Brasil
Frigoríficos em acordo com MPF compraram só 4% da carne de áreas desmatadas da Amazônia, contra 54% dos outros
Ministério Público Federal afirma que programa Carne Legal, que estabelece auditorias para rastrear origem do gado na Amazônia, está surtindo efeito

Gado pastando em área de desmate recente em Humaitá, no sul do Amazonas. (Foto: Brenno Carvalho / Agência O GLOBO/Reprodução)
Os frigoríficos que assinaram acordo para se submeter a auditorias e se comprometeram a não comprar carne de gado de áreas desmatadas ilegalmente tiveram 4% de operações irregulares na Amazônia, afirmou hoje o Ministério Público Federal (MPF), que promove a iniciativa.
As empresas que ficaram fora do acordo, em contrapartida, registram 52% de “não conformidade”. O resultado dessa iniciativa foi divulgado hoje.
O acordo em questão é o programa Carne Legal, que o MPF realiza por meio da assinatura de termos de ajustamento de conduta (TACs) com os frigoríficos.
Foram incluídas no programa 89 unidades de negócio de seis estados (AM, PA, RO, AC, MT e TO), que correspondem a cerca de um terço da produção pecuária na Amazônia Legal. Nas empresas sem auditoria contratada, o monitoramento foi feito de modo automático, via imagens de satélite, mapas do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e guias de trânsito animal, documentos necessárias para comércio de rebanho.
O MPF faz esse monitoramento desde 2009 no Pará, e nos outros estados da Amazônia Legal desde 2020. Esse é o segundo ciclo de auditoria que cobre um número maior de estados, porém. Os resultados, segundo especialistas, sugerem que a iniciativa está sendo efetiva.
— Dentro daqueles que foram auditados, nós vemos uma situação de contínuo processo de melhora, e a tendência que a gente sempre observa é que elas vão, ao longo do tempo, se adequando — disse Ricardo Negrini, procurador federal do Pará, em entrevista coletiva. — Há exceções. Tem empresa que está piorando, mas via de regra a gente observa melhora.
O MPF não divulga os resultados das auditorias por empresa, mas o nome daquelas que aderiram é público, e abarca todos os grandes frigoríficos do Brasil, incluindo unidades regionais de JBS, Marfrig e Minerva.
JBS diz ter alcançado 98% de conformidade
Algumas empresas divulgaram voluntariamente o resultado de seus números de dentro do Carne Legal. A JBS, maior produtora de proteína animal do Brasil, afirma que conseguiu 98% de conformidade com a promessa, melhorando 4 pontos percentuais em relação à etapa anterior de auditorias.
— A evolução comprovada neste ciclo comprovou o que dissemos na edição anterior, de que temos clareza sobre como alcançar o objetivo dos 100% (de carne de pastos legalizados) — diz Liège Correia, diretora de Sustentabilidade da empresa.
Para as empresas que não cumpriram bem as promessas assinadas nos TACs, estão previstas sanções, como multas e embargos. O procedimento será avaliado pelos procuradores caso a caso. Há uma diferença de método, porém, entre empresas que estão dentro e fora do Carne Legal.
— Se o frigorífico tiver TAC, precisamos aplicar as sanções que estão previstas no TAC. Se não tiver, o frigorífico pode ser processado e será réu de uma ação civil pública — explicou Rafael Rocha, procurador federal no Amazonas. — O frigorífico que aposta na ilegalidade, que prefere ficar à margem da lei, vai sofrer as consequências.
No ciclo atual de auditorias foram analisadas compras feitas em 2022 pelas companhias aderentes. Os dados estão sendo analisados retroativamente desde que o programa foi criado, mas o atraso está sendo compensado. O MPF diz esperar que auditorias sobre compras de 2023 e 2024 sejam concluídos ainda neste ano.
Fora do radar
Além de carne oriunda de áreas com desmatamento ilegal, os TACs cobrem o compromisso de provar que o produto também não veio de dentro de unidades de conservação, terras indígenas invadidas ou de fazendas autuadas por trabalho em condições de escravidão.
O escopo do Carne Legal, porém, ainda tem algumas limitações, sobretudo quando se fala em monitorar a criação de bezerros.
— Hoje os frigoríficos conseguem monitorar as compras diretas, de fornecedores que engordam gado, mas eles não conseguem olhar para a fazenda que forneceu gado para engorda, que é uma fazenda indireta. Isso faz parte dos TACs, está lá como critério, mas ainda não está operacionalizável, porque ainda não existe um mecanismo para fazer esse monitoramento — afirma Lisandro Inakake, gerente de projetos do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), ONG que ajuda a treinar os auditores do programa.
As auditorias buscaram neste ciclo fazer uma varredura preliminar sobre fornecedores indiretos, mas uma boa fatia dos dados não pode ser validada.
“Nas análises realizadas entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021, 38% do gado de fornecedores indiretos estava em conformidade, 27% apresentava potencial não conformidade e 35% não tinha correspondência com o Cadastro Ambiental Rural (CAR)”, afirmou comunicado do MPF.
O boi e a motosserra
Como a expansão de pastagem para pecuária é o principal motor do desmatamento ilegal na Amazônia, cientistas acreditam que iniciativas para disciplinar esse setor sejam aquelas que mais fazem diferença no combate ao problema.
De 2022 para 2023, a taxa anual de desmate caiu 21%, e no ciclo do ano seguinte caiu 7%, mas é difícil saber quanto dessa melhora se deu pela pressão nos frigoríficos. Nestes anos, houve também intensificações de operações do Ibama e outras medidas de “comando e controle” na região.
O MPF havia se engajado anteriormente em outras medidas para coibir irregularidades na pecuária no Brasil, como em 2017, com a operação Carne Fraca, que investigou mais de 30 empresas do setor acusadas de adulterar carnes e mudar datas de validade. Naquela ocasião, mais de 60 denúncias foram oferecidas à Justiça, mas poucas condenações efetivas foram alcançadas.
No caso do programa Carne Legal, o foco maior é no desmatamento para pastagem, e procuradores esperam que uma abordagem colaborativa atraia mais empresas para os acordos via TAC.
— Não consigo entender como poderia ser vantagem ficar de fora disso, porque mesmo sem considerar as consequências para produtores que dependem do Ministério Público, existem as consequências que dependem do mercado — afirma Rocha. — Hoje os frigoríficos precisam prestar informações, precisam se explicar perante seus consumidores, perante o varejo e perante os bancos que estão fornecendo crédito. O nosso trabalho é colocar luz nessas questões para que cada ator cumpra o seu papel.
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