Brasil
Amazônia pode enfrentar seca inédita com mudança no Atlântico, alerta estudo
A Circulação Meridional do Atlântico é um dos principais motores do clima terrestre. Seu enfraquecimento pode provocar chuvas irregulares e afetar drasticamente ecossistemas como a Floresta Amazônica.

Seca em Tefé, no Amazonas. (Foto:Bruno Kelly/Reprodução)
Um novo estudo publicado na revista Nature Communications lança um alerta preocupante sobre a estabilidade da Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (Amoc, na sigla em inglês), considerada um dos principais motores do clima terrestre. A Amoc funciona como uma “esteira oceânica”, transportando calor e nutrientes entre o Atlântico Sul e Norte, regulando o clima global.
Os pesquisadores revelam que, ao longo dos últimos 6.500 anos, esse sistema se manteve surpreendentemente estável, após períodos de oscilação no início do Holoceno. No entanto, essa estabilidade está agora em risco. A combinação entre dados de campo e simulações com modelos climáticos avançados sugere que a ação humana pode estar levando a Amoc a um enfraquecimento sem precedentes na história recente da Terra.
Um dos impactos mais preocupantes recairia sobre a região norte da Floresta Amazônica, justamente a porção mais preservada do bioma. O estudo projeta uma drástica diminuição das chuvas nessa área, ameaçando sua biodiversidade e equilíbrio ecológico.
Evidências sedimentares e modelagem de ponta
A pesquisa foi conduzida por uma equipe internacional formada por cientistas do Brasil, Alemanha e Suíça. Utilizando testemunhos de sedimentos marinhos coletados no Atlântico Norte, os pesquisadores analisaram isótopos radioativos de tório-230 e protactínio-231 para reconstruir a intensidade da Amoc durante os últimos 12 mil anos.
Segundo o professor Cristiano Mazur Chiessi, da Universidade de São Paulo (EACH-USP), esses elementos radioativos funcionam como indicadores indiretos (“proxies”) da circulação oceânica. Quando há mais protactínio em relação ao tório nos sedimentos, isso indica enfraquecimento da Amoc. Com o auxílio de um modelo climático desenvolvido na Universidade de Berna, os dados foram convertidos em medidas quantitativas da circulação, em unidades chamadas Sverdrups (Sv), cada uma equivalente a 1 bilhão de litros por segundo.
Os resultados indicam que, após o fim da última era glacial, a Amoc levou cerca de 2 mil anos para se recuperar e se estabilizou em torno de 18 Sv há aproximadamente 6.500 anos. Desde então, manteve-se relativamente constante — até agora.
Impactos globais e riscos à Amazônia
A projeção para o futuro, no entanto, é alarmante. O enfraquecimento da Amoc deve alterar profundamente os padrões de precipitação no cinturão tropical, afetando América do Sul, África, além das monções da Índia e do Sudeste Asiático. No caso da Amazônia, as chuvas equatoriais tenderão a se deslocar para o sul, secando a região norte do bioma.
Segundo o pesquisador, trata-se da parte mais conservada da floresta, pouco impactada por desmatamento e queimadas, o que torna o cenário ainda mais grave. “Essa mudança climática pode impor uma vulnerabilidade nova e dramática justamente na região que funcionava como porto seguro da biodiversidade”, alerta.
Um estudo anterior, também com participação de Chiessi, já havia mostrado que enfraquecimentos passados da Amoc contribuíram para a substituição das florestas úmidas por vegetação sazonal no norte da Amazônia — cenário que, agora, pode se repetir com efeitos agravados.
Ponto de não retorno e urgência global
Os cientistas alertam que a desaceleração da Amoc pode configurar um ponto de não retorno no sistema climático global. Embora os monitoramentos diretos só tenham começado em 2004 — tempo insuficiente para confirmar tendências —, os indícios apontam para uma clara ameaça.
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“Apesar das incertezas, a urgência de agir é inegociável. Ainda há tempo, mas as ações precisam ser rápidas, coordenadas e globais”, diz Chiessi. A COP-30, que ocorrerá em novembro em Belém (PA), é apontada como uma oportunidade crucial para decisões concretas.
O artigo completo, intitulado Low variability of the Atlantic Meridional Overturning Circulation throughout the Holocene, pode ser acessado aqui.
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