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Brasil

Ipea: metade dos professores da educação básica terá isenção do imposto de renda

Nota técnica mostra que, com a reforma do IR, 73,5% da categoria será beneficiada, sendo que para 52% haverá isenção total.

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Com a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, sancionada no mês passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais de 600 mil professores da educação básica deixarão de pagar o imposto. Assim, pouco mais da metade de todos os profissionais dessa categoria passam a ser isentos. Isso é o que conclui uma nota técnica publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que examina o quanto a Lei nº 15.270/2025 afeta a categoria.

A nova lei amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física para quem ganha até R$ 5 mil por mês, além de estabelecer descontos para rendas de até R$ 7.350 mensais. A renúncia de R$ 25,4 bilhões em receita deve ser compensada por R$ 34,1 bilhões arrecadados com a tributação sobre altas rendas em 2026.

Os resultados da pesquisa indicam que a reforma mais do que dobra a proporção de docentes isentos: antes, 19,7% não pagavam Imposto de Renda. Após a mudança, o percentual chega a 51,6%. Outros 21,9% passam a integrar a faixa de redução do tributo. No total, ao menos 1 milhão de professores da educação básica terão aumento na renda disponível, seja por isenção ou redução do IR, e cerca de 620 mil deixarão de pagar o imposto.

Considerando a isenção e o desconto na tributação, o benefício atinge 73,5% dos professores de educação básica do Brasil. O ganho é particularmente relevante para docentes com salários próximos ao piso nacional do magistério, que é de R$ 4.867,77 em 2025.

“Antes da reforma, eles pagavam a alíquota máxima de 27,5% sobre a base tributável. Com a nova isenção até R$ 5 mil, passam a não pagar nada de IRPF sobre esse salário”, diz Paulo Nascimento, coordenador de educação e técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc/Ipea), um dos autores da nota técnica. “O ganho médio anual estimado para esse grupo é de R$ 5.079,84, o que equivale, na prática, a aproximadamente um salário adicional no ano. É como um 13º salário extra derivado apenas da reforma tributária.”

Entre os que têm apenas um vínculo como professor, concentrados nas faixas de menor renda anual, 60,7% passam a ser isentos e 21,1% terão redução do imposto. No total, 81,8% desse grupo terá ganhos com a nova tabela do IR.

Já entre os docentes com múltiplos vínculos, cerca de 17,5% do magistério da educação básica, 32,3% serão isentos e 26,1% terão redução do imposto. Um resultado intermediário aparece entre aqueles que acumulam outro tipo de ocupação fora da docência: 40,2% ficam isentos e 20,9% têm redução, enquanto 38,9% permanecem submetidos à alíquota máxima.

“Por mais que esses resultados demonstrem efeitos positivos da reforma tributária sobre o rendimento da categoria docente, eles também alertam para a necessidade de maior valorização da carreira de professoras e professores”, pondera Adriano Senkevics, técnico de planejamento e pesquisa na Disoc/Ipea, que também assina o estudo. “Se esse desafio já existe na categoria como um todo, ele é ainda mais grave na rede privada, que tem remunerado seus profissionais em valores bastante inferiores ao piso salarial do magistério público.”

Expectativa

Luana Graziela da Cunha Campos, 28, é professora do ensino fundamental em Cianorte, no Paraná. Ela é concursada na rede municipal, com apenas um vínculo, e está entre aqueles que deixarão de pagar imposto a partir do próximo ano. “Vejo isso como uma vantagem, pois é um valor descontado todos os meses do nosso salário e que, ao final do ano, faz diferença”, afirma a docente, destacando que os recursos poupados poderão ser investidos na formação dos filhos. Ela diz considerar a medida importante, mas que precisa ser vinculada a outras ações de valorização dos profissionais do magistério.

Fernando Lourenço, 26, trabalha em Ceilândia, no Distrito Federal, como professor temporário. Ele é um exemplo de profissional que não terá a isenção total, mas será beneficiado com desconto, pois está na faixa de até R$ 7.350,00. “Essa diferença não faz milagre, mas com certeza irá ajudar em algumas coisas, como completar a gasolina ou ter um momento de lazer a mais no fim de semana”, diz o professor. Assim como Luana, ele também defende outras ações de valorização da categoria, considerando que a remuneração ainda está aquém à de outras profissões de nível superior.

“Apesar de o piso ser nacional, quem define os salários pagos aos docentes da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio são estados e municípios. Então, além do governo federal, também é importante que os governadores e os prefeitos estejam dedicados a ações de valorização da classe”, considera o pesquisador Senkevics.

Rede Pública x Rede Privada

Há diferenças significativas na incidência da nova tabela do IRPF entre docentes das redes pública e privada. Embora o setor público concentre a maior parte dos vínculos docentes no país, é na rede privada que a ampliação da faixa de isenção tem efeito proporcionalmente mais intenso: após a reforma, 82,2% dos professores de escolas particulares estarão isentos, percentual muito superior ao observado na rede pública (42,5%).

A disparidade reflete, em grande medida, a estrutura salarial das duas redes. No setor público, a remuneração média é mais elevada e relativamente homogênea. Já na rede privada, predominam jornadas parciais, maior dispersão salarial e valores médios mais baixos. Como consequência, um contingente muito maior de docentes do ensino privado passa a se enquadrar no limite anual de isenção.

“Em síntese, a ampliação da isenção beneficia a maioria dos docentes de ambos os segmentos, mas o efeito proporcionalmente mais intenso recai sobre quem leciona em escolas privadas, justamente porque ali há mais gente ganhando até o novo teto de isenção”, explica Paulo Nascimento.

Unidades Federativas

Os estados mais beneficiados pela ampliação da faixa de isenção são Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Tocantins e Roraima, todos com 60% ou mais dos docentes isentos. O resultado sugere que, nessas unidades da federação, grande parte do magistério tem rendimentos anuais abaixo do novo limite de isenção.

No extremo oposto, alguns estados concentram parcelas elevadas de docentes na faixa sujeita à alíquota máxima. Amapá, Distrito Federal, Pará e Goiás registram percentuais próximos ou superiores a 40% nesse grupo, refletindo salários relativamente mais altos no magistério. O caso mais evidente é o do Distrito Federal, onde 63,4% das professoras e professores permanecem na alíquota máxima mesmo após a reforma.

Metodologia

Ao utilizar a Rais, os pesquisadores mapearam o magistério da educação básica exclusivamente a partir das informações sobre o posto de trabalho ocupado. A Relação Anual de Informações Sociais é um relatório contendo dados sobre vínculos empregatícios.

No entanto, a Rais não é um cadastro específico de docentes. Então a identificação de professoras e professores depende apenas dos campos de ocupação e do setor de atividades do empregador, permitindo no máximo uma inferência aproximada sobre quem integra o magistério entre os trabalhadores formais.

“A análise parte da Rais porque hoje ela é a principal base administrativa nacional com informação padronizada sobre remuneração do trabalho formal, abrangendo cada posto de trabalho formal. Isso nos permite olhar para a renda do trabalho docente de forma consistente em todo o país. Mas há limitações importantes”, diz Nascimento.

“Na prática, o ideal seria uma integração Rais–Censo Escolar, combinando a riqueza de informações salariais e de vínculos da Rais com o detalhamento escolar e pedagógico do Censo. Isso permitiria, em estudos futuros, estimar não apenas a redistribuição da carga tributária, mas também como ela se articula com características das escolas, das redes e do território. Para isso, no entanto, o Inep precisaria disponibilizar ao Ipea os microdados identificados do Censo Escolar”.

A identificação do magistério da educação básica combinou códigos de ocupação (CBO) e atividade econômica (CNAE). Após a exclusão de casos atípicos, como salários muito altos, jornadas muito reduzidas ou remunerações nulas, chegou-se a um total de 1,95 milhão de pessoas com pelo menos um vínculo como docente da educação básica, número próximo aos 2,4 milhões contabilizados pelo Censo Escolar.

A identificação dos docentes da educação básica na Rais tomou como referência a nota técnica do Inep (2020), que detalha os procedimentos para parear as bases do Censo Escolar e da Rais e estimar a remuneração média dos profissionais em exercício.

Para calcular o salário anual, somaram-se os salários brutos de cada mês trabalhado em 2022, corrigidos pela inflação. A atualização monetária utilizou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até outubro de 2025. O décimo terceiro salário foi excluído, por não influenciar o cálculo das alíquotas mensais de tributação. A pesquisa também desconsidera deduções legais, como contribuições previdenciárias, dependentes ou despesas com saúde e educação.

Os docentes foram organizados em três faixas de rendimento anual. A Faixa 1 reúne os isentos do imposto de renda, cujo limite sobe de R$ 28.467,20 para R$ 60.000,00 após a reforma. A Faixa 2 abrange quem terá redução de alíquota: antes, incluía rendimentos entre R$ 28.467,21 e R$ 55.976,16; agora, cobre a faixa de R$ 60.000,01 a R$ 88.200,00, sujeita a uma alíquota progressiva ainda a ser regulamentada. A Faixa 3 inclui quem recebe acima de R$ 55.976,16 (pré-reforma) ou R$ 88.200,00 (pós-reforma), grupo sobre o qual permanece a alíquota máxima de 27,5%.

A nota técnica O imposto na ponta do giz: efeitos da reforma tributária sobre o IRPF de docentes da educação básica foi elaborada por Paulo Meyer Nascimento; Adriano Senkevics; Manoela Resende, analista técnica de políticas sociais; e Mateus Moreno, doutor bolsista.

Acesse estudo na íntegra.


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