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Brasil

Gastos com saúde pressionam a inflação da população com mais de 60 anos, mostram dados do Fipe

No acumulado de 12 meses, o grupo registrou alta de 8,41%, mantendo-se como o principal ponto de atenção.

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A inflação sentida pelos brasileiros com 60 anos ou mais desacelerou em novembro, mas esse movimento está longe de representar um alívio real para quem envelhece no País. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC 60+), calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o indicador avançou 0,05% no mês passado, enquanto a variação do índice geral registrou 0,20%, de acordo com reportagem do site O Dia.

Porém o custo de vida da população idosa continua avançando mais rápido que o da média dos brasileiros, e essa pressão se concentra justamente em setores essenciais, como saúde e cuidados pessoais. No acumulado de 2025, o IPC 60+ sobiu 3,85%, diferente dos 3,51% do índice geral. Em 12 meses, a distância é ainda maior: 4,24% contra 3,85%. Trata-se de um movimento constante, que revela a estrutura desigual da inflação ao se comparar o orçamento da terceira idade com o das demais faixas etárias.

Apesar de variações pontuais, a saúde permanece como o grande motor da inflação para o público 60+. No acumulado de 12 meses, o grupo registrou alta de 8,41%, mantendo-se como o principal ponto de atenção. Segundo Guilherme Moreira, coordenador do IPC 60+, o fenômeno tem explicação direta: trata-se de uma população que utiliza com mais frequência medicamentos, consultas, exames e serviços médicos em geral, ficando mais exposta a reajustes acima da média.

Moreira destaca ainda que o comportamento dos preços em novembro só não foi pior graças à queda no preço de alguns alimentos — como limão, tomate e leite longa vida — e da conta de energia. O especialista alerta, porém, que o alívio é temporário e insuficiente para compensar os aumentos acumulados ao longo do ano.

Os dados preocupam quando comparados com a realidade de quem vive o impacto deles no cotidiano. Para o médico aposentado José Valdivia, de 82 anos, não é apenas o preço dos produtos que pesa, mas a redução de renda que acompanha o envelhecimento. Ele conta que, após a aposentadoria, sua renda caiu significativamente e que qualquer gasto que antes parecia administrável hoje se torna um sacrifício. Ele estima que aproximadamente 40% da sua renda vai para medicamentos e plano de saúde.

A percepção de Valdivia é a mesma de outros entrevistados, como Gilda Gonçalves Passos, de 83 anos. Ela diz gastar principalmente com alimentação e medicação. “É nessa idade que mais usamos remédios, e está tudo caro”, resume. Para Maria Helena de Oliveira, de 81, as despesas recorrentes com fraldas e absorventes também pesam. A maior parte do orçamento, segundo os depoimentos, se concentra em medicamentos, plano de saúde, produtos básicos e alimentação.

Os convênios são apontados como o vilão mais frequente dos gastos principais dos idosos. Marisa Garcia Lamarão, de 78 anos, afirma que metade de sua pensão é consumida pela mensalidade. Ela reforça que “quanto mais velha a gente fica, menos deveria pagar”, uma percepção comum entre idosos que sentem que pagam muito caro justamente no momento da vida em que mais precisam dos serviços.

Além da pressão dos preços, um problema crescente entre idosos é a exposição a golpes financeiros. No Brasil, o número de crimes cibernéticos contra pessoas mais velhas aumenta a cada ano, impulsionado pela digitalização dos serviços e pelo uso crescente de celulares para operações bancárias. As histórias se repetem entre as pessoas da terceira idade e sempre com o mesmo desfecho: perda de dinheiro e sentimento de vulnerabilidade.

Valdivia foi vítima de um golpe pelo WhatsApp, quando criminosos se passaram por sua filha e solicitaram um Pix de R$ 2.800. Ele só conseguiu recuperar parte do valor após registrar um boletim de ocorrência e notificar o banco. A aposentada Shirley Guimarães Geraissate, de 74 anos, perdeu R$ 952 em um golpe semelhante, em que criminosos se passaram por sua filha e, com uma conversa convincente, a convenceram a enviar o dinheiro. Maria Helena, por sua vez, teve um empréstimo feito em seu nome dentro do próprio banco, após ser abordada por uma mulher vestida como funcionária. Ela só percebeu o golpe quando a dívida apareceu no extrato.

Segundo Gleisson Rubin, diretor do Instituto de Longevidade MAG, esses casos não são exceção, mas parte de um fenômeno amplo e preocupante. Ele explica que o Brasil é hoje o país com o maior número de golpes cibernéticos do mundo e que os idosos são o principal alvo. “O idoso não possui a mesma familiaridade com aplicativos e com o mundo tecnológico. Falta uma abordagem específica para esse público”, afirma. Para ajudar a suprir essa lacuna, o Instituto lançou a websérie “Digital sem Medo”, com 50 vídeos explicativos sobre inteligência artificial, redes sociais, compras seguras, golpes e fake news, todos adaptados a uma linguagem acessível à terceira idade.

Os relatos também revelam a frustração generalizada com os benefícios governamentais voltados à população 60+. Muitos consideram que as políticas sociais ajudam, mas não resolvem os desafios. A gratuidade no transporte público, por exemplo, é pouco utilizada por quem tem limitações físicas ou enfrenta dificuldade para obter a carteirinha. A meia-entrada para eventos culturais e a prioridade nas filas são vistas como positivas, mas insuficientes diante da pressão financeira constante. “Não faz diferença nenhuma”, diz Valdivia. “A saúde pública é deficiente, e os deslocamentos são difíceis.”

Entre os entrevistados, poucos afirmam ter se planejado financeiramente ao longo da vida. E mesmo quem o fez percebe que o poder de compra da aposentadoria diminui rapidamente. “Eu me planejei, mas as coisas estão todas caras”, diz Gilda. Já Valdivia admite abertamente seu arrependimento: “Quando você é jovem, gasta, viaja… e não pensa nisso. A aposentadoria é insuficiente para qualquer idoso.”


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