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MPs pagam R$ 2,3 bi de extrateto em um ano e 98% dos promotores ganham acima do permitido, diz Transparência Brasil

Em dez das 25 unidades do MP analisadas, todos os membros receberam valores anualizados acima do teto (Alagoas, Mato Grosso, Goiás, Amazonas, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia e Acre).

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Estudo produzido pela Transparência Brasil, ao qual o Estadão teve acesso, mostra que, em 2024, 98% dos promotores e procuradores de 25 unidades do MP da União e dos Estado receberam remuneração anual acima do teto legal.

A cifra paga equivale a R$ 2,3 bilhões em recursos públicos destinados a pagamento de salários. Procurados, os Ministérios Públicos sustentam que pagamentos segue a legislação. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não se manifestou.

A prática não é exclusiva do MP. Em setembro, outro estudo da mesma organização não-governamental apontou que pelo menos R$ 4,5 bilhões foram pagos a juízes e desembargadores acima do teto constitucional no último ano.

O novo levantamento faz parte do projeto DadosJusBr, que extrai, organiza e disponibiliza contracheques do sistema justiça. O estudo encontrou, por exemplo, um contingente de 220 integrantes do MP que recebeu entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão acima do valor anualizado do teto constitucional.

Segundo a Constituição, o maior vencimento no funcionalismo não pode passar do que é pago de salário a um ministro do Supremo Tribunal Federal. Hoje, este valor está em R$ 46,3 mil.

No ano passado, o teto era de R$ 41,6 mil em janeiro e R$ 44 mil a partir de fevereiro. Assim, a Transparência mapeou todos os casos em que procuradores e promotores receberam, no ano passado, acima de R$ 525,7 mil, valor anualizado dos vencimentos até o limite previsto na Constituição.

“Os dados revelados pela Transparência Brasil mostram a urgência de medidas dentro da reforma administrativa que impeçam, de uma vez por todas, que essa elite dos membros da Justiça possa ganhar mais do que a Constituição define. Isso é importante para fortalecer a própria Justiça”, afirmou Juliana Sakai, diretor-executiva da entidade.

O rol de propostas em debate na reforma administrativa prevê restringir os supersalários no funcionalismo público ao definir que os penduricalhos deverão ter natureza reparatória e destinar-se exclusivamente ao pagamento de despesas realmente episódicas, eventuais e transitórias.

Segundo a ONG, outros R$ 1,4 bilhão foram pagos aos membros do MP, mas não entraram no cálculo da Transparência Brasil porque não há definição clara de qual tipo de benefício foi considerado nesses pagamentos. Esses valores opacos representam 31% do montante extrateto nos salários dos procuradores e promotores.

Dentre os promotores e procuradores que receberam valores acima do permitido por lei no últimos anos, 77% deles superaram o teto em mais de R$ 100 mil. Além disso, os dados evidenciam o problema sistêmico de violação do limite remuneratório.

Em dez das 25 unidades do MP analisadas, todos os membros receberam valores anualizados acima do teto (Alagoas, Mato Grosso, Goiás, Amazonas, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia e Acre).

A coordenadora de dados da ong República.Org, Paula Frias dos Santos, salienta que essa realidade de salários acima do teto se estende ao longo dos anos tanto no MP quanto no Judiciário. Ela avalia que a falta de clareza nas regulamentações sobre o que constitui verba indenizatória permite aplicações “excessivamente discricionárias” a partir de intepretações “variadas e questionáveis”.

“Temos hoje um cenário favorável para proliferação de penduricalhos que inflam os salários recebidos, sobretudo no poder judiciário e no Ministério Público” afirmou.

“É profundamente contraditório que, em um País marcado por profundas desigualdades sociais, determinadas carreiras no funcionalismo acumulem benefícios que ultrapassam, de forma disfarçada, os limites legais de remuneração. Esse cenário reforça desigualdades, compromete a credibilidade das instituições e corrói a legitimidade do próprio serviço público perante a sociedade”, completou.

O levantamento analisou as folhas salariais de 11,7 mil membros do MP em unidades que divulgaram dados nominais e completos de cada um dos promotores e procuradores no ano de 2024. Na sua análise, a Transparência Brasil desconsiderou a gratificação natalina (espécie de 13º salário), o terço constitucional de férias e os pagamentos retroativos.

Os dois primeiros foram excluídos da análise por serem direitos constitucionais também pagos aos trabalhadores em regime de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Já os valores retroativos não foram considerados porque os dados são disponibilizados em separados e demandam outro tipo de análise. Esses três benefícios representaram R$ 739 milhões a mais nos salários dos membros do MP noano passado.

Também foi excluído da conta o desconto chamado abateteto que seria justamente para adequar o vencimento bruto ao limite constitucional, mas que na prática acaba não atingindo outros benefícios que elevam o contracheque dos integrantes do MP.

Se os valores retroativos pagos fossem considerados no cálculo do estudo os recursos gastos com a folha de pagamento acima do limite constitucional seria ainda maior. No MP do Rio de Janeiro, por exemplo, o levantamento da Transparência aponta que só de atrasados foram pagos o equivalente a meio bilhão de reais no ano passado.
Caso os penduricalhos retroativos tivessem sido considerados no estudo, o salário médio bruto do MP-RJ saltaria de R$ 76,2 mil para R$ 122,6 mil, e metade de seus membros ultrapassam a faixa de R$ 1 milhão acima do teto em 2024.

Os vencimentos “fura teto” foram puxados, principalmente, pelo benefício conhecido como licença compensatória ou gratificação por acúmulo de acervo. Foram R$ 687 milhões pagos somente nesta modalidade. Esse é o mesmo penduricalho que está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF) após um promotor aposentado do MP de São Paulo pedir a suspensão do próprio benefício e apontar ilegalidade nas normas do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que autorizaram a concessão desse dispositivo.

“O cenário de proliferação de benefícios e verbas desarrazoadas apresentado neste relatório se torna especialmente grave ao considerarmos o papel originário do Ministério Público como a instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático, da proteção do patrimônio público e do combate à corrupção”, concluiu a Transparência Brasil.


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