Amazonas
TJAM aposenta juiz que desobedeceu STJ e liberou R$ 26 milhões às 23h, informa site
Manuel foi punido por desobedecer uma ordem da ministra Nancy Andrighi, do STJ, ao mandar bloquear R$ 26 milhões do Banco Bradesco para pagamento de ex-funcionários do BEA
Juiz Manuel Amaro Pereira de Lima (Foto: Raphael Alves/TJAM/Reprodução)
Os desembargadores do Pleno do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) decidiram, por maioria, nesta terça-feira (16), aposentar compulsoriamente o juiz Manuel Amaro Pereira de Lima por liberar R$ 26,4 milhões a ex-funcionários do BEA (Banco do Estado do Amazonas) em decisão tomada às 23h06, em desobediência a uma ordem do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A informação é do site Amazonas Atual.
Três teses foram levantadas durante o julgamento: a do relator, desembargador Jorge Lins, que votou pela disponibilidade (afastamento) do magistrado por dois anos; a do desembargador Flávio Pascarelli, que sugeriu a censura; e a do desembargador Hamilton Saraiva, que propôs a aposentadoria compulsória.
O voto de relator foi acompanhado por cinco magistrados: César Bandiera, João Simões, Lafayette Carneiro Vieira Júnior, Airton Gentil e Abraham Campos Filho.
A proposta de Saraiva, que venceu, teve apoio das desembargadoras Carla Reis, Nélia Caminha, Vânia Marques, Luiza Cristina, Ida Maria Andrade, Lia Freitas e Socorro Guedes; e dos desembargadores Délcio Santos, Henrique Veiga e Cláudio Roessing.
Pascarelli ficou isolado, pois sua tese não foi acompanhada por nenhum colega. Os desembargadores Yedo Simões e Jomar Fernandes estavam impedidos.
Liberação de valores
Manuel foi punido por desobedecer uma ordem da ministra Nancy Andrighi, do STJ, ao mandar bloquear R$ 26 milhões do Banco Bradesco para pagamento de ex-funcionários do BEA, adquirido pelo Bradesco em 2002. A decisão que liberou os valores foi tomada às 23h06 do mesmo dia em que o pedido foi feito. Segundo os desembargadores, do dinheiro liberado só R$ 2,5 mil foi recuperado até o momento.
O bloqueio milionário do Banco Bradesco ocorreu no âmbito de um processo judicial em que 19 ex-funcionários do BEA reivindicam o pagamento de valores referentes a contribuições feitas ao Cabea (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Estado do Amazonas), uma previdência privada criada em 1976. Eles alegam que contribuíram com a instituição, mas não receberam valores que tinham direito.
Em agosto de 2011, o juiz Diógenes Vidal Neto julgou procedente a ação e determinou a inclusão dos nomes dos ex-funcionários do BEA na partilha de bens acumulados pelo Cabea. “Todos estão na mesma condição, devendo receber igualmente direitos quanto à partilha a ser realizada”, disse o juiz.
Após a decisão favorável, os ex-funcionários entraram com nova ação para que os bancos cumprissem a sentença. No entanto, em agosto de 2020, a ministra Nancy Andrighi determinou a suspensão desse processo até que o STJ julgasse o recurso definitivamente. Ela considerou que os valores envolvidos eram de “elevada monta” e o caso era complexo.
No mês seguinte, desobedecendo a ministra, o juiz Manuel Amaro determinou o pagamento do valor aos ex-funcionários. Ele alegou que, após a decisão de Nancy Andrighi, o TJAM rejeitou um recurso contra a decisão ajuizado pelos bancos Bradesco e Alvorada e, com isso, a decisão da ministra havia perdido o objeto.
Dias após a ordem de Manuel Amaro, Nancy Andrighi informou ao juiz que a decisão dela não dava margem para interpretação que justificasse a decisão dele e mandou bloquear o valor liberado. “Como se aprende nas primeiras lições de direito processual, [o trânsito em julgado] apenas ocorre com o trânsito em julgado do próprio recurso”, disse a ministra.
Em abril de 2022, Nancy Andrighi determinou que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e a CGJ-AM (Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas) apurassem irregularidade na conduta do juiz. A ministra disse que Manuel Amaro autorizou o levantamento de valor milionário em decisão proferida às 23h06 do mesmo dia em que o pedido fora apresentado.
Julgamento
Manuel se tornou alvo do PAD (Processo Administrativo Disciplinar) nº 0013201-37.2024.8.04.0000, que começou a ser julgado no mês passado com a apresentação do voto do relator, Jorge Lins, e do voto divergente de Flávio Pascarelli.
Jorge Lins rechaçou as alegações que a defesa de Lima apresentou para justificar a decisão dele e afirmou que a interpretação distorce o funcionamento do sistema recursal brasileiro e ignora regras básicas do Código de Processo Civil. “Desconsiderar essa sistemática não é um ato e interpretação, é um ato de negação da própria lei processual, é subverter a hierarquia das instâncias”, afirmou o relator.
“A decisão de liberar uma quantia de magnitude de R$ 26 milhões em um cenário processual e notória complexidade e crucialmente já sob advertência implícita de uma ordem de suspensão emanada da mais alta corte infraconstitucional do país exigia do julgador não apenas cautela, mas a máxima circunspecção [precaução no agir]”, disse o desembargador.
Jorge Lins propôs a disponibilidade (afastamento) pelo prazo de dois anos com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço em razão da violação de deveres funcionais.
Divergência
Em quatro sessões, os desembargadores debateram a respeito da existência do dolo (vontade) do juiz. Para Saraiva, “houve um dolo deliberado do magistrado em efetivar essa medida de forma diversa”. César Bandiera disse que dos R$ 26,4 milhões, só R$ 2,5 mil foi recuperado até o momento. “Estamos diante essa situação: uma evidência comprovada materialmente da existência de dolo da vontade consciente de levantar esse numerário ao qual desapareceu”, disse.
Vânia Marques lamentou que o juiz tenha tomado uma atitude que o sujeita ao processo administrativo, mas defendeu que os desembargadores devem aplicar a lei. “Eu entendo que é função nossa fazer valer a lei e a justiça”, disse.
Cláudio Roessing afirmou que o simples afastamento do juiz iria apenas onerar o tribunal, que teria que convocar outro juiz enquanto Manuel estaria de “férias”. “É um ônus muito grande para o poder judiciário, para o contribuinte”, disse “Quem está sendo punido é o poder judiciário, não o juiz”, completou o desembargador, ao defender “cortar o mal pela raiz”. Para ele, trata-se de uma “questão de moralidade do poder judiciário”.
Entre os desembargadores que votaram pela punição mais branda, Airton Gentil considerou o tempo de serviço (20 anos) e afirmou que o magistrado merecia mais uma chance.
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