Brasil
Megaoperação para conter avanço do CV no Alemão e na Penha tem 22 mortos; dois eram policiais civis
Foram 81 presos e 42 fuzis apreendidos na ação das polícias Civil e Militar.
Até o meio da manhã desta terça-feira, 23 pessoas foram presas e dez fuzis foram apreendidos na ação . (Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo/Reprodução)
Uma megaoperação das polícias Civil e Militar nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, deixou dois policiais civis mortos e ao menos outros oito agentes feridos, na manhã desta terça-feira. De acordo com a Polícia Civil, 20 suspeitos foram mortos, dois deles da Bahia. Quatro moradores também foram atingidos.
O objetivo da ação é cumprir mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho (CV), 30 deles de fora do Rio, escondidos nos dois conjuntos de favelas, identificados pela investigação como bases do projeto de expansão territorial do CV. Até o fim da manhã, 81 pessoas foram presas e 42 fuzis foram apreendidos na ação, que mobiliza 2,5 mil policiais e também promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ).
A operação marca uma mudança no padrão de enfrentamento entre as forças de segurança do Rio e as facções criminosas. Em uma demonstração inédita de poder bélico, traficantes utilizaram drones para lançar granadas contra equipes das forças especiais da Core e do Bope, cenário típico de guerra. Para esse “bombardeio”, os criminosos acionam um gatilho mecânico ou elétrico que libera a carga enquanto mantêm o equipamento em voo, afastando-se sem se expor. Além disso, em outro sinal de uma escalada nos confrontos, o governo estadual declarou que não tem condições de atuar sozinho e que o conflito ultrapassou o âmbito da segurança pública tradicional.
— Essa operação de hoje tem muito pouco a ver com Segurança Pública. É uma operação de Estado de Defesa. É uma guerra que está passando os limites de onde o Estado deveria estar sozinho defendendo. Para uma guerra dessa, que nada tem a ver com a segurança urbana, deveríamos ter um apoio maior e até das Forças Armadas. É uma luta que já extrapolou toda a ideia de Segurança Pública e que está na Constituição. O Rio está sozinho nessa guerra — disse o governador Cláudio Castro.
A declaração de Castro apontou para a necessidade de participação do governo federal, inclusive com possibilidade de acionamento das Forças Armadas. Segundo o governador, ele teve negado por três vezes o pedido que fez para ter ajuda de blindados da Marinha e Exército. Castro fez ainda um alerta para a possibilidade de forte tentativa de retaliação dos criminosos diante de tantos mortos e apreensões.
Integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva avaliam que as declarações do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), de responsabilizar a falta de apoio federal pela crise de segurança, é um movimento político de Castro para antecipar a disputa eleitoral do ano que vem.
Quem são os baleados
-Marcos Vinicius Cardoso Carvalho – policial civil da 53ª DP (Mesquita) que era conhecido como Máskara. Ele morreu no Hospital estadual Getúlio Vargas
-Policial civil da 39ª DP (Pavuna) – morto momentos após chegar ao Hospital Getúlio Vargas
-Três policiais civis – lotados na 38ª DP (Irajá), na 26ª DP (Todos os Santos) e na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE)
-Cinco policiais militares
-20 suspeitos mortos, entre eles dois homens apontados como traficantes vindos da Bahia
-Quatro moradores
Um cabo do Batalhão de Operações Especiais (Bope) foi o primeiro a ser atingido durante o confronto. Ele estava numa região de mata conhecida como Vacaria e foi ferido de raspão, segundo a PM. O agente foi levado para o Hospital Central da corporação. Estão feridos ainda um morador em situação de rua que não foi identificados, e outros três moradores: Fernando Vinícius Lopes, Kelma Rejane Magalhães e Daniel Mello dos Santos. Kelma estava numa academia quando foi atingida na região dos glúteos. Todos têm estado de saúde estável.
Um dos presos é o operador financeiro de Edgard Alves de Andrade, o Doca, apontado como um dos principais chefes da cúpula do CV na Penha. O outro é Thiago do Nascimento Mendes, o Belão do Quitungo, um dos braços armados de Doca.
Moradores dos conjuntos de favelas, formados por 26 comunidades, usam as redes sociais para relatar intensos tiroteios. Fogo foi ateado em barricadas e foi possível ver colunas de fumaça à distância. Policiais foram atacados por granadas lançadas por drones, afirmou o secretário de Segurança Pública, Victor dos Santos, em entrevista ao Bom Dia Rio. O telejornal mostrou ainda criminosos fugindo por uma área de mata. Ônibus foram usados como barricadas e linhas tiveram que ser desviadas. Unidades de saúde e educação tiveram o funcionamento suspenso.
A ação que visa a capturar chefes do tráfico do Rio e de outros estados e combater a expansão territorial do CV acontece após de mais de um ano de investigações. Segundo o Gaeco, são cumpridos 51 mandados de prisão expedidos contra traficantes que atuam na região, e um total de 67 pessoas denunciadas pelo crime de associação para o tráfico, além de três homens denunciados também por tortura.
De acordo com os promotores, Doca é a principal liderança do CV no Complexo da Penha e em comunidades como Gardênia Azul e César Maia, na Zona Sudoeste, e Juramento, na Zona Norte, algumas delas recentemente tomadas da milícia. A denúncia do MPRJ aponta ainda que exercem liderança no CV Pedro Paulo Guedes, conhecido como Pedro Bala; Carlos Costa Neves, o Gadernal; e Washington Cesar Braga da Silva, o Grandão.
“Eles emitem ordens sobre a comercialização de drogas, determinam as escalas dos criminosos nas ‘bocas de fumo’ e nos pontos de monitoramento, e ordenam execuções de indivíduos que contrariem seus interesses”, afirma o Gaeco em nota. A denúncia diz ainda que, por estar perto de algumas das principais vias expressas do Rio e ser ponto estratégico para o escoamento de drogas e armamentos, o Complexo da Penha se tornou uma das principais bases do projeto expansionista do CV, especialmente em direção a comunidades da região de Jacarepaguá, na Zona Sudoeste carioca.
Participam também da operação desta terça-feira, chamada de Contenção, policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE) e das unidades operacionais da PM da capital e da Região Metropolitana. A Polícia Civil mobilizou agentes de todas as delegacias especializadas, das distritais, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), do Departamento de Combate à Lavagem de Dinheiro e da Subsecretaria de Inteligência.
É usado ainda aparato tecnológico, como drones, dois helicópteros, 32 blindados terrestres e 12 veículos de demolição do Núcleo de Apoio às Operações Especiais da PM, além de ambulâncias do Grupamento de Salvamento e Resgate.
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Impactos
Por causa da operação, 46 unidades de educação municipais fecharam as portas. Vinte e nove delas ficam no Alemão e outras 17, no Complexo da Penha.
Cinco unidades de Atenção Primária que atendem a região da Penha e do Complexo do Alemão suspenderam o início do funcionamento, informou a Secretaria municipal de Saúde. De acordo com a pasta, elas avaliam a possibilidade de abertura nas próximas horas. Uma clínica da família mantém o atendimento à população, mas suspendeu as atividades externas, como as visitas domiciliares.
O Rio Ônibus informou que seis ônibus tiveram suas chaves retiradas e foram utilizados como barricadas em diferentes regiões da cidade. Vinte linhas de ônibus também estão com seus itinerários desviados preventivamente, informou o sindicato.
Imagens captadas por drones mostraram criminosos armados fugindo em “fila indiana” pela mata da Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, durante a operação.
Ônibus utilizados como barricadas
Vicente de Carvalho – C27097 – 940 (Ramos x Madureira)
B27066 – 629 – (Irajá x Saens Peña)
Estrada do Camboatá – B11506 – SV669 (Pavuna x Méier)
Avenida Nazaré – B51637 – SV624 (Mariópolis x Praça da Bandeira)
Avenida Brasil – B11514 799 (Pavuna x Bangu)
Desvios na Penha
721 Vila Cruzeiro x Cascadura
312 Olaria x Candelária
313 Penha x Praça Tiradentes
621 Penha x Saens Peña
622 Penha x Saens Peña
623 Penha x Saens Peña
625 Olaria x Saens Peña
628 Penha x Nova América
679 Grotão x Méier
Desvios no Engenho da Rainha
292 Engenho da Rainha x Castelo
688 Pavuna x Meier
687 Pavuna x Meier
629 Irajá x Saens Peña
Desvios no Alemão (Avenida Itaóca e Estrada do Itararé)
292 Engenho da Rainha x Castelo (voltou a desviar)
711 Rocha Miranda x Rio Comprido (voltou a desviar)
908 Terminal Deodoro x Bonsucesso
SV908 Terminal Deodoro x Bonsucesso
312 Olaria x Candelária
623 Penha x Saens Peña
628 Penha x Nova América
Desvios no Chapadão
799 Pavuna x Bangu
669 Pavuna x Meier
SV669 Pavuna x Meier
778 Pavuna x Cascadura Comprido
Forasteiros nas comunidades do Rio
Há duas semanas, os jornais O GLOBO e Extra mostram como o Comando Vermelho intensifica sua presença em outros estados do país, numa estratégia de nacionalização frente ao Primeiro Comando da Capital (PCC), com elos dentro de presídios federais. Com esse objetivo, o grupo carioca incorpora ou se alia a facções locais, ao mesmo tempo em que abriga, nas comunidades do Rio, traficantes vindos de fora. Em áreas sob domínio da facção no Rio, órgãos de segurança pública fluminenses já identificam a presença de criminosos de 12 estados, como Ceará, Bahia, Rondônia e Minas Gerais. Por outro lado, o CV se espalha por 25 estados e o Distrito Federal.
A migração de bandidos para o Rio é um sistema de “ganha-ganha”: os criminosos de fora que chegam a comunidades como a da Rocinha e as do Complexo do Alemão conquistam proteção, status e novos conhecimentos na cidade; já o CV amplia franquias Brasil afora, incluindo poderio sobre rotas de escoamento de armas e drogas.
— Hoje está muito comum falar de trabalho híbrido ou remoto. O crime faz o mesmo. Eles entenderam que o chefe não precisa mais estar no estado de origem. Ele pode ficar protegido no Rio e tomar as decisões por videochamadas. Isso é muito vantajoso para todos eles. O chefe do tráfico fica num local de difícil acesso para a polícia, e a organização protege seus principais ativos, diminuindo a rotatividade e gerando estabilidade nos negócios, principalmente em estados que fazem fronteira com outros países — disse, dois domingos atrás, o promotor de Justiça Anderson Batista de Oliveira, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Rondônia, um dos estados que têm chefes do tráfico presentes no Rio.
A segunda maior facção do Rio, o Terceiro Comando Puro (TCP), também já adota a expansão pelo Brasil, revela a série Conexões do Crime, do EXTRA. Levantamento do jornal mostrou que a guerra entre CV e TCP, inclusive, já se replica em pelo menos cinco estados (Espírito Santo, Minas Gerais, Ceará, Bahia e Acre). As facções cariocas vêm disseminando também táticas de ocupação e exploração de territórios, como cobrança de taxas ilegais e venda de sinal clandestino de internet, além de uso de fuzis e montagem de barricadas.
Na Bahia, a Secretaria de Segurança Pública do estado afirmou a atuação de organizações fluminenses é investigada e que as apreensões de fuzis aumentaram quase 300%, de 2022 a 2024, quando foram recuperadas 22 e 86 unidades, respectivamente. Somente este ano, 114 foram apreendidos, diz a pasta.
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