Conecte-se conosco

Brasil

MPF constata muito dinheiro, corrupção e violência na devastação da Amazônia

Os relatos constam de um ano de investigações da Força-Tarefa Amazônia, criada em agosto de 2018 e que conta hoje com 15 procuradores da República dos estados de Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Rondônia.

No negócio milionário das queimadas na Amazônia, atear fogo em uma área de mil hectares custa cerca de R$ 1 milhão no mercado negro. O cálculo, que aplicado à conta da devastação neste ano na floresta amazônica e em parte do Pantanal alcançaria cerca de R$ 20 milhões, faz parte de uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) que apura a participação de grupos criminosos nas queimadas, as mais intensas na região em ao menos cinco anos. As informações fazem parte de duas notícias publicadas nesta terça-feira, no UOL e no El País.

“Há suspeita de ação orquestrada e de uma atuação que foi longamente cultivada para chegar a esse resultado”, afirmou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que reuniu em Brasília a força-tarefa de procuradores específica para apurar crimes ocorridos na Amazônia Legal. “O Ministério Público brasileiro está olhando para frente”, disse. Enquanto que o procurador Joel Bogo afirmou que o objetivo principal é encontrar os autores dos crimes. “Nosso papel construtivo é de estimular os órgãos do Governo, não só do federal, mas também dos governos estaduais”, disse Bogo, um dos membros da força-tarefa Amazônia, criada pela Procuradoria-Geral da República há um ano.

“O desmatamento ilegal de grandes proporções é praticado, sim, por agentes do crime organizado, inclusive pela capitalização”, explicou o procurador. “As queimadas são reflexo do aumento do desmatamento. A queimada aumenta porque a fronteira agrícola está sendo expandida”, completou o procurador, que está lotado em Rio Branco, no Acre.

O crime organizado que atua desmatando a Amazônia age de maneira violenta, corrupta e na maioria das vezes com apoio de policiais, políticos ou agentes do estado cooptados por meio de propina. Com muito dinheiro e longe dos centros urbanos, os criminosos vão além da destruição ambiental: passam por grilagem de terras, lavagem de dinheiro, coerção a moradores tradicionais e até mesmo trabalho escravo.

Os relatos constam de um ano de investigações da Força-Tarefa Amazônia, criada em agosto de 2018 e que conta hoje com 15 procuradores da República dos estados de Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Rondônia. O grupo atua para conter os crimes de desmatamento, violência agrária, mineração ilícita e tráfico de animais silvestres. Nesses 12 primeiros meses, foram seis operações que resultaram em ações penais ajuizadas. Nesse período foram identificados 3.180 hectares desmatados, ou o equivalente a a 4.453 campos de futebol.

As apurações revelaram como o desmatamento da Amazônia ocorre por grupos organizados, c altos investimentos e uma série de apoios locais. “O desmatamento é apenas um dos crimes cometidos por esses grupos”, conta o procurador Joel Bogo.

Os desmatamentos, em geral, ocorrem em áreas públicas, longe de locais urbanos e de difícil acesso. “Nossa linha de investigação é de crime organizado ambiental. São pessoas que têm muito dinheiro e muitas fazendas. Envolve corrupção de agentes públicos – que são minoria, a maior de pessoas honestas, comprometidas – , milícias para fazer a grilagem de terra e lavagem de dinheiro, já que o produto do crime é ocultado por meio de ‘laranjas'”, explica ele.

Na Amazônia, diz Bogo, existem três perfis de desmatadores. Há quem desmate para produtores que desmatam no máximo três hectares para fazer a roça”, diz. Existe o desmatador intermediário, que tem por trás produtores com propriedades um pouco maiores e às vezes contratam até dois peões para ajudar na derrubada. E existe o grande desmatador. “Esses são o grande problema, causado pela criação de gado, os pecuaristas”, afirmou.

As investigações mostram que, na Amazônia, áreas extensas de desmatamento são encontrada com frequência – na visão das autoridades elas não poderiam ter ser feitas por pequenos ou médios produtores.

“Existe um custo alto para desmatar, não é algo simples. Precisa-se de equipes para operar as motosserras, insumos, sementes… O custo disso pode chegar a R$ 2.000 por hectare. Existem áreas de 200, 300 e até 1.000 hectares desmatadas, como se viu recentemente no sul do Amazonas. Isso pode chegar ao custo mais de R$ 1 milhão, não tem como um pequeno ocupa fazer”, afirma.

Segundo a força-tarefa, não se trata de um grupo apenas. Vários se estruturam e se dividem pela Amazônia. “Em geral, são grupos com lideranças locais”, diz, citando que há também atuação pessoas de fora.

O procurador afirma que as cifras gastas para desmatar são altas. “Há um investimento, R$ 1 milhão, R$ 2 milhões para conseguir uma regularização, e usa uma estrutura como o Cadastro Ambiental Rural para regularização fundiária.”

Fazendeiros colocam as propriedades em nomes de ‘laranjas’, fazem processo de regularização fraudulenta, com alguma conivência de órgãos públicos. Ou seja, é um estrutura muito sofisticada, desde a contratação de um profissional de georreferenciamento, até compra de 10, 20, 30 motosserras de uma vez. Só uma ação organizada poderia levar a cabo a prática desses crimes.

Um dos pontos percebidos pelos procuradores é que os grupos, apesar de agirem de forma isolada, têm um modus operandi semelhante. Bogo afirma que, no caso da investigação da operação Ojuara, de Boca do Acre, havia uma comunicação entre os grupos. “Eles agiam separadamente, mas tinham alguns ramos de contato. Mas o modus operandi é o mesmo. Esse grandes chefes não vão para a mata, ficam nas capitais, e têm pessoas que operam para eles”.

Para conseguir terras, os grupos também usam violência contra moradores mais pobres. “Em Boca do Acre, eles constituíram uma milícia e usavam violência. Muitas dessas regiões, como remanescentes de antigos seringais, pessoas acabaram ocupando essas áreas. Mas elas começa a ser comercializadas e vendidas ou foram devolutas da União e acabaram griladas. E essas. E era um pessoal da Polícia Militar que fazia esse serviço, recebia vantagens econômicas desses grupos criminosos e faziam ameaça, expulsão.”

Um outro exemplo da atuação violenta veio dos grileiros que se apoderaram da reserva extrativista Arapixi, ao longo do rio Purus, no Amazonas. “Havia moradores que foram impedidos de entrar. Lá há castanhais, eles faziam essa coleta da castanha, mas foram impedida  de atuar por grileiros”, conta.

Clique para comentar

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

doze + dezesseis =