Brasil
Sete a cada dez alunos do ensino médio já usam IA, mas só um terço teve orientações na escola sobre o tema, diz estudo
Uso destas ferramentas também aparece, ainda que em menor escala, entre alunos dos anos iniciais (15%) e finais (39%) do ensino fundamental.

Sete em cada dez estudantes brasileiros do ensino médio que utilizam a internet já recorreram a ferramentas de Inteligência Artificial (IA) generativa — como ChatGPT, Copilot e Gemini — para a realização de pesquisas escolares. Os dados revelados nesta terça-feira pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) mostram, no entanto, que apenas 32% dizem ter recebido orientação nas instituições de ensino sobre como utilizar essas tecnologias. O uso das ferramentas também aparece, ainda que em menor escala, entre alunos dos anos iniciais (15%) e finais (39%) do ensino fundamental.
Ao considerar as três faixas escolares, a média nacional de jovens que utilizam IA generativa nos estudos atinge 37%. Entre eles, apenas 19% afirmam ter sido instruídos por professores sobre como aplicar a tecnologia em atividades de aprendizagem. Os dados fazem parte da décima quinta edição da TIC Educação, pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
Para Daniela Costa, coordenadora da pesquisa, é importante que os alunos saibam como utilizar os recursos digitais, para que essas ferramentas não sejam apenas meios de oferecimento de respostas prontas.
— É essencial que os alunos compreendam como ocorre o fluxo de produção de informação mediado por tecnologias digitais na sociedade, qual o papel dos serviços digitais neste processo e como os dados que eles fornecem nos ambientes digitais alimentam os diferentes sistemas — pontua Costa.
O estudo foi realizado entre agosto de 2024 e março de 2025, em 1.023 escolas públicas e particulares. Ao todo, foram realizadas 10.756 entrevistas. Foram ouvidos 864 coordenadores pedagógicos, 1.462 professores e 7.476 alunos.
A pesquisa mostra também que, fora da sala de aula, os jovens utilizam tecnologias, como plataformas educacionais e sites, para auxiliar na realização de tarefas solicitadas por professores ou para aprender um tópico do próprio interesse. As atividades citadas com mais frequência foram a busca de informações sobre uma matéria ou exercício que não entendeu bem (86%), pesquisar para concluir trabalhos escolares (84%) e para praticar algo que está aprendendo (78%). Neste campo, 74% dos alunos recorrem a sites de busca e 72% mencionaram canais e aplicativos de vídeo como fontes de informação.
— Os dados mostram uma mudança no comportamento de busca por informação para realizar trabalhos escolares, com as plataformas de vídeo se tornando fontes de pesquisa tão relevantes para os alunos quanto os buscadores tradicionais — avalia Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br.
Já Renata Mielli, coordenadora do CGI.br, destaca que os indicadores sobre o uso de IA generativa pelos estudantes exigem atenção. Para a pesquisadora, além das informações erradas que as ferramentas podem oferecer, as respostas podem conter vieses que, sem mediação adequada, podem interferir no processo de formação de toda uma geração.
— Principalmente, se considerarmos, também, os limites que professores e o ambiente escolar como um todo ainda têm diante de uma tecnologia nova, e a ausência de orientações mais explicitas de como usar essas ferramentas, que ainda não contam com uma regulação — pontua Mielli.
IA no magistério
O levantamento aponta que 54% dos professores realizaram, nos doze meses anteriores à pesquisa, atividades de desenvolvimento profissional voltadas ao uso de tecnologia nos processos de ensino e de aprendizagem. Os pesquisadores ressaltam uma redução no grupo que leciona na rede municipal, passando de 62% em 2021 para 43% em 2024.
Dentre os professores que participaram destas iniciativas, 82% fizeram cursos relacionados a plataformas, programas de computador ou aplicativos usados na criação de materiais didáticos, enquanto 79% buscaram informações sobre como usar tecnologias digitais para adaptar as atividades aos ritmos de aprendizagem dos alunos.
A participação em projetos de formação sobre como orientar os estudantes a respeito do uso seguro de tecnologias digitais, por sua vez, mobilizou 69% dos professores. Iniciativas sobre educação midiática e uso crítico das mídias em sala de aula e a utilização de IA em atividades educacionais foram citados por 68% e 59%, respectivamente.
Como mostrou reportagem do jornal O Globo, o Conselho Nacional de Educação (CNE) caminha para um consenso para incluir no currículo de Pedagogia e das Licenciaturas a obrigatoriedade do ensino de IA. A ideia discutida visa formar professores para que já cheguem às salas de aula preparados para oportunidades e desafios que essa tecnologia traz para o ambiente escolar.
Relator do parecer para a educação superior, Celso Niskier afirma que a discussão no CNE se justifica “exatamente por conta dessa realidade demonstrada pela pesquisa”.
— É preciso incluir a obrigatoriedade da IA na formação inicial (licenciaturas) e na formação continuada de professores, sob risco de ficarmos para trás nessa revolução digital. Sempre de forma ética e crítica, valorizando e nunca substituindo o papel fundamental do professor no processo de ensino e aprendizagem — ressalta Niskier.
A regulamentação da IA na educação está em debate no CNE desde maio. Uma primeira versão do parecer já foi escrita pelos relatores Israel Batista, responsável pela educação básica, e Niskier. O texto, porém, ainda pode passar por alterações. A previsão é que seja votado na reunião de outubro. Ao mesmo tempo, o Ministério da Educação (MEC) e o Congresso Nacional preparam regulamentações para o tema.
Para Batista, a retração na formação de professores da rede municipal “parece refletir o fim do impulso emergencial vivido durante a pandemia”. O relator destaca, por outro lado, que os dados revelam avanços significativos:
— A ampla adesão dos docentes a temas como educação midiática e inteligência artificial confirma que a escola começa a reagir a um dos maiores desafios da democracia contemporânea: a desinformação em escala industrial, potencializada por novas tecnologias.
Acesso nas escolas
Segundo a TIC Educação, 96% das escolas brasileiras têm acesso à internet. Dentro deste grupo, 88% têm conexão na sala de aula, uma alta de 20 pontos percentuais na comparação com 2020. O estudo destaca o crescimento observado entre 2020 e 2024 nas instituições municipais (de 71% para 94%) e nas localizadas em áreas rurais (de 52% para 89%).
Entretanto, as desigualdades no acesso a recursos digitais persistem. Se 67% dos alunos das escolas estaduais utilizam a internet na realização de atividades solicitadas por professores, a proporção na rede municipal é de apenas 27%. Além disso, a disponibilidade de máquinas é um desafio, sobretudo, para instituições municipais de menor porte ou localizadas em áreas rurais.
Três quartos (75%) das instituições de educação básica municipais dispõem de, ao menos, um espaço com conexão à Internet para uso dos alunos, mas apenas 51% possuem computadores para atividades educacionais e 47% contam com acesso à Internet e dispositivos para os estudantes.
Educação digital
Questionados sobre a oferta de educação digital e midiática aos alunos, 89% dos coordenadores pedagógicos afirmam que a instituição onde atuam ofereceu atividades sobre temas relacionados a cyberbullying, exposição na internet, integridade de informação, privacidade e disseminação de recursos baseados em IA e algoritmos. Há um gargalo, no entanto, na inserção destes temas de forma contínua e sistemática nas grades curriculares.
O estudo mostra que 30% dos coordenadores apontam que as temáticas são abordadas com os alunos apenas quando há necessidade ou quando só alunos possuem alguma dúvida. Já em 49% das instituições, atividades com essa abordagem são realizadas uma ou duas vezes por ano.
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