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Amazônia Legal tem seis dos dez estados com maior taxa de violência sexual contra crianças e adolescentes, aponta levantamento

Na região, conFLitos territoriais e barreiras logísticas criam cenário complexo para defender direitos das crianças.

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Na Amazônia Legal, milhares de crianças e adolescentes vivem sob risco constante de violência sexual e letal. Um levantamento do Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que seis dos dez estados com as maiores taxas do país estão na região, onde desigualdades, conflitos territoriais e barreiras logísticas criam um cenário complexo para garantir os direitos da infância. As informações são do jornal O Globo.

amazonia-legal-tem-seis-dos-de

amazonia-legal-tem-seis-dos-deO estudo, divulgado nesta quarta-feira (13/08), revela que esses fatores estruturais ajudam a explicar os altos índices de estupro, maus-tratos e mortes violentas de meninos e meninas, que crescem de forma muito mais acelerada do que no restante do Brasil, superando em até 13,9% o crescimento registrado a nível nacional.

A taxa de violência sexual na Amazônia Legal alcançou, em 2023, 141,3 casos por 100 mil crianças e adolescentes, índice 21,4% acima da média nacional. Enquanto o Brasil registrou aumento de 12,5% nas notificações entre 2021 e 2022, na região o crescimento foi de 26,4%.

— As crianças e adolescentes da Amazônia Legal estão extremamente expostos a diferentes violências. As desigualdades étnico-raciais, a vulnerabilidade social, os conflitos territoriais, a extensa área de fronteira e
a grande incidência de crimes ambientais criam um cenário complexo que precisa ser compreendido e enfrentado para assegurar a proteção de cada criança e adolescente — afirma a oficial de Proteção contra a Violência do Unicef no Brasil, Nayana Lorena da Silva.

O ranking da violência na região é liderado por Rondônia (234,2 casos por 100 mil crianças e adolescentes), que é seguido por Roraima (228,7), Mato Grosso (188,0), Pará (174,8), Tocantins (174,2) e Acre (163,7). Nessas
localidades, a incidência é alta principalmente em municípios situados a até 150 km das fronteiras brasileiras, que registraram taxa de 166,5 casos por 100 mil, valor acima dos 136,8 das cidades não fronteiriças.

Áreas urbanas

O pesquisador Cauê Martins, do FBSP, reforça que as particularidades regionais exigem políticas adaptadas:

— As taxas de mortes violentas intencionais nos municípios urbanos amazônicos são 31,9% maiores que nos centros urbanos do restante do país.

Em Manacapuru, no interior do Amazonas, a realidade da violência sexual contra crianças e adolescentes se manifestou de forma brutal e silenciosa para uma menina de apenas 11 anos. Um caso recente, relatado pela conselheira tutelar Joelma de Souza Leal Ribeira, ilustra a complexidade e a urgência do problema. Uma gestora de escola entrou em contato, devido ao comportamento “revoltado” da aluna e, após um processo de acolhimento,
descobriu-se que a criança era estuprada pelo pai, com a participação dos irmãos.

— Na nossa cultura amazônica, foi perpetuado um comportamento que chamamos de “estupro consensual”. Crianças que não têm informação, estão isoladas geograficamente e não têm assistência do poder público vivem esse tipo de violência sem ter a dimensão do que está acontecendo — relata Joelma.

O Conselho Tutelar, atuando de forma coordenada com a polícia, conseguiu o resgate da criança. O pai está preso e a mãe foi condenada por omissão, confirmando a importância de um trabalho integrado e meticuloso. O desfecho do caso, embora trágico, ressalta a importância da atuação dos órgãos de proteção.

— A gente esbarra na questão da logística, da falta de transporte, falta de combustível, falta de acessibilidade a essas comunidades. Muitas vezes nosso trabalho acaba sendo uma proteção tardia, porque quando o conselho consegue chegar até esse local, muitas das vezes a criança já vem sendo vítima por muito tempo. Chegamos para encerrar o ciclo, mas infelizmente essas crianças já passaram por diversas violações — acrescenta a
conselheira tutelar de Manacapuru.

Perfil das vítimas

Entre as vítimas de violência sexual na Amazônia Legal, o estudo do Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 81% eram pretas e pardas e 2,6% indígenas. A taxa entre negros foi de 45,8 casos por 100 mil
crianças e adolescentes, contra 32,7 entre brancos. No restante do Brasil, a maior incidência ocorre entre crianças brancas. Quando o recorte trata de crianças indígenas, os registros de violência sexual mais que dobraram entre 2021 e 2023, com crescimento de 151%.

— O dado que mostra que a casa é o lugar mais perigoso para boa parte das vítimas nos obriga a olhar para a violência sexual como um problema que atravessa famílias e comunidades. E isso torna ainda mais urgente a capacitação dos profissionais que atuam na ponta, como conselheiros tutelares e equipes de saúde — analisa Nayana da Silva, do Unicef.

Nesse cenário, o Unicef defende investimentos no monitoramento dos casos, melhorias na coleta e no registro de dados, e ações integradas entre governos e sociedade civil.

— Quando a rede de proteção trabalha enfrentando o racismo estrutural e a desigualdade de gênero, cria condições para que meninos e meninas deixem de ser alvos preferenciais da violência — completa a oficial do fundo das
Nações Unidas.

O panorama traçado pela pesquisa também é corroborado pelo levantamento do Disque 100, divulgado neste ano, que aponta que mais de 80% das ocorrências acontecem dentro da residência da vítima. Na maioria dos casos, o agressor é um familiar ou alguém de confiança da família.

Dados divulgados no Atlas da Violência, que analisou notificações entre 2013 e 2023, apontam que, entre as vítimas mais jovens, como infantes (0 a 4 anos) e crianças (5 a 14 anos), a residência é o local mais frequente dos registros: 67,8% e 65,9% dos casos, respectivamente.

Esta semana, a discussão sobre a exploração e o abuso de crianças e adolescentes no ambiente das plataformas digitais ganhou projeção após um vídeo publicado pelo youtuber e humorista Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, para alertas sobre casos de sexualização precoce e outras formas de “adultização” com objetivo de gerar lucro. O conteúdo tem levado a um aumento de número de denúncias contra pedofilia, por exemplo, na cidade de São Paulo, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública do estado.


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