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Brasil

Terras indígenas protegem a saúde na Amazônia, mas só quando a floresta está preservada, aponta estudo

Pesquisa que analisou nove países ao longo de 20 anos mostra que territórios reconhecidos por lei reduzem doenças respiratórias e malária apenas em áreas com alta cobertura florestal.

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As terras indígenas na Amazônia funcionam como um verdadeiro “escudo” de proteção para a saúde pública da região, mas apenas quando a floresta ao redor permanece em pé e bem preservada. Essa é a principal conclusão de um estudo inédito que acompanhou por duas décadas a incidência de doenças em toda a chamada Pan-Amazônia, região que engloba nove países sul-americanos e a Guiana Francesa.

Publicado nesta quinta-feira (11/09) na revista científica “Communications Earth & Environment”, o estudo cruzou dados de saúde com informações sobre queimadas, cobertura e fragmentação florestal.

Ao longo de quase duas décadas, os pesquisadores analisaram mais de 28 milhões de registros de 21 doenças diferentes, entre 2000 e 2019, em todos os países que compõem o bioma amazônico: Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Guiana Francesa, Equador, Suriname e Guiana.

Com isso, eles chegaram à conclusa de que a cobertura florestal funciona como uma espécie de limite para os benefícios à saúde na região.

“Esse efeito varia conforme o contexto da paisagem, dependendo da quantidade de floresta e do grau de fragmentação”, explica ao g1 Júlia Rodrigues Barreto, pesquisadora da USP e principal autora do estudo.
“Florestas mais íntegras podem ajudar a filtrar fumaça das queimadas e também a limitar os contatos entre humanos, animais e vetores, trazendo benefícios à saúde. Além disso, encontramos que o fator do reconhecimento legal se mostrou crucial para que os territórios cumpram esse papel protetor, pois está associado a menor desmatamento e maior integridade florestal”, acrescenta.

Em áreas onde a floresta se mantém acima de 45%, a presença de territórios indígenas está associada a menos casos de doenças respiratórias causadas pela fumaça, como pneumonias, e também a uma menor incidência de enfermidades transmitidas por vetores, como a malária.

Já quando a cobertura cai abaixo desse patamar ou a paisagem se torna muito fragmentada, o efeito protetor enfraquece e pode até se reverter.

Segundo os pesquisadores, do total de casos analisados, quatro em cada cinco registros eram de doenças respiratórias e cardiovasculares relacionadas à inalação de fumaça das queimadas.

Já entre as doenças transmitidas por vetores, a malária foi responsável por mais de 90% dos casos.

Ainda segundo os dados do estudo, ao longo das duas décadas analisadas, mais de 530 mil quilômetros quadrados de floresta arderam pelo menos uma vez, uma extensão que equivale a mais da metade de todo o território brasileiro.

E esse ritmo de queimadas deixou marcas profundas na qualidade do ar, sobretudo nos anos de 2005, 2007 e 2010, quando a Amazônia enfrentou secas severas associadas a eventos extremos do clima.

Nesses períodos, a concentração de partículas finas conhecidas como PM2,5 disparou, atingindo níveis que a ciência relaciona diretamente a sérios riscos para a saúde.

“Doenças respiratórias e cardiovasculares afetam milhões de pessoas dessa população todos os anos na região, com riscos que se intensificam justamente nesta época do ano de seca e podem ser agravados por fenômenos como o El Niño. Muitas vezes, não se manifestam apenas de forma aguda e imediatamente, mas podem deixar sequelas duradouras e condições crônicas.

— Julia Rodrigues Barreto, PhD em Ecologia pela Universidade de São Paulo.

Os pesquisadores encontraram uma correlação clara entre os picos de poluição do ar e os aumentos nas internações hospitalares por problemas respiratórios em toda a região amazônica.

“Na prática, a poluição foi responsável por 9 milhões de mortes prematuras em 2015 no mundo, sendo hoje o maior risco ambiental para a saúde. As áreas de floresta — em especial os territórios indígenas — podem ter um papel decisivo na redução da poluição do ar, ajudando a remover partículas finas (PM2,5) da atmosfera. Por isso, proteger mais áreas sob gestão dos povos indígenas pode reduzir de forma significativa os poluentes e trazer ganhos diretos para a saúde humana”, disseram os pesquisadores no estudo.

Em municípios com mais de 45% de cobertura florestal, os pesquisadores descobriram ainda que as terras indígenas conseguem reduzir significativamente o impacto das partículas poluentes sobre a saúde da população, principalmente em relação a problemas respiratórios.

Para as doenças transmitidas por mosquitos e outros vetores, como a malária, a proteção aparece quando a floresta (dentro e fora das terras indígenas) supera cerca de 40% da área municipal.

Isso acontece porque as bordas da mata e as clareiras aumentam o encontro entre pessoas, mosquitos e animais que podem carregar doenças.

“Em municípios com pouca área indígena, essas terras costumam estar inseridas em paisagens já muito degradadas e fragmentadas, onde os incêndios são mais frequentes e intensos. Nesses cenários, a floresta remanescente não consegue reduzir a poluição por partículas finas (PM2,5), o que acaba aumentando os riscos de doenças relacionadas à fumaça”, acrescentam os pesquisadores.

O estudo mostra ainda que o status legal das terras indígenas faz diferença: territórios oficialmente reconhecidos apresentaram o efeito protetor mais claro, com menos casos de doenças respiratórias ligadas à fumaça e, em áreas de floresta preservada, também menor ocorrência de zoonoses.

Já as terras indígenas ainda não reconhecidas tendem a estar localizadas em paisagens mais pressionadas pelo fogo e desmatamento. Nessas áreas, a incidência de doenças sobe, especialmente aquelas relacionadas à fumaça.

Os próprios autores reconhecem, no entanto, que o estudo tem limitações importantes, como diferenças na qualidade dos dados de saúde entre os países analisados, subnotificação de casos mais leves e incertezas nas estimativas de satélites de poluição do ar em regiões tropicais.

Mesmo assim, o padrão geral se mantém consistente: onde a floresta é contínua e a terra indígena é reconhecida legalmente, o risco de doenças diminui.

Onde a floresta está fragmentada e o reconhecimento falha, o risco aumenta.


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