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Brasil

Inverno Amazônico: região Norte sai de seca histórica para enchentes em menos de 6 meses

Alagamentos são comuns nessa época do ano na região, mas especialistas alertam que oscilações vêm se tornando cada vez mais extremas e frequentes.

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Cheia do Rio Purus alaga casas em Boca do Acre. (Foto: Reprodução/ Rede Amazônica)

Em menos de 6 meses, o rio Madeira saiu do menor nível da história, quando chegou a 19 centímetros de profundidade em Porto Velho (RO), em outubro do ano passado, e subiu para 16,67 metros nesta sexta-feira (4). A mudança brusca de cenário, que já afeta quase 9 mil pessoas, é resultado do Inverno Amazônico, quando as chuvas se intensificam em toda a região Norte.

Mas o que é o Inverno Amazônico? É mais ou menos quando começa o verão no Hemisfério Sul, no final do ano, que as chuvas ganham força na região Norte – e duram até maio. O fenômeno é causado pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), uma faixa de nuvens que se forma na região equatorial do planeta a partir dos ventos alísios, que sopram dos hemisférios Norte e Sul. Quanto mais intenso for esse sistema meteorológico, maior é o volume de chuva.

É comum que os rios da região enfrentem cheias durante esse período, já que a quantidade de chuva que cai nas bacias é o que determina o quanto o rio vai subir ou descer. O que tem preocupado os especialistas, no entanto, é que essas oscilações vêm se tornando cada vez mais extremas e frequentes.

“Essas variações extremas, embora já tenham ocorrido no passado, sugerem uma aceleração do ciclo hidrológico na região”, aponta o engenheiro hidrólogo do Serviço Geológico do Brasil, Marcos Suassuna.

Inverno amazônico — Foto: Arte/g1

Além do rio Madeira, o rio Machado também teve o cenário alterado em poucos meses, saindo do menor nível já registrado, 6,04 metros, para 11,34 metros entre o final de 2024 e o início de 2025. A maior marca já registrada no rio Machado foi 18,85 metros, em 2019. Em Santa Luzia D’Oeste (RO), as aulas foram suspensas por tempo indeterminado porque os alunos da zona rural não conseguem chegar na escola.

O cenário também é crítico em outros estados da Amazônia. Na capital do Acre , em Rio Branco, o Parque de Exposições Wildy Viana virou abrigo para famílias que tiveram que deixar suas casas por causa da cheia do rio Acre, que transbordou no início de março ao atingir 14 metros e afetou mais de 31 mil pessoas. O nível do rio começou a baixar na última semana, e as primeiras famílias já começaram a voltar paras suas casas.

No Pará, o rio Xingu também transbordou, levando o governo federal a reconhecer situação de emergência na cidade de São Félix do Xingu. A chuva também fez transbordar os rios Tocantins e Itacaiúnas, deixando comunidades isoladas nas cidades de Marabá e Oeiras do Pará.

Já no Amazonas, cinco rios atingiram níveis acima dos registrados no mesmo período do ano passado, deixando em alerta 23 dos 62 municípios do estado. Apesar dos alagamentos, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) prevê que as cheias não vão atingir marcas históricas neste ano.

Famílias ribeirinhas na gangorra dos rios

Quem vive às margens dos rios na Amazônia e depende deles para sobreviver percebe com mais intensidade as mudanças bruscas no sobe-e-desce do nível das águas. Mesmo acostumados com os períodos de seca e de cheia, os ribeirinhos dizem que os reflexos têm mais fortes.

Emanuele Rodrigues, moradora de São Félix do Xingu, no Pará, contou que a inundação deixou muitas famílias isoladas, que precisaram de barcos para conseguir sair das áreas alagadas.

“Algumas pessoas estão mais isoladas, sem conseguir sair da comunidade. Mas com ajuda de canoas, jangadas improvisadas, as pessoas saem para ir atrás de mantimentos”, disse Emanuele.

Leia Garcia contou que os alagamentos estão prejudicando os estudos dos filhos. “Na maioria das vezes, eles faltam [às aulas] por conta da chuva. É bem difícil o acesso devido aos buracos e lama”.

Uma situação bem diferente da que enfrentou Maria de Fátima, moradora da comunidade Terra Firme, em Porto Velho, quando o rio Madeira secou no ano passado.

“Nós passamos por uma situação difícil, principalmente por questões da falta de peixes para quem vive do extrativismo da pesca, nossa produção não se desenvolveu. Agora, muitos ribeirinhos estão passando dificuldades porque estão vendo sua produção se perdendo nas águas do rio”, relatou.

De acordo com a Defesa Civil Municipal de Porto Velho, 29 comunidades são diretamente afetadas pela cheia do rio Madeira. Além disso, outras 36 comunidades estão em alerta. Na BR-425, já não é possível mais distinguir asfalto do rio.

Além dos impactos sociais, essa oscilação dos rios amazônicos causa sérios impactos ambientais, especialmente para as comunidades ribeirinhas.

“As cheias repentinas podem causar dificuldades de navegação, prejuízos à agricultura, problemas de saneamento e o aumento de ‘terras caídas’, eventos com grande potencial destrutivo. Além disso, há um risco elevado de incêndios florestais, que também impactam as comunidades locais”, explicou o engenheiro hidrólogo do Serviço Geológico do Brasil, Marcus Suassuna.

Reflexos da ação humana

A região Norte do Brasil não tem estações do ano como no restante do país. Existem apenas dois períodos: chuvas e cheias (inverno amazônico) e estiagem e secas (verão amazônico). Roraima é diferente porque está no hemisfério norte e tem um comportamento oposto ao restante da região.

José Abreu Sousa, meteorologista do Inmet na região Norte, afirmou que os rios da Amazônia, como o rio Madeira, o rio Purus e o rio Solimões são influenciados diretamente pela chuva na bacia amazônica. A quantidade de chuva define a intensidade das cheias e secas, mas eventos climáticos nos oceanos também influenciam as grandes secas e cheias.

“As secas registradas nos anos anteriores podem ser relacionas aos eventos de aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico (evento El Niño), porém no final de 2024 e início de 2025 surgiu um evento de águas mais frias (La Niña) que favoreceu a formação de nuvens e chuvas em nossa região, elevando rapidamente os níveis de grandes rios”, disse Renato Senna.

Além dos fenômenos naturais, a ação humana também afeta as mudanças climáticas, tornando o clima mais instável e imprevisível, segundo a etnoclimatologista Alba Rodrigues.

“A ação humana no ambiente natural gera impactos ambientais, alguns irreversíveis. As queimadas na Amazônia, em 2024, nos alerta para uma questão muito séria, que é a alteração na capacidade da floresta em pé de captar emissões de carbono, e que isso já se modificou. É alarmante, pois está emitindo mais gases de efeito estufa do que pode absorver”, alertou.

Segundo a especialista, o desmatamento é um fator que influencia diretamente nas mudanças no regime de chuvas da região Norte.

“A floresta, além de ser geradora de umidade e micro partículas de água, que forma as nuvens para precipitação em chuvas, também tem o papel de reguladora do sistema e regime das águas”, disse Alba Rodrigues.

Quando esse sistema está desregulado, quem sofre com o vaivém das águas é a população.

“Se a água não baixar, nós vamos continuar na casa dos outros. O risco é perder tudo na nossa casa , lamentou o carpinteiro Raimundo Freitas do Nascimento.


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