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Jornal pró-democracia de Hong Kong anuncia fechamento após prisão de executivos e bloqueio de contas

Tablóide publicará última edição na quinta-feira e versão on-line também deixará de ser atualizada.

O Apple Daily, o último grande jornal pró-democracia de Hong Kong, anunciou nesta quarta-feira que publicará sua última edição na quinta-feira, 24 de junho. A decisão ocorre após um ano tempestuoso no qual as autoridades prenderam executivos e congelaram mais de US$ 2,3 milhões da empresa, impedindo o pagamento de funcionários e de outras despesas.

O episódio também marca a primeira vez que a draconiana Lei de Segurança Nacional, em vigor desde junho do ano passado, foi usada para cercear a liberdade de imprensa no território semiautônomo.

O fim do tablóide, que mistura um discurso pró-democracia com fofocas de celebridades e investigações dos poderosos, provoca preocupações em relação à liberdade de imprensa e outros direitos do território controlado pela China. O jornal ainda informou que sua versão on-line também deixará de ser atualizada.

“Obrigado a todos os leitores, assinantes, anunciantes e honcongueses por 26 anos de amor e apoio imensos. Aqui nos despedimos, cuidem-se”, disse o Apple Daily em um artigo publicado na internet.

Seu fechamento significa o desaparecimento de um dos poucos jornais locais que ousa criticar os líderes chineses. É também uma grande vitória para as autoridades, que não escondem o desejo de ver o jornal silenciado.

O apoio do jornal aos direitos e liberdades democráticos o tornou uma pedra no sapato de Pequim desde que seu dono, Jimmy Lai, um magnata que fugiu da fome na China em um barco de pesca aos 12 anos, o fundou em 1995. O tabloide chacoalhou o cenário da mídia em língua chinesa da região e se tornou um defensor da democracia às margens da China comunista.

Lai, de 73 anos, foi detido no ano passado por participar dos protestos democráticos de 2019 e pode pegar prisão perpétua se for condenado por crimes contra a segurança nacional. Ele também é acusado de violar a Lei de Segurança Nacional e teve seus bens congelados.

Cerca de 200 policiais invadiram a redação do jornal em agosto do ano passado, quando Lai foi detido. Já na semana passada, 500 agentes invadiram novamente o tablóide em uma investigação de segurança nacional, quando outros cinco executivos foram detidos por uma série de artigos que, segundo a polícia, indicavam “conluio com um país estrangeiro”. Três empresas relacionadas ao Apple Daily também estão sendo processadas pelo mesmo crime.

Em ambos os episódios, o jornal aumentou sua tiragem de 80 mil — sua taxa habitual — para 500 mil no dia seguinte às invasões, com pessoas fazendo fila nas bancas para comprar a edição e mostrar a indignação com a repressão. Agora, no seu último dia, o Apple Daily deve imprimir um milhão de cópias.

O Apple Daily, carro-chefe de mídia da Next Digital, emprega centenas de jornalistas. O jornal disse que a decisão de fechar foi “baseada na segurança dos funcionários e considerações de mão de obra”. Desde a última operação policial, o tablóide sofreu demissões em massa e departamentos inteiros tiveram que fechar.

Também nesta quarta-feira, a polícia prendeu um colunista do jornal sob suspeita de conspirar com algum país estrangeiro, segundo a imprensa local.

Grupos de direitos humanos, organizações de mídia e governos ocidentais, como a União Europeia e o Reino Unido, criticaram a ação contra o jornal.

A líder de Hong Kong, Carrie Lam, disse na terça-feira que as críticas à operação contra o jornal equivalem a tentativas de “embelezar” atos que ameaçaram a segurança nacional. Autoridades chinesas rejeitaram as críticas por vê-las como interferência.

Hong Kong e autoridades continentais repetem que a liberdade de imprensa é respeitada, mas não é absoluta.

Johny Ku, um leitor de 55 anos, no entanto, pontuou que o fechamento da publicação pode anunciar o fim da liberdade de imprensa em Hong Kong. “ Se uma organização tão forte pode perder sua voz, acho que outras organizações de mídia ficarão assustadas.

Também nesta quarta-feira, a primeira pessoa acusada de violar a draconiana Lei de Segurança Nacional de Hong Kong se declarou inocente no início de seu julgamento.

O julgamente ocorre quase um ano após Tong Ying-kit ter sido acusado de avançar uma moto contra um grupo de policiais enquanto carregava um cartaz com a frase “Libertar Hong Kong, a revolução dos nossos tempos”, um dos slogans do movimento pró-democracia. Ele foi detido no primeiro dia em que a lei começou a valer.

Tong, um garçom de 24 anos, é acusado de incitação de separatismo e terrorismo — pela Lei de Segurança Nacional, pode receber uma pena de prisão perpétua se for condenado.

Na terça-feira, a Justiça de Hong Kong decidiu que o seu julgamente seria feito sem júri, abrindo um precedente para os casos a seguir. A decisão é vista como mais uma forma de calar as vozes da oposição pró-democracia e antigoverno, em meio ao acirramento do pulso firme chinês sobre o território semiautônomo. Ele também teve a fiança negada.

A lei em questão foi anunciada em 2020 durante a sessão anual do Congresso Nacional do Povo — o órgão legislativo chinês que apenas chancela as decisões do regime — e rapidamente promulgada pelo presidente Xi Jinping, sem o aval do Legislativo local de Hong Kong. Trata-se de uma resposta à grande onda de protestos pró-democracia e antigoverno que tomou a cidade durante o segundo semestre de 2019 e que só perdeu força quando a pandemia de Covid-19 começou.

Para críticos e ativistas, a legislação representa uma violação da autonomia política, judicial e administrativa que a Lei Básica do território semiautônomo garante — modelo conhecido como “um país, dois sistemas”. Os termos fazem parte do acordo de devolução de Hong Kong à China pelos britânicos, em 1997, e deveriam valer por ao menos 50 anos.

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