra entre Rússia e Ucrânia –e uma possível crise de escassez de fertilizantes russos– para tentar fazer avançar o projeto de lei.

O projeto de lei foi apresentado ao Congresso pelo ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, e pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Os dois assinaram a justificativa da proposta. Hoje, Moro se diz desafeto de Bolsonaro e é pré-candidato à Presidência.

A Potássio do Brasil tem interlocução no governo Bolsonaro. No Ministério de Minas e Energia, há o entendimento de que a atuação da empresa na Amazônia deve ser incentivada.

O MPF acusou a Potássio do Brasil de buscar licenciamento ambiental em instância incompetente, “mesmo ciente das dimensões e do potencial degradador do empreendimento”.

O Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), e não o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), concedeu uma licença prévia em 2015 para pesquisa mineral dentro de terras indígenas. Não houve análise da Funai (Fundação Nacional do Índio), segundo o MPF.

A busca pela licença continuará sendo feito junto ao Ipaam, e não junto ao Ibama, conforme a Potássio do Brasil.

Os procuradores da República afirmaram na ação que prospecções minerais chegaram a ser feitas dentro de terras indígenas, “causando, dentre outros, danos ao cemitério localizado na Ilha do Amor”.

As comunidades indígenas e tradicionais ribeirinhas não foram consultadas, o que contraria convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho), conforme o MPF.

A ação civil pública afirma que houve “conduta de má-fé, conforme os vários relatos dos indígenas Mura, consistente na cooptação de lideranças, moradores e até mesmo servidores públicos por meio de promessas, favores e benefícios, conformando graves vícios de vontade na decisão dos indígenas”.


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