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INSS libera contestação de descontos não autorizados, mas especialistas apontam fragilidades

Entidades terão 15 dias para apresentar provas de autorização das cobranças.

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Aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) já podem contestar descontos de mensalidades associativas que não autorizaram. Segundo o instituto, a solicitação de devolução dos valores pode ser feita pela plataforma Meu INSS ou pela central telefônica 135 a partir desta quarta-feira (dia 14). Especialistas ouvidos pelo EXTRA, no entanto, apontam fragilidades na operação de restituição e alertam sobre os riscos de impunidade e prejuízo aos cofres públicos.

Nesta terça-feira (dia 13), 9.429.003 de beneficiários receberam notificações de que sofreram descontos de associações e sindicatos na folha de pagamento de seus benefícios de 1º de março de 2020 a 31 de março deste ano. No entanto, o recebimento da mensagem não significa que o segurado tenha sido vítima de fraude. Alguns descontos podem ter sido autorizados pelos segurados. Outros, não.

A contestação deve ser feita pelos canais de atendimento do INSS, que já liberaram a consulta ao nome da entidade à qual os descontos estão vinculados. Basta acessar o serviço “Consultar Descontos de Entidades Associativas”.

A aposentada e secretaria parlamentar Patricia Coimbra, de 59 anos, teve cobranças não autorizadas no valor de R$ 77,86 por mês em seu benefício, entre março e junho do ano passado. Ao todo, foram transferidos R$ 311,44 para Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB). Nesta terça-feira, ela tentou acessar o Meu INSS para verificar se a notificação foi enviada, mas precisou fazer algumas tentativas antes de conseguir fazer o login.

— O sistema estava quase inoperante. Deve ser porque havia muita gente acessando. Consegui entrar somente na quarta tentativa — conta a aposentada.

Ao conseguir acessar o Meu INSS, Patricia viu a mensagem do instituto confirmando os descontos. Ela reclamou, no entanto, do fato de não ter sido notificada antes sobre os débitos:

— Já deveriam ter me avisado. Tive que descobrir sobre os descontos sozinha. Na época, pedi o cancelamento das cobranças e entrei na Justiça contra a associação para pedir a devolução dos valores e o pagamento de danos morais.

De acordo com a ação divulgada pelo site EXTRA , a aposentada percebeu os débitos em folha em março de 2024. Embora tivesse entrado em contato com ABCB — responsável pelos descontos —, as cobranças continuaram sendo feitas nos três meses seguintes.

Em sua defesa, a entidade apresentou, por meio da empresa de serviços jurídicos Legal Tal, uma suposta assinatura eletrônica em uma ficha de filiação. A aposentada, no entanto, alega que a prova é falsa.

— A associação apresentou com uma assinatura falsa. Não uso letra cursiva desde a adolescência, e a rubrica no documento é completamente diferente da minha — alega Patricia.

O que acontece com quem já contestou os descontos na Justiça

Embora possa informar que não autorizou os descontos no sistema do Meu INSS a partir desta quarta-feira, a aposentada disse que vai esperar a decisão judicial.

Todas as contestações feitas no aplicativo serão encaminhadas às entidades, que devem apresentar o comprovante da autorização das cobranças ou do reembolso — feito em períodos anteriores — em até 15 dias úteis a partir da data de questionamento. O beneficiário ou seu representante legal será comunicado da resposta fornecida pela entidade associativa por meio dos canais de atendimento do INSS.

Além disso, as associações também podem apresentar documentos de ação judicial em andamento, como no caso Patricia. O advogado Rômulo Saraiva, especialista em Direito Previdenciário, avalia que “essa medida não vai atingir a população que entrou com ações na Justiça”.

Segundo o advogado, a ABCB tem um modus operandi específico de falsificar assinaturas. Ele conta como a associação agiu em processos semelhantes, nos quais defendeu possíveis vítimas dos descontos não autorizados:

— A ABCB montou uma empresa de certificação digital para fraudar assinaturas eletrônicos, e eles colocavam dados de geolocalização, IP, dados pessoais e assinatura. Eles fizeram isso para ter legitimidade na Justiça quando vítimas entram com ações.

Especialistas apontam fragilidades na operação das devoluções

Em instrução normativa publica nesta terça-feira, o INSS informou que, quando a vítima declarar que não autorizou a cobrança, a entidade deverá restituir os valores ao instituto por meio de Guia de Recolhimento de Receitas da União (GRU). O INSS, por sua vez, repassará a quantia devolvida ao beneficiário. Mas o advogado Rômulo Saraiva questiona a eficácia da medida:

— A grande maioria das associações, que tiveram um crescimento de associados recentemente, podem desaparecer. É muita ingenuidade o INSS colocar essa conta para a associação por meio de GRU. Além disso, tem associações que já estão com a atividade suspensa.

Na norma, o INSS também informou que “disponibilizará o cálculo dos valores descontados, corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a serem restituídos pela entidade associativa”.

No entanto, Saraiva avalia que a instrução normativa não contempla todas as garantias previstas em lei e, por isso, considera a medida insuficiente.

— A norma não prevê juros de mora nem indenização por danos morais ou devolução em dobro dos valores. Mas o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil preveem esse tipo de reparação em casos de conduta ilícita. O INSS está adotando uma postura que desconsidera esses direitos.

INSS pode ter que arcar com a restituição dos descontos

Patrícia, que teve os valores descontados pela ABCB, se preocupa de, no caso das entidades não fazerem as restituições, a despesa ficar na conta do dinheiro público.

— Eu não quero pagar do meu bolso. O dinheiro público precisa ser usado em benefício da própria comunidade. Nesse caso, a população já foi lesada por uma instituição, e agora o governo quer pagar? Estamos sendo prejudicados duas vezes — lamenta.

Ações da AGU

Rodolfo Ramer, mestre em Direito Previdenciário, no entanto, lembra que a Advocacia-Geral da União (AGU) já adotou medidas para tentar garantir o ressarcimento aos segurados:

— A AGU entrou com o pedido de bloqueio de R$ 2,56 bilhões dessas associações e desses sindicatos para garantir o pagamento das pessoas que tiveram indevidamente valores descontados de seus benefícios.

Para Diego Cherulli, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), a Justiça provavelmente também condenará o INSS a restituir esses valores de forma solidária devido a conivência de servidores públicos em permitir que essas fraudes se prolongassem.

Embora seja criticada por gerar despesas aos cofres públicos, Cherulli avalia que essa medida é importante para não aumentar os gastos com as fraudes.

— A medida é especialmente importante para evitar a judicialização contra o INSS, que já é o maior litigante do país. Nesse cenário, acrescentar, por exemplo, mais três milhões de processos discutindo essas matérias agravaria ainda mais a situação jurídica do órgão, além de elevar significativamente os custos com essa fraude. Isso inclui os gastos com a tramitação judicial, recursos a tribunais superiores e em recursos — explica.

Como pedir restituição dos descontos

Passo a passo para questionar descontos de entidades associativas no Meu INSS:

Entre no aplicativo Meu INSS (disponível nas lojas virtuais de Android e iOS) com CPF e senha;
No campo “Do que você precisa?”, digite: consultar descontos de entidades;
Caso tenha descontos, marque se foram ou não autorizados;
Informe e-mail e telefone para contato;
Declare se os dados são verdadeiros;
Confirme no botão “Enviar Declarações”.

Passo a passo para questionar descontos na central 135:

Ligue para central de teleatendimento 135;
Durante a ligação, o comando de voz vai solicitar que o beneficiário digite o número do CPF;
Após a confirmação do dado pessoal, serão apresentadas várias opções de serviços. Para consultar sobre os descontos de mensalidades associativas, é necessário digitar o número 0;
O beneficiário será direcionado para um atendente, que vai informar se houve cobranças na folha de pagamento de seu benefício e dar as orientações para contestar os descontos não autorizados.
As entidades terão até 15 dias para analisar cada caso e dar uma resposta.


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