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Pesquisa em Manaus, Rio, São Paulo e Salvador aponta os desafios de Lula junto às mulheres evangélicas

As entrevistas que fazem parte da segunda rodada do levantamento ocorreram em dezembro de 2023, captando o sentimento desse grupo em relação ao primeiro ano do governo Lula 3.

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Uma nova pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (Iser) com grupos de mulheres evangélicas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Manaus, segmento considerado estratégico para melhorar a aprovação do governo e um dos alvos da campanha “Fé no Brasil”, revelou que apesar dos dados econômicos positivos, o sentimento é de que a vida delas não melhorou e a sensação de insegurança é permanente. Elas estão mais expostas a “fake news” contra o governo, e estão convencidas de que aumentou a ofensiva contra os evangélicos. As informações são do jornal Valor Econômico.

Parcela do eleitorado decisiva para a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro de 2022, as mulheres evangélicas estão deixando de apoiar o petista, conforme demonstraram pesquisas recentes divulgadas há cerca de um mês. O levantamento da Quaest, por exemplo, mostrou que o índice de reprovação do trabalho de Lula junto aos evangélicos é de 62% – 6 pontos percentuais maior do que a sondagem anterior, divulgada em dezembro.

“Foi o voto dessas mulheres [evangélicas] que mudou a direção das eleições em 2022”, afirmou ao Valor a antropóloga Lívia Reis, coordenadora de Religião e Política do Iser. Precursor nos estudos da relação entre religião, política e direitos humanos na sociedade brasileira, o instituto realiza pesquisas sobre o tema há 54 anos e se consolidou como referência nesse debate.

Em 2022, o Iser promoveu a primeira rodada de uma pesquisa qualitativa com mulheres evangélicas, a fim de compreender como essa parcela da sociedade se organiza comunitariamente e institucionalmente.

As entrevistas que fazem parte da segunda rodada do levantamento ocorreram em dezembro de 2023, captando o sentimento desse grupo em relação ao primeiro ano do governo Lula 3.

O trabalho ainda está em fase de sistematização para divulgação do relatório final em maio. Mas o Valor teve acesso às conclusões preliminares da pesquisa, que entrevistou 45 mulheres evangélicas, de 16 a 65 anos, das classes C e D, majoritariamente negras, de todas as regiões do Brasil.

A igreja é o lugar onde o filho ou o neta delas está a salvo de tomar tiro” — Lívia Reis
Ao contrário do modelo quantitativo, que submete questionários prontos a milhares de entrevistados, a pesquisa qualitativa pressupõe longas conversas com as mulheres selecionadas para o trabalho. São moradoras de grandes cidades, principalmente de capitais, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Manaus.

A primeira percepção é de que essas mulheres, que estão na base da pirâmide social, ainda não conseguiram identificar benefícios deste governo, como a melhora dos dados macroeconômicos.

“Os juros estão caindo, a inflação está caindo, houve melhora no emprego, mas o preço da comida e dos remédios não diminuiu, elas [mulheres evangélicas] não percebem nenhuma mudança na vida prática delas”, explicou Lívia Reis, que conduziu as entrevistas com as participantes do estudo.

Com efeito, embora a inflação esteja dentro da meta, o grupo de alimentação e bebidas tem contribuído significativamente para a alta dos preços medidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Foi o item que mais pressionou o índice em janeiro, e ficou atrás somente do reajuste das mensalidades escolares na medição de fevereiro.

Nesse ponto, Lívia chama a atenção para uma peculiaridade do segmento evangélico em geral: a maior exposição à circulação de “fake news”. “Isso ficou evidente nas entrevistas: as pessoas se informam, principalmente, pelos grupos de Whatsapp, sobretudo nessa faixa de renda [classes C e D]”, observou a antropóloga.

Quando as entrevistadas respondiam que nada mudou em suas vidas no aspecto econômico, a pesquisadora fez ponderações de que, segundo o noticiário, houve melhoras no campo macroeconômico, como queda da inflação e do desemprego. Mas elas rebatiam que nada disso havia chegado até elas.

A pesquisadora atribui o desconhecimento de fatos relevantes da vida nacional, como dados econômicos essenciais, à perda do hábito de buscar informação pelos canais tradicionais, como assistir aos telejornais. “Elas se informam por redes religiosas de grupos no Whatsapp, que formam uma rede de confiança, onde compartilham a vida cotidiana e informação”, resumiu.

Por isso, a antropóloga afirma que um dos principais adversários do governo na interlocução com os evangélicos é a “máquina de desinformação” em operação no Brasil, que por sua vez, integra uma rede assimétrica ainda maior, de alcance internacional.

Entre a primeira e a segunda rodada dessa pesquisa, ou seja, de 2022 a 2023, Lívia constatou que a “narrativa de perseguição aos evangélicos vem se sedimentando e ganhando mais corpo”. Segundo ela, um contrassenso porque estatisticamente, as vítimas reais de intolerância religiosa são as religiões de matriz africana.

Pelas redes de informação religiosas, estabelecidas nos aplicativos de conversas, as entrevistadas recebem notícias falsas como as de que portarias do governo teriam autorizado banheiros unissex nas escolas públicas, ou que Lula seria a favor do aborto ou de permitir a mudança de sexo em crianças.

Em contrapartida, Lívia pondera que por se tratar de um governo de esquerda, espera-se a ampliação de direitos de minorias, como o casamento civil de pessoas do mesmo sexo ou a reação mais efetiva à tentativa de dificultar o aborto legal em adolescentes vítimas de estupro. “Isso vai ser interpretado como perseguição aos cristãos, como agressão aos valores do cristianismo”, argumentou.

Outra questão perceptível na reta final da pesquisa é a preocupação das mulheres evangélicas – que são, essencialmente, mães, avós e chefes de famílias – com a segurança pública e o temor da escalada da violência urbana. “A sensação de insegurança é real”, diz a pesquisadora.

Ela explica que esse receio relaciona-se diretamente com a igreja como lugar de acolhimento seguro. “É onde o filho ou neto delas vai estar a salvo de tomar um tiro de bala perdida ou de ser cooptado pelos traficantes”, afirmou.

Enquanto o governo não consegue proporcionar vagas suficientes em creches ou escolas de tempo integral, os templos evangélicos estão presentes em quase todos os bairros, principalmente nas periferias, oferecendo abrigo e atividades extras, como leituras da Bíblia ou, até mesmo, prática de esportes.

Ela lembrou que a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), por exemplo, montou escolinhas de futebol em algumas sedes. Ligado à Iurd, o partido Republicanos já comandou o Ministério do Esporte na gestão Dilma Rousseff, onde conduziu o programa Segundo Tempo.

Lívia Reis acrescenta que uma das percepções diante do conjunto de entrevistas é o sentimento de desesperança, a falta de ilusão de que o futuro será melhor. Uma sensação que só passa perto dessas mulheres quando estão na igreja.

“É sobre expectativa de futuro, é isso que precisa ser disputado pelo governo”, analisou. “Para isso, o governo precisa buscar meios de se comunicar melhor”, completou.

Ela concorda com Lula, entretanto, que à medida em que as entregas que mais dialogam com essas mulheres, como vagas em escolas de tempo integral, ou a redução do preço dos alimentos, chegarem até elas, a aprovação do governo pode melhorar. Mas ressalta que sem ajuste na comunicação com o segmento, e um combate efetivo às “fake news” que proliferam entre elas, dificilmente essa resistência ao governo vai refluir.

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