Brasil
MPF reafirma que projeto de lei para regulamentar mineração em terra indígena é inconstitucional
O Ministério Público reitera que projeto de lei é inconvencional, pois foi apresentado sem consulta prévia às comunidades indígenas que serão afetadas pela mineração.
A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) – órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República – divulgou nesta quinta-feira (24) nota pública em que reitera a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 191/2020, que pretende regulamentar a mineração em terras indígenas.
Segundo a 6CCR, além de inconstitucional, o projeto de lei é inconvencional, pois foi apresentado sem consulta prévia às comunidades indígenas que serão afetadas pela mineração. O texto também manifesta preocupação com o aumento dos casos de garimpo ilegal em terras indígenas e pede que o Poder Executivo adote todas as providências para coibir a mineração ilegal e para retirar os garimpeiros invasores dessas terras.
Essa não é a primeira vez que a 6CCR se manifesta publicamente contra a mineração em terras indígenas. Em fevereiro de 2020, o órgão superior divulgou nota pública contra o PL 191/2020 e, em junho, enviou nota técnica ao Congresso Nacional defendendo a rejeição do projeto pelos parlamentares. No documento divulgado hoje, a 6ª Câmara reafirma que a mineração e as obras de aproveitamento hidrelétrico em terras indígenas mereceram atenção especial da Constituição de 1988 justamente pelo potencial dano e ameaça à vida e à cultura dos povos indígenas.
No artigo 231, § 3º, o texto constitucional estabelece que “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas, só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas”. No § 6º determina ainda que “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere esse artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”.
Para a 6CCR, o PL 191/2020 “contém vício insanável”, já que pretende regulamentar a atividade minerária em terras indígenas sem prévio debate no Congresso Nacional sobre as hipóteses de interesse público da União, com a edição de lei complementar, como determina a Constituição. O PL também foi apresentado sem consulta prévia às comunidades afetadas, o que viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A nota pública aponta que o projeto de lei não atende aos interesses dos povos indígenas nem da União, mas sim de grandes grupos econômicos, conforme demonstra a análise dos mais de quatro mil procedimentos minerários incidentes em 216 terras indígenas, alguns dos quais atingem a totalidade dos territórios.
Garimpo ilegal – A 6CCR expressa preocupação com o aumento do número de casos de garimpo ilegal em terras indígenas registrado no último ano. “A apresentação do PL 191/2020 e as manifestações de apoio ao garimpo emanadas de algumas autoridades explicam, ao menos em parte, o crescimento dessa atividade ilegal em terras indígenas, o que ameaça comunidades próximas às áreas de garimpo”, diz o texto. A nota técnica cita dados apresentados em 2018 pelo Grupo de Trabalho Permanente da Convenção de Minamata sobre Mercúrio, do Ministério do Meio Ambiente, estimando o despejo de até 221 toneladas de mercúrio por ano no meio ambiente pelo garimpo ilegal no Brasil. A substância contamina rios e peixes, afeta gravemente a saúde das comunidades indígenas que vivem próximas às áreas de garimpo ou consomem água e pescado contaminado.
A nota aponta casos em que a mineração e garimpo ilegal ou a implantação de grandes empreendimentos minerários afetaram de forma drástica a vida de comunidades indígenas próximas. As Terras Indígenas Yanomami e Mundukuru são alvo de garimpo ilegal, apesar da atuação do MPF e das decisões judiciais que determinaram a retirada dos garimpeiros e a instalação de bases de proteção etnoambientais. A Terra indígena Waimiri Atroari foi recortada para permitir a instalação de uma mineradora na década de 1980. Outros territórios, como a Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté, são fortemente impactados pela contaminação dos rios por mineradoras localizadas em seu entorno. Já os povos indígenas Krenak, Tupiniquim e Guarani foram atingidos pelo rompimento da barragem da Mineradora Samarco no Rio Doce. “Essas terras sofreram impactos que têm afetado as vidas, formas de alimentação e organização social dos povos que as habitam”, diz o texto.
Considerando os danos já registrados e os prejuízos potenciais da mineração para os povos indígenas, o MPF se manifesta contra o PL 191/2020. A nota ainda pede que o Poder Executivo – por meio da Funai, do Ibama, da Polícia Federal e do Ministério da Defesa – adote todas as providências necessárias para coibir a mineração e o garimpo ilegal em terras indígenas, inclusive para a retirada de garimpeiros invasores dessas terras.
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