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Brasil

Derrame de petróleo na Margem Equatorial do rio Amazonas seria pior que o do Golfo do México, dizem cientistas

Artigo compara condições da exploração de óleo na Foz do Amazonas àquelas que provocaram vazamento de 3 milhões de barris de petróleo em águas dos EUA em 2010.

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Um artigo de cientistas do Brasil e da Espanha elenca uma série de incertezas sobre a prospecção de petróleo na região da Margem Equatorial do Brasil e afirma que, caso um vazamento ocorra ali no futuro, as consequências podem ser piores do que as do acidente da Depwater Horizon em 2010, quando mais de 3 milhões de barris de petróleo foram despejados de um poço submarino no golfo do México.

O trabalho, articulado pelas universidades federal e estadual do Amapá, teve colaboração do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Aniversidade Autônoma de Madri (Espanha). Em formato de comentário, o artigo reuniu ecólogos, geofísicos, economistas e outros especialistas, e foi publicado na revista Nature Sustainability, do grupo britânico Nature.

Para analisar a situação no local, os cientistas reuniram outros estudos feitos na região da Foz do Amazonas e em sua área de influência, incluindo uma avaliação sobre vulnerabilidade de recursos biológicos, feito pela própria Universidade Federal do Amapá (UFAP). Os trabalhos avaliaram mais a região de hidrovia do Rio do que a porção marinha na transição do estuário, fazendo simulações de vazamentos de óleo usando modelos matemáticos.

“Os modelos calibrados mostraram que plumas de vazamentos de óleo tendem a permanecer próximas à costa e se estender por até 132 km em 72 horas, com impactos potencialmente catastróficos na biodiversidade, em áreas protegidas, na pesca artesanal e no abastecimento de água para áreas urbanas”, escrevem os cientistas. “Até onde sabemos, nenhum estudo considerou o potencial aumento no tráfego de grandes embarcações, incluindo aquelas que transportarão petróleo bruto, o que poderia levar ao aumento da perturbação da vida marinha por meio de sua presença física e ruído.”

O trabalho também avaliou literatura acadêmica que considerou potenciais vazamentos de poços a grande profundidade. Esse é um outro ponto de preocupação na Margem Equatorial, junto com as correntes marinhas cruzadas que existem ali.

“Enquanto a Corrente Norte do Brasil, na superfície, flui para o norte, outra corrente, que começa a 201 m de profundidade, flui para o sul. Entre as consequências das correntes fortes e complexas na área está a dificuldade que isso representa para controlar potenciais vazamentos”, afirma o estudo. “A profundidade de 2,88 km no local é essencialmente o dobro da profundidade de 1,5 km no local do vazamento de petróleo da Deepwater Horizon, que exigiu muitas tentativas ao longo de um período de cinco meses para ser contido.”

Apesar de os blocos de exploração que a Petrobrás pretende abrir serem relativamente longe do delta do Rio Amazonas, eles ainda dentro da zona de influência da foz, afirmam os cientistas. Isso significa que, dependendo da variação na vazão do rio, as correntes podem ora rumar para o Atlântico Norte, ora correr de volta para dentro do rio em sua região de estuário.

Além de avaliar a geofísica na região, os pesquisadores reuniram estudos sobre impacto de um eventual despejo de petróleo na fauna. O autor principal do trabalho, o ecólogo Herbert Duarte, estuda onças nas ilhas de Maracá e Jipioca, na costa amapaense, e explica que mesmo animais terrestres seriam afetados por um eventual derrame de óleo no mar.

— Na nossa pesquisa, a gente verificou que as principais bases da alimentação das onças-pintadas são advindas do mar: peixes, botos e aves limícolas (grupo das gaivotas) — conta. — Ali elas fogem um pouco da regra de caçador terrestre.

A simulação do resgate de animais oleados é um dos pontos que o Ibama tem exigido da Petrobrás para a concessão de licença para a prospecção, mas o impacto mais profundo de um derrame de óleo sobre a cadeia alimentar não é plenamente considerado nessa avaliação.

Modelo de desenvolvimento

No artigo, os cientistas também elencam uma série de estudos para depois contestar a promessa de que a renda de royalties do petróleo possa representar um modelo de desenvolvimento duradouro e sustentável para o Amapá.

Com cerca de de 700 mil habitantes, boa parte deles indígenas, quilombolas e ribeirinhos dependentes de pesca e extrativismo, o Amapá depende de atividades de bioeconomia. Só a cadeia do açaí na área da Foz do Amazonas movimentou mais de R$ 6 bilhões em 2023.

Um derrame de óleo, por si só, dificilmente afetaria o extrativismo e a produção de açaí, mas cientistas afirmam que, nesse aspecto, a prospecção de petróleo afeta a região num contexto global, com a elevação do nível do mar e todas as outras consequências que vêm junto com a mudança climática.

— O açaí é uma planta de várzea, e aumentando o nível do mar, mudando a acidez do mar também, vai ter uma grande influência no solo da região da foz, o que pode influenciar a produção de açaí — diz Duarte, ampliando a questão. — Será que o dinheiro gerado com o petróleo pagaria também essa queda na produção do açaí e eventuais desastres ambientais?

Segundo Philip Fearnside, do Inpa, outro coautor do estudo, é preciso colocar o debate sobre a Margem Equatorial no plano global.

— A necessidade global de interromper o uso de combustíveis fósseis nos próximos anos significa que os supostos benefícios econômicos e de emprego do projeto seriam muito temporários — diz o cientista.

Consenso difícil

O teor do artigo publicado agora na Nature Sustainability destoa um pouco de outro documento recente de cientistas sobre o assunto. O relatório que a Academia Brasileira de Ciências (ABC) produziu sobre o tema é bem mais flexível em reconhecer que os impactos da exploração de petróleo almejada para a região podem ser minimizados.

A falta de consenso que a comunidade científica tem sobre o tema vem, em parte, da escassez de estudos sistemáticos sobre a região. Os dois artigos citados nesta reportagem, por exemplo, não são estudos com coleta de dados independentes nem revisão por pares, o “padrão ouro” para validar informação técnica.

Duarte argumenta que, em face de dúvidas, deveria prevalecer o princípio da precaução, mas ele se mostra incrédulo de que esta seja a abordagem adotada.

— Infelizmente, eu não acredito que a gente tenha poder nem influência para mudar uma decisão que venha a ser tomada, e acho que mais cedo ou mais tarde vão acabar explorando esse petróleo — afirma. — Este artigo vai servir no futuro para dizer: eu avisei.


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