Brasil
Crise do INSS repercute seis vezes mais nas redes do que debate sobre a escala 6×1 após endosso de Lula
Tema foi levado pelo próprio petista ao seu mais recente pronunciamento em cadeia de rádio e TV, na véspera do Dia do Trabalho.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
A crise no INSS ofuscou, nas principais redes sociais, o recente endosso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao debate sobre o fim da escala 6×1, tema levado pelo próprio petista ao seu mais recente pronunciamento em cadeia de rádio e TV, na véspera do Dia do Trabalho. O quadro desfavorável ao governo no ambiente digital é apontado por um levantamento feito pela consultoria Bites a pedido do jornal O GLOBO.
Os dados mostram que as menções aos descontos fraudulentos nas aposentadorias, que levaram à saída de Carlos Lupi (PDT) do Ministério da Previdência, superaram em mais de seis vezes as citações à proposta de redução da jornada de trabalho, que ganhou destaque na comunicação oficial de Lula na semana passada como aposta de agenda positiva.
Se nas últimas duas semanas, foram contabilizadas 2,49 milhões de menções ao INSS, à fraude nas aposentadorias e à troca no ministério da Previdência, os temas ligados ao Dia do Trabalho e ao fim da escala 6×1, aposta de Lula em meio à queda de popularidade de sua gestão, somaram apenas 378 mil citações. Quando analisado o volume de curtidas, comentários e compartilhamentos, a distância se repete: a crise associada aos descontos indevidos gerou mais de 22,6 milhões de interações, contra 6,62 milhões da agenda trabalhista.
O levantamento aponta que o dia 1º de maio, quando os atos organizados pelas centrais sindicais tiveram a redução da jornada de trabalho como bandeira, foi o único em que houve engajamento em patamar semelhante com os dois temas. Já no dia seguinte, no entanto, a crise das aposentadorias voltou a prevalecer no debate digital, segundo o diretor-adjunto da Bites, André Eler:
— Mesmo com 1º de maio sendo um evento histórico das centrais sindicais e que, nesse ano, veio com uma demanda nova, pelo fim da escala 6×1, houve uma repercussão muito baixa nas redes sociais. Isso aconteceu, especialmente, em vista da fraude do INSS, já que toda a repercussão do escândalo foi muito puxada e orientada online pelo protagonismo da oposição.
Exposta por uma operação da PF no mês passado, a crise provocada pelos descontos fraudulentos voltou a repercutir na ocasião após o então ministro da Previdência, Carlos Lupi, afirmar que havia sido alertado sobre as denúncias de descontos irregulares. A fala reverberou junto à constatação de que a arrecadação dos sindicatos envolvidos no esquema teve maior alta durante o governo Lula. Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro pressionaram, nas redes sociais, pela abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e pela saída de Lupi do cargo, concretizada na sexta-feira. Ele foi substituído por Wolney Queiroz (PDT-PE).
Demora do governo
Cientista político e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Paulo Ramirez avalia que, somada à capitalização do assunto pela oposição, a demora do governo em dar uma resposta ao escândalo impactará a percepção sobre a gestão Lula no eleitorado com 60 anos ou mais, grupo afetado pelos descontos fraudulentos. Segundo dados da última pesquisa Genial/Quaest, do início de abril, o segmento é o único na divisão por faixa etária que, numericamente, aprova mais o governo (50%) do que o desaprova (46%). Na população como um todo, 56% rejeitam a gestão do petista, ante 41% que a aprovam.
— O time do governo, mais uma vez, foi lento para a resolução dessa crise, pensando com atraso no afastamento do Lupi e em propostas para o ressarcimento dos que foram prejudicados. Foram deixadas lacunas e flancos que acabaram sendo ocupados pela oposição. Eles reforçam ideias que dizem que o governo rouba dos mais necessitados, no caso, os idosos — analisa.
Além da exposição da gestão Lula à possível perda de apoio em um novo segmento do eleitorado, em meio ao revés na popularidade do governo, o escândalo também atrapalhou a difusão da informação de que o governo passaria a adotar como uma de suas bandeiras o fim da escala 6×1. A proposta, citada em pronunciamento por Lula na quarta-feira, foi descrita como “uma das prioridades do governo no Congresso” em uma postagem feita pela ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, no último domingo.
No período entre as duas declarações, segundo a Bites, o tema gerou 267 mil menções e 4,47 milhões de interações nas plataformas, enquanto a crise na Previdência foi citada 920 mil vezes, com 6,44 milhões de interações.
Para o cientista político e professor do Insper Leandro Consentino, a diferença é indicativo da dificuldade do governo de emplacar pautas positivas, diante de desvios provocados por outros temas. A tendência se repetiu, enfatiza, em ocasiões como o anúncio da expansão dos programas Pé-de-Meia e Farmácia Popular, ofuscado pela denúncia de Bolsonaro e outros aliados, em fevereiro, pela suposta trama golpista.
— Diante dessa agenda negativa que está permeando o noticiário, o governo está buscando, de alguma forma, maneiras de contrabalancear. A adesão ao fim da escala 6×1 nesse momento é uma tentativa de contenção de danos. Agora, se ele vai ser bem-sucedido ou não, precisamos considerar que vai depender, sobretudo, da boa articulação que o governo fará com o Legislativo — acrescenta Consentino.
Projeto na Câmara
No Congresso, a pauta foi protocolada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) em fevereiro e depende agora da disposição do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Paulo Azi (União-BA), para a escolha de um relator e a determinação do prazo para o projeto ser votado. O texto também já tem sido discutido pela bancada do PT na Casa, que se comprometeu em integrar um grupo de estudo da proposta junto ao PSOL.
A entrada do governo na pauta pode ser benéfica tanto para o avanço da proposição quanto para a percepção da gestão Lula, mas diante das circunstâncias de queda de popularidade também pode ser interpretada como “oportunista”, afirma o cientista político Rafael Cortez.
— Até aqui, o governo tem tido dificuldade de apresentar uma marca social para esse mandato. A luta pelo fim da escala 6×1 poderia cumprir esse papel, mas em razão do timing em que se escolheu entrar nessa discussão, isso não vai ser algo trivial e viabilizado da noite para o dia. Não deixa de ser lido como uma forma de oportunismo.
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