Conecte-se conosco

Brasil

Uma em cada 6 crianças de até 6 anos foi vítima de racismo no país, aposta pesquisa

Os dados mostram que 16% dos responsáveis por crianças de até 6 anos afirmam que elas já sofreram discriminação racial.

uma-em-cada-6-criancas-de-ate-

Uma em cada 6 crianças de até 6 anos foi vítima de racismo no Brasil. As creches e pré-escolas são os locais onde se deram a maioria dos casos. Os dados são do Panorama da 1ª Infância: o impacto do racismo, pesquisa nacional encomendada ao Datafolha pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal –organização da sociedade civil que trabalha pela causa da 1ª infância–, divulgada nesta 2ª feira (6.out.2025).

uma-em-cada-6-criancas-de-ate-

A pesquisa ouviu 2.206 pessoas, sendo 822 responsáveis pelo cuidado de bebês e crianças de 0 a 6 anos. Os dados foram coletados em abril deste ano, por meio de entrevistas presenciais realizadas em pontos de grande fluxo populacional. A margem de erro é de 2 p.p. (pontos percentuais) para o total da amostra e de 3 p.p. para amostra de responsáveis.

Os dados mostram que 16% dos responsáveis por crianças de até 6 anos afirmam que elas já sofreram discriminação racial. A discriminação é maior quando os responsáveis são também pessoas de pele preta ou parda. Entre elas, esse índice chega a 19%, enquanto entre crianças com responsáveis de pele branca a porcentagem é 10%.

Separados por idade, 10% dos cuidadores de crianças de até 3 anos afirmam que os bebês e crianças sofreram racismo e 21% daqueles com crianças de idade de 4 a 6 anos relatam que elas foram vítimas desse crime.

ONDE SE PASSARAM OS CASOS

A pesquisa revela que creches e pré-escolas foram os ambientes mais citados como locais onde crianças já sofreram discriminação racial –54% dos cuidadores afirmam que as crianças vivenciaram situações desse tipo em unidades de educação infantil, sendo 61% na pré-escola e 38% nas creches.

Pouco menos da metade dos entrevistados (42%) dizem que o crime se deu em espaços públicos, como na rua, praça ou parquinho; cerca de 20% declaram que se passaram no bairro, na comunidade, no condomínio ou vizinhança; e 16% contam que foi na família.

Espaços privados, como shopping, comércio e clube, aparecem entre os locais citados por 14% dos entrevistados, seguidos por serviços de saúde ou assistenciais (6%) e por igrejas, templos e espaços de culto (3%).

Segundo a CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Mariana Luz, a escola é o 1º espaço de socialização da criança. “É um espaço social que, pelas nossas peças legislativas, deveria ser um dever nosso, da sociedade, que a escola seja um espaço de proteção e de desenvolvimento”, diz.

“É muito crítico a gente combater o racismo desde o berço, desde uma mulher grávida, na verdade, para que ela não sofra racismo na gravidez. Agora, com o bebê, com uma criança pequena, é ainda mais contundente a necessidade de combate ao racismo estrutural, para que ele não aconteça nunca, mas sobretudo nessa fase da vida que é onde o maior pico de desenvolvimento está acontecendo”, declara.

Quando perguntados sobre como percebem o racismo praticado contra bebês e crianças, a maioria dos responsáveis entrevistados (63%) diz acreditar que pessoas pretas e pardas são tratadas de forma diferente pela cor da pele, do tipo de cabelo e outras características físicas.

Outros 22% acreditam que, embora exista racismo, é raro que crianças na 1ª infância, ou seja, com idade até 6 anos, sejam vítimas desse crime. Na outra ponta, 10% dizem que a sociedade brasileira praticamente não é racista e 5% desconhecem o assunto.

“O 1º passo em qualquer grande desafio é a gente reconhecer que é uma sociedade racista e combater isso com veemência”, diz Mariana Luz.

Segundo ela, as escolas devem ter protocolos para lidar com essas situações, que incluam a formalização das denúncias e a formação de todos os profissionais que atuam na instituição.

“Para todo mundo saber o que fazer, cada escola, 1º, tem que qualificar o corpo dos professores, dos diretores, dos supervisores, dos auxiliares, de toda essa rede que lida no dia a dia com as crianças. Também a gestão, desde a secretaria municipal de Educação, à estadual, até o Ministério da Educação. Precisa ser um conjunto grande de todo mundo atuando nessa mesma direção”, declara.

IMPACTOS DO RACISMO

O estudo mostra que o racismo sofrido por bebês e crianças tem impacto no desenvolvimento delas. “O racismo é um dos fatores que compõem as chamadas experiências adversas na infância, vivências que expõem a criança ao estresse tóxico, que interferem em sua saúde física e socioemocional e no seu desenvolvimento integral”, afirma o texto.

Segundo a pesquisa, creches e pré-escolas são os espaços de maior oportunidade de prevenção e proteção contra a discriminação. Para isso, é fundamental que a educação infantil conte com profissionais preparados e materiais adequados para a educação das relações étnico-raciais. “É dever de toda a sociedade reconhecer e combater o racismo e promover uma educação antirracista desde cedo, como determina a Lei nº 10.639/2003, garantindo proteção às crianças na 1ª infância contra qualquer forma de discriminação e violência”, diz o estudo.

A Lei 10.639/2003 estabelece que os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira sejam ministrados no currículo escolar, ou seja, em todas as etapas de ensino, da educação infantil ao ensino médio.

A lei, no entanto, não é cumprida. Uma pesquisa divulgada em 2023 mostra que 7 em cada 10 secretarias municipais de Educação não realizaram nenhuma ação ou poucas ações para implementação do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas.

Mariana Luz afirma que os dados revelam a importância de uma educação antirracista desde a 1ª infância, tanto para proteger as crianças negras e indígenas, quanto para educar as crianças brancas desde pequenas.

“O fato de a 1ª infância ser a maior fase de desenvolvimento, também precisa ser um momento inicial de combate ao racismo e de proteção dessas crianças, mas também de educação de crianças brancas e do corpo docente, de todo o corpo de professores, para que a gente consiga combater o racismo estrutural”, diz.

RACISMO É CRIME

De acordo com a Lei nº 7.716/1989, racismo é crime no Brasil. A lei regulamenta trecho da Constituição Federal que tornou o racismo inafiançável e imprescritível.

A Lei nº 14.532, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro de 2023, aumenta a pena para a injúria relacionada à cor de pele, etnia ou procedência nacional. Com a norma, quem proferir ofensas que desrespeitem alguém, seu decoro, sua honra, seus bens ou sua vida poderá ser punido com reclusão de 2 a 5 anos. A pena poderá ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas.

As vítimas de racismo devem registrar boletim de ocorrência na Polícia Civil. É importante tomar nota da situação, citar testemunhas que também possam identificar o agressor. Em caso de agressão física, a vítima precisa fazer exame de corpo de delito logo depois da denúncia e não deve limpar os machucados, nem trocar de roupa –essas evidências podem servir como provas da agressão.


Clique para comentar

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

19 − dezesseis =