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Economia

No Brasil, pobres pagam proporcionalmente três vezes mais impostos que super-ricos, diz estudo da Oxfam

Em relatório, ONG aponta que distorções da estrutura tributária atual penalizam sobretudo pessoas negras.

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Bairro da Gávea e Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. (Foto: Custodio Coimbra/Agência O Globo)

Enquanto o 0,15% mais rico da população concentra R$ 1,1 trilhão em renda, mais que a metade da parcela que ganha menos junta, o sistema tributário brasileiro faz com os mais pobres paguem, proporcionalmente, três vezes mais impostos do que os que estão no topo da pirâmide econômica.

O peso recai principalmente nas mulheres negras e reforça uma estrutura de desigualdade racial.

A conclusão faz parte de um estudo da Oxfam Brasil, organização britânica que atua no combate à desigualdade, que será apresentado nesta quinta-feira na Câmara dos Deputados, à Frente Parlamentar Mista pelo Combate às Desigualdades.

O documento, que revisa a regressividade do sistema tributário no país, sugere rever benefícios fiscais para os mais ricos e aponta para o peso do recorte racial nas distorções do regime atual.

Nos cálculos da organização, os 0,1% mais ricos no Brasil destinam 10% da renda a tributos. Já os 10% mais pobres comprometem 32% do que recebem. Uma das principais causas dessa diferença, para a Oxfam, está na estrutura do sistema brasileiro.

Enquanto países desenvolvidos tributam mais renda e patrimônio, o Brasil depende principalmente de impostos sobre consumo, que atingem com mais força quem gasta a maior parte do que recebe em bens essenciais.

— Em média, 70% da renda de uma pessoa mais pobre está envolvida no consumo de bens e serviços. Então, proporcionalmente, essa pessoa vai pagar mais impostos do que os mais ricos — afirma a diretora executiva da Oxfam Brasil, Viviana Santiago. — Essa é uma das questões mais importantes porque a carga tributária que incide sobre a população no Brasil não é a mesma, não está todo mundo no mesmo barco.

O relatório, chamado de “Arqueologia da Regressividade Tributária no Brasil” destaca que os tributos indiretos, sobre produtos e serviços, representam 14,8% do Produto Interno Bruto brasileiro, contra 9,7% na média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE.

Já a tributação brasileira sobre propriedade equivale a 1,5% do PIB do Brasil, enquanto a média dos países ricos é de 2,4%. A carga sobre salários e ganhos de capital também é menor no Brasil: de 3%, enquanto a média nos países da OCDE é de 9%.

Essa estrutura tributária, para a Oxfam, reforça estruturas de concentração de renda e a desigualdade racial. Ao concentrar R$ 1,1 trilhão em renda, a parcela 0,15% mais rica da população concentra 14,1% do total nacional. A radiografia desse grupo de super-ricos mostra que 81% são homens brancos, 19% mulheres e apenas 20% pessoas negras ou pardas. Em contraste, as mulheres negras lideram 65% dos lares mais pobres.

Reforma do IR

O estudo aponta que a carga tributária indireta, que incide sobre o consumo, é significativamente mais elevada em famílias chefiadas por pessoas negras. Especificamente, essas famílias pagam, em média, 10,8% de sua renda em tributos indiretos, enquanto as famílias chefiadas por pessoas brancas desembolsam cerca de 9,7%.

Ao trazer o recorte racial, a organização sugere que o sistema tributário brasileiro “perpetua a exclusão social da população negra”.

Viviana Santiago diz que a Oxfam quer alertar para um cenário da desigualdade tributária no Brasil que tem cor e gênero. Maioria entre os lares mais pobres, as mulheres negras são especialmente penalizadas pelo sistema atual.

— Quando falamos da população mais pobre no Brasil e sobre a qual incide uma carga tributária muito maior, estamos falando principalmente de um população negra e sobretudo de mulheres negras, que são chefes de família, O que traz (nesse relatório) é essa dimensão de que o sistema tributário atual não só mantém, como alimenta a reprodução de adesigualdades — afirma Santiago.

O estudo é divulgado em um momento em que o governo tenta avançar no Congresso com o projeto de lei (PL 1087/2025), de relatoria do deputado Arthur Lira (PP-AL), que isenta o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais e cria uma alíquota mínima de 10% para rendas acima de R$ 50 mil por mês. No paralelo, tenta afastar críticas de que vem aumento de impostos com uma estratégia de comunicação voltada a reforçar que o “andar de cima” precisa contribuir de forma mais igualitária.

O governo tem apontado que o projeto de reforma no IR irá beneficiar 10 milhões de pessoas com a isenção e atingir apenas 141 mil brasileiros que ganham mais do que R$ 600 mil por ano. O relatório da Oxfam Brasil aponta que oito em cada dez atingidos pela alíquota mínima seriam homens brancos, enquanto os beneficiados pela isenção de IR são 44% negros e 41% mulheres.

Para a organização, além de ampliar a progressividade do IR, seria preciso enfrentar outras distorções. A organização defende medidas como o fim da isenção sobre lucros e dividendos, a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas e a inclusão de marcadores raciais nas declarações do IR para embasar políticas públicas.


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