Brasil
Auxílios contra pobreza se espalham pelo País e viram plataforma eleitoral, diz jornal
Economista diz que há risco de que, no futuro, um eventual desarranjo fiscal acabe atingindo a população vulnerável atendida agora.
Cartões para compra de alimentos, bolsas para mães com filhos pequenos, indenização para órfãos da covid-19 e vale-gás. A pandemia fez multiplicar pelo País programas sociais contra a pobreza conduzidos por governos muitas vezes endividados, mas dispostos a remanejar o orçamento a fim de garantir os auxílios em ano eleitoral. Levantamento feito pelo Estadão mostra que só o Tocantins passou pela crise sanitária sem criar uma política própria de distribuição de renda. Na maioria dos Estados, ações emergenciais já foram estendidas até o fim de 2022.As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Com a intenção de combater a miséria e atender públicos específicos, as medidas são compartilhadas por governadores de todos os espectros políticos e defendidas por pré-candidatos à Presidência. Em seu discurso de filiação ao Podemos, na semana passada, por exemplo, o ex-ministro Sérgio Moro apontou a erradicação da pobreza como uma das prioridades de seu projeto.
“Precisamos mais do que programas como o Bolsa Família ou o Auxílio Brasil. Precisamos identificar o que cada pessoa necessita e atender a essas carências”, disse Moro. Assim como outros presidenciáveis – como os governadores tucanos Eduardo Leite (RS) e João Doria (SP), Ciro Gomes (PDT) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) -, o ex-juiz sabe que a crise econômica tende a dominar o debate eleitoral do ano que vem, diferentemente de 2018, quando o tema da anticorrupção ocupou esse espaço.
A pandemia, o desemprego e, mais recentemente, a decisão do governo Jair Bolsonaro de acabar com o Bolsa Família e lançar um programa ainda sem regras claras levaram governos estaduais e mesmo municipais a ampliarem suas ações na área social. O Estadão identificou mais de 50 projetos com características permanentes ou temporárias.
Os Estados têm buscado fazer o que é possível dentro de cada estrutura, na avaliação do governador gaúcho, Eduardo Leite. “Está muito claro que essa é uma agenda que se impõe ao País. O foco deve ser atender crianças com menos de 14 anos. Quase metade desse público está abaixo da linha de pobreza. São 17 milhões”, afirmou o tucano.
Concorrentes nas prévias do PSDB, Leite e Doria concordam nos programas a serem adotados. Ambos pagam hoje um incentivo mensal para alunos do ensino médio não abandonarem os estudos. No Estado mais rico do País, porém, o alcance das medidas é maior.
Desde o início da pandemia, São Paulo criou 11 ações direcionadas a públicos específicos e reunidas na chamada Bolsa do Povo, com orçamento de R$ 1 bilhão até o fim do ano. Segundo a gestão Doria, a estimativa é atingir 500 mil pessoas com emprego e auxílios financeiros, como o vale-gás, que se espalhou pelo País e virou objeto de desejo.
Com o foco nas mulheres, o governador Ronaldo Caiado (DEM) lançou o Mães de Goiás, programa permanente que prioriza crianças de zero a seis anos em condição de vulnerabilidade. São cerca de 100 mil mães aptas a receber R$ 250 mensais. “Essas crianças já começam a vida atrasadas. Se queremos interromper de fato esse ciclo de pobreza temos de olhar para essa faixa etária e não há outro caminho a seguir se não o de oferecer auxílio”, afirmou Caiado.
Para o ex-secretário nacional de Assistência Social Marcelo Garcia (governo Fernando Henrique Cardoso), o Brasil vive uma “insegurança social”. Segundo ele, Bolsonaro desmontou o sistema protetivo que funcionava havia mais de 20 anos e delegava ao governo federal a execução de programas de transferência de renda e aos Estados ações mais específicas. “Havia uma compactuação. Agora, está tudo fora da caixinha. O que vai acontecer? Vai quebrar, parar de pagar ou fazer dívida”, disse ele.
Economista sênior da Tendências Consultoria, Juliana Damasceno faz o mesmo alerta. Segundo ela, Estados têm se pautado em fatores atípicos que levaram a um bom resultado nas contas de 2021, mas que não estão garantidos ano que vem. “Criar despesas permanentes com base em aumento conjuntural de receita é perigoso. Esses gastos precisarão ser honrados, mas não se sabe se haverá recursos para isso.”
O risco, de acordo com a economista, é de que, no futuro, um eventual desarranjo fiscal acabe atingindo a população vulnerável atendida agora. “Há certo consenso entre os economistas sobre a necessidade de haver programas de transferência de renda, mas eles precisam ser muito bem desenhados. Não se faz política social no improviso.”
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