Conecte-se conosco

Mundo

Bill Gates acusa Elon Musk de estar ‘envolvido na morte das crianças mais pobres do mundo’ com cortes de ajuda

Declaração é feita enquanto bilionário filantropo anuncia que doará US$ 200 bilhões até 2045.

bill-gates-acusa-elon-musk-de-

A Fundação Gates vai dobrar seus gastos e encerrar suas operações em 2045, afirmou o presidente Bill Gates em comunicado nesta quinta-feira. Segundo ele, a fundação planeja gastar mais de US$ 200 bilhões nos próximos 20 anos — uma mudança significativa no estatuto da organização, que antes previa seu encerramento 20 anos após a morte de Gates. A notícia ocorre enquanto o bilionário filantropo intensifica sua disputa com Elon Musk, acusando o homem mais rico do mundo de estar envolvido na “morte das crianças mais pobres do mundo” por meio do que classificou como cortes equivocados na ajuda externa americana.

“Decidi devolver meu dinheiro à sociedade muito mais rápido do que havia planejado originalmente”, escreveu Gates. “Doarei praticamente toda a minha fortuna por meio da Fundação Gates ao longo dos próximos 20 anos para a causa de salvar e melhorar vidas ao redor do mundo. E em 31 de dezembro de 2045, a fundação encerrará suas atividades permanentemente.”

Criada em 2000 — quando Melinda French Gates tinha apenas 35 anos e Bill Gates, aos 44, era o homem mais rico do mundo — a fundação rapidamente se tornou uma das iniciativas filantrópicas mais influentes da história, transformando completamente o cenário da saúde pública global, investindo mais de US$ 100 bilhões em causas carentes de recursos e ajudando a salvar dezenas de milhões de vidas.

A notícia do encerramento adiantado da instituição surge diante dos recentes ataques da administração de Donald Trump à ajuda externa e, de fato, à própria ideia de generosidade global. Um estudo publicado na revista The Lancet calculou que os cortes no financiamento americano ao PEPFAR, programa de combate ao HIV e à Aids no exterior, podem custar a vida de 500 mil crianças até 2030. Já a revista Nature sugeriu que a interrupção total da ajuda americana poderia resultar em 25 milhões de mortes adicionais ao longo de 15 anos.

Donald Trump é o rosto desses cortes, mas não é o único na história. Após um salto nos anos 2000, os investimentos globais em saúde cresceram muito lentamente durante a década de 2010. A cultura da filantropia também mudou um pouco, com a era do Giving Pledge — em que centenas dos mais ricos do mundo prometeram doar mais da metade de suas fortunas — dando lugar primeiro ao movimento nascente chamado Altruísmo Eficaz, e depois a uma nova era de riqueza extrema marcada menos pela generosidade e mais pela grandiosidade.

Na prática, o progresso também tem sido instável, especialmente no contexto pós-pandemia, quando muitos programas de vacinação rotineira foram interrompidos e os países mais pobres do mundo mergulharam, em massa, em uma grave crise de endividamento. A parcela da população mundial vivendo na pobreza extrema caiu quase três quartos entre 1990 e 2014, mas desde então pouco mudou.

Segundo Gates e sua equipe, este é o momento de apostar tudo — dadas as lacunas imensas deixadas pela pandemia e pelos cortes de Trump, pelas novas ferramentas biomédicas e outras inovações que estão em desenvolvimento, e pela inteligência artificial, tema ao qual Gates retorna várias vezes. Eles falam, com entusiasmo, sobre um mundo no qual a Fundação Gates tenha se tornado desnecessária. Esse mundo parece extremamente promissor. Mas — dadas as dificuldades — será que ele pode ser construído? Leia a entrevista abaixo:

Quão grave é [o fato de] a administração Trump [estar] virando as costas para a ajuda externa e deixando milhões de pessoas e instituições globais desamparadas?

Nos últimos 25 anos, conquistamos muito mais do que eu — ou qualquer um — esperava. O mundo inventou novas ferramentas, nós as tornamos acessíveis, distribuímos. Passamos de 10 milhões de mortes infantis para cinco milhões. Nos próximos 20 anos, é possível cortar isso pela metade novamente? A resposta é: com certeza.

Mas aí temos esse paradoxo: nos próximos quatro anos — ou oito — o dinheiro real destinado a essas causas está sendo reduzido, e bem mais do que eu imaginava. Em relação às mortes infantis, que nos próximos anos deveriam cair de cinco para quatro milhões… Agora, a menos que haja uma reviravolta, provavelmente subiremos para seis milhões.

Cortaram o financiamento à província de Gaza, em Moçambique. Aquilo era para remédios que impedem mães de transmitir HIV a seus bebês. Mas quem fez o corte é tão analfabeto geograficamente que acha que Gaza tem a ver com camisinha. Essas pessoas vão conhecer os bebês que contraíram HIV porque esse dinheiro foi cortado? Provavelmente não. Com esses cortes, milhões de mortes infantis adicionais deverão ocorrer.

Você se surpreendeu com essa crueldade?

Os cortes na Usaid (a agência de ajuda externa dos EUA) são chocantes. Eu achava que seria, sei lá, um corte de 20%. Em vez disso, agora está em cerca de 80%. E isso eu não esperava. O que está acontecendo com as redes de pesquisa em HIV, os centros de testes — isso também me pegou de surpresa. Vamos fazer o possível para reverter isso. Eu serei um defensor. Mas esses são ventos contrários reais.

Durante muito tempo, o mundo pôde olhar para a fundação como um modelo de como usar grandes fortunas. Depois veio o Altruísmo Eficaz, que foi ainda mais agressivo na busca de maximizar o impacto humanitário de cada dólar. Agora, o homem mais rico do mundo é Elon Musk. E ele não está doando quase nada — se é que está doando — para as necessidades dos mais pobres do mundo…

Bem, foi ele quem cortou o orçamento da Usaid. Tecnicamente, ele ainda está vinculado ao Giving Pledge (organização fundada por Gates que incentiva pessoas com grandes fortunas em todo o mundo a contribuir com uma parte significativa de sua riqueza para causas sociais), mas não vi evidência de que ele realmente tenha se comprometido com isso. Um aspecto incomum dele é que você pode esperar até morrer e ainda assim cumpri-lo. Então, quem sabe? Ele pode acabar se tornando um grande filantropo. Enquanto isso, o homem mais rico do mundo tem envolvimento nas mortes das crianças mais pobres do mundo.

Os EUA sempre foram uma grande parte da ajuda humanitária global, então os cortes de Trump são devastadores. Mas houve retrocessos quase em todo o mundo. Como você interpreta isso? Por que está acontecendo?

Sim, no Reino Unido, o orçamento de ajuda estava em 0,7% do PIB, depois caiu para 0,5% sob a liderança conservadora. Agora, surpreendentemente, caiu para 0,3%. A Alemanha está propondo cortar seu orçamento de ajuda. A França tem grandes problemas orçamentários. Então a ajuda está sendo pressionada.

Isso não está acontecendo porque as pessoas estão mirando nessas áreas e dizendo: “Não nos importamos”. Quase gostaria que fosse isso, porque aí poderíamos ter uma discussão direta sobre a morte de crianças. Veja o [primeiro-ministro britânico,] Keir Starmer. Um dia antes de ele embarcar para ver Trump, ele pensa: “Tenho que mostrar que estamos levando os gastos com defesa a sério.” Ele está em algumas reuniões dizendo: “Ok, como aumentamos os gastos de defesa de 2,1% para 2,3%?”. E alguém diz: “Podemos cortar o orçamento de ajuda de 0,5% para 0,3%.”. Ninguém diz: “E as crianças que não vão receber vacinas?”

E isso é um governo de centro-esquerda. E no Reino Unido, onde a sociedade civil é mais forte nessas questões do que em qualquer outro lugar do mundo. O Partido Trabalhista merece muito crédito por ter construído o auge desse movimento. Então esse caso foi particularmente surpreendente e um tanto decepcionante.


Clique para comentar

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

um × 5 =