Economia
Recuo sobre Pix não deve trazer sono tranquilo a quem descumpre regras da Receita, diz Duquesa de Tax
Tributarista Maria Carolina Gontijo afirma que meio de pagamento já era monitorado pelo Fisco, que vai continuar a ampliar controles.
O recuo do governo em relação ao monitoramento de operações financeiras, inclusive via Pix, não deve servir de alívio para quem não está em dia com obrigações tributárias com a Receita Federal. O alerta é de Maria Carolina Gontijo, a Duquesa de Tax das redes sociais.
“Todo mundo que não está em conformidade de alguma forma não deveria estar dormindo mais tranquilo”, afirmou a tributarista em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.
Isso porque o órgão está sempre em busca de otimizar o controle sobre o pagamento de impostos para evitar a sonegação e arrecadar mais, independentemente do público: rico, pobre, trabalhador formal ou informal. “As pessoas desconheciam que a Receita tinha esse controle sobre a vida delas.”
Nos últimos dias, ela viveu embates nas redes sociais na tentativa de explicar a regra, agora revogada, que ampliava o rastreio de movimentações para incluir transações feitas com Pix inclusive em novos integrantes do sistema financeiro, como Mercado Pago e PicPay, e bancos nativos digitais como o Nubank.
Como os grandes bancos tradicionais já eram obrigados a repassar informações, na prática o Pix já era monitorado, afirma a tributarista. E isso não vai mudar.
Ela classifica a comunicação da oposição nesse episódio como “brilhante” ao transformar uma medida meramente burocrática em um assunto que atinge a população. “Eu tenho certeza que isso [a instrução normativa] era só mais uma terça-feira na Receita Federal. E foi alçado a uma pauta econômica.”
Quais lições a sra. tira dessa história?
Antes de tudo, o governo criou um ambiente muito hostil para ele próprio. A gente precisa voltar à questão do arcabouço fiscal, que foi feito para ser um ajuste fiscal pela linha da receita. Para isso, você precisa ter o quê? Um aumento da carga tributária. E essa pecha pegou. A gente viu isso no ano passado, a questão dos memes, do “Taxadd” e tudo mais. Dentro desse ambiente foi construído um ambiente completamente hostil à questão tributária.
Agora vamos ao que aconteceu no Pix. Aquilo foi uma medida estritamente burocrática, em linha com o que já vem acontecendo há décadas, que é a Receita monitorar a vida financeira dos contribuintes. Isso não é novidade nenhuma: a Receita vem aprimorando os meios de fazer isso.
A gente já tinha a e-Financeira, que é uma declaração que as instituições financeiras tinham que entregar. Essa instrução normativa [IN] de setembro, que entrava em vigor agora em janeiro, incluía os meios de pagamento [como Mercado Pago e PicPay] dentro dessa declaração e abrangia o Pix.
O Pix propriamente já era visto desde sempre, porque ele caía numa conta corrente, caía numa conta bancária, e as instituições bancárias precisam informar esse tipo de movimentação desde que o mundo é mundo, há mais de 20 anos.
Então o que aconteceu de diferente?
O que aconteceu foi um movimento muito bem feito de comunicação da oposição de transformar essa pauta burocrática numa pauta tributária, que atinge as pessoas. Como as pessoas têm uma ignorância muito grande, não sabem como funciona a declaração de renda, elas desconheciam que a Receita tinha esse controle sobre a vida delas.
Para a gente que trabalha com isso, era uma coisa totalmente normal, banal, mais um controle da Receita. No ano passado, a Receita desenquadrou muitos MEIs justamente por identificar movimentações bancárias incompatíveis com teto [do programa].
Mas pode ser considerado um movimento arrecadatório?
Todos os movimentos da Receita são arrecadatórios. A Receita Federal, dentro do Ministério da Fazenda, é um braço arrecadatório. É o que eu costumo falar: a polícia prende, o Ibama defende o meio ambiente, a Receita fiscaliza [o pagamento de impostos]. Cada um faz seu corre, faz o que tem que fazer.
Mas, nesse caso, foi uma medida burocrática que foi tomada de assalto pela oposição, de modo muito bem feito.
O Pix, então, já era monitorado?
Na prática, caindo dentro de alguma conta bancária, já era monitorado. O que também confundiu muito as pessoas foi elas acharem que isso poderia ser feito de forma automática. Não, isso não acontece de forma automática. Movimentação bancária é uma coisa e rendimento tributável é outra. Esse seria só mais um elemento que a Receita teria à disposição.
Ela já tem a declaração [de renda], ela vê quanto você gasta no cartão de crédito, se você está indo para o exterior, por causa da compra de moeda estrangeira, sabe se você está comprando imóvel, que você está indo ao médico porque os médicos informam. Ela sabe de tudo.
A oposição bateu muito na tecla do efeito do monitoramento do Pix para o profissional informal, para a pessoa que está fazendo algum bico e poderia passar a pagar mais impostos. Faz sentido?
É muito engraçado porque essas pessoas, se elas movimentavam muito a conta bancária antes, já tinham que ter esse receio. Vamos encarar como um radar. Existe um ponto bem pequenininho que a Receita Federal não conseguia ver ainda, que era a questão do Pix no meio de pagamento. Só que ela tem um milhão de outras coisas que compensam isso.
O que as pessoas têm que entender é o seguinte: se você opera no risco, se você não está em conformidade com a Receita Federal, a sua vida vai ficar difícil a cada ano que passar. Isso é um fato. Porque a Receita vai implementar controles cada vez mais rigorosos para pegar o maior número de pessoas que eventualmente estão sonegando. [Para a Receita] não existe sonegador do bem, sonegador do mal. Existe sonegador.
Alguém que de alguma forma não esteja em dia com os impostos, com a Receita, dormiu mais tranquilo depois do recuo do governo?
Se dormiu tranquilo, está dormindo errado. Todo mundo que não está em conformidade com a Receita de alguma forma não deveria estar dormindo mais tranquilo. Quando a gente fala de autônomos, informais, eventualmente eles têm cartão de crédito, conta bancária. Tudo isso já é informado para a Receita Federal.
O governo chegou ao limite de aumento de impostos?
É o ambiente hostil que ele criou para si mesmo. Mas foi uma inocência também por parte do governo não imaginar que isso aconteceria quando ele optou pelo ajuste fiscal pelo lado da receita, porque não tem como você sustentar esse aumento sem que as pessoas fiquem totalmente revoltadas com a carga de imposto.
Esse também foi um movimento de comunicação brilhante [da oposição], algo para estudar por muitos anos. Foi misturada uma medida burocrática com uma medida econômica, que são duas coisas diferentes. Eu tenho certeza que isso [a instrução normativa] era só mais uma terça-feira na Receita Federal. E isso foi alçado a uma pauta econômica.
Não deixe de curtir nossa página no Facebook, siga no Instagram e também no X.
Faça um comentário