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Brasil

Seca na Amazônia, chuva recorde em SP, ciclones no Sul: pesquisa explica eventos extremos em 2023

Desastres como os de 2023 serão tendência crescente ao longo do século 21, aponta o estudo.

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A maior chuva já registrada na história do Brasil; uma seca intensa que reduziu os rios amazônicos aos menores índices de que se tem notícia; uma sequência de temporais que levou o estado do Rio Grande do Sul a bater o recorde de vítimas fatais por enchentes e desabamentos — recorde que seria superado apenas um ano depois, na tragédia de 2024.

Tudo isso ocorreu em 2023, ano que despertou os brasileiros para a dura realidade de que as mudanças climáticas já chegaram, e que pagaremos com vidas humanas pelo nosso despreparo para enfrentá-las. Este ano, um estudo conduzido com a participação de pesquisadores da Unesp elucidou quais foram os fenômenos atmosféricos que contribuíram para ocasionar resultados tão avassaladores.

O estudo, segundo o jornal da Universidade Estadual Paulista, envolveu 19 cientistas, todos brasileiros, e apresentou seus resultados em um artigo publicado nos Anais da Academia de Ciências de Nova York. O texto teve como primeira autora Luana Pampuch, professora do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Unesp em São José dos Campos.

Segundo o estudo, a ocorrência das secas de primavera na Amazônia — como aquela que, em 2023, derrubou o nível do rio Amazonas de seus habituais 15,80 metros para apenas 12,70 metros na altura de Manaus — está diretamente ligada ao fenômeno El Niño. Trata-se de um fenômeno climático cíclico, registrado na literatura pela primeira vez em 1578, que causa disrupções bem conhecidas e estudadas em todo o planeta.

O Estudo diz que aua ocorrência está ligada à dinâmica do Oceano Pacífico. Normalmente, as águas rasas aquecidas pelo sol na costa da América do Sul são sopradas pelos ventos alísios para o Oeste, em direção ao continente asiático. Conforme essa água quente se desloca, ela é substituída por água mais fria, que ascende de partes mais profundas do oceano

De forma geral, denomina-se La Niña à época em que os ventos alísios estão mais intensos que o normal e criam um gradiente quente-frio acentuado entre o leste e o oeste do Pacífico. O El Niño, por sua vez, ocorre quando os ventos alísios enfraquecem e um bocado de água quente permanece no litoral peruano. Esse pêndulo entre “Menino” e “Menina” é conhecido pela sigla ENOS: El Niño–Oscilação do Sul.

Em anos de La Niña ou anos neutros, a porção do Pacífico próxima ao litoral das Américas torna-se uma zona de pressão alta, com clima mais estável, águas mais frias e pouca chuva. As tempestades ocorrem preferencialmente a leste e oeste desse centro, ou seja, no litoral asiático e na atmosfera acima da Amazônia.

Já nos anos de El Niño, não há vento para empurrar as águas quentes do Pacífico rumo à Ásia, de modo que o oceano permanece aquecido nas redondezas do litoral das Américas e gera ali uma zona de baixa pressão, propensa a chuvas.

O estudo diz que o problema é que, quando essa área chuvosa de baixa pressão se desloca, ela sai de cima da Amazônia, que passa a ter uma atmosfera de pressão mais alta e umidade menor. Daí decorre o longo período de estiagem.

Tragédia paulista

A chuva que caiu sobre o litoral norte do estado de São Paulo na madrugada dos dias 18 e 19 de fevereiro de 2023 foi a maior da história do país em um intervalo de 24 horas; fez 65 vítimas fatais e 338 desabrigados. O município de Bertioga registrou o recorde nacional, com 682,8 mm de precipitação.

Naquela ocasião, uma massa de ar frio oriunda do Oceano Atlântico encontrou o ar quente sobre o litoral paulista. Massas com temperaturas e umidades diferentes se comportam um pouco como água e óleo, sem se misturar. Quando uma frente fria avança, ela ocupa a parte mais baixa da atmosfera por ser mais densa e empurra para cima o bolsão de ar mais quente.

Conforme o ar quente sobe, ele esfria. E, conforme esfria, perde capacidade de reter umidade — o que faz com que o vapor d’água condense e caia na forma de chuva. A Serra do Mar, que é um degrau íngreme no relevo, ajuda nesse processo, já que o vento não tem como fugir do paredão e só pode mesmo subir. Chuvas causadas por características do relevo são denominadas chuvas orográficas.

Ciclones no sul

Ao longo do inverno e da primavera de 2023, o Rio Grande do Sul e seus arredores foram afetados por quatro ciclones extratropicais notáveis, que atingiram seus picos nos dias 16 de junho, 12 de julho, 4 de setembro e 4 de outubro. Segundo os autores do artigo, todos ocorreram na época esperada: em linhas gerais, esses fenômenos se sucedem com mais frequência na primavera e no outono, são mais intensos (ainda que não necessariamente mais frequentes) no inverno e diminuem no verão.

O ciclone de junho derramou mais de 80% da precipitação esperada para o mês em uma área bastante restrita ao Nordeste do território gaúcho, próxima à Região Metropolitana de Porto Alegre. O resultado foi a morte de 16 pessoas e cerca de 10 mil desabrigados. O segundo, em julho, foi mais ameno: atingiu “só” 60% da média de chuvas para o período, desabrigou mil pessoas e causou uma morte.

Desastres serão tendência

Quando pesquisadores discutem se vamos ultrapassar 1,5 °C ou 2 °C de temperatura acima dos níveis pré-industriais, o ponto de referência é o meio século entre 1850 e 1900 — quando já havia fábricas e outros emissores, mas não em quantidade suficiente para gerar um impacto perceptível no clima. A humanidade emitiu “só” 12 gigatoneladas (GtC) de carbono da Revolução Industrial até o ano de 1900, contra 380 GtC entre 1901 e 2013, de modo que o grosso do aquecimento aconteceu já durante o século 20.

Nesse cenário, todos os fenômenos descritos na reportagem se tornarão mais frequentes, mais intensos ou ambas as coisas em um futuro próximo. Chuvas fortes se tornarão 1,7 vezes mais frequentes e 14% mais intensas, enquanto estiagens passarão a ser 2,4 vezes mais comuns. E os ciclones, conforme já mencionado alguns parágrafos atrás, podem até se tornar menos comuns, mas serão mais intensos.


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