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Delação implica ministro-chefe da Casa Civil em fraude na compra de respiradores na Bahia, diz site

De acordo com a investigação, Os respiradores nunca foram entregues, e os valores — pagos adiantados — não foram totalmente recuperados.

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O ministro da Casa Civil, Rui Costa. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Uma investigação da Polícia Federal , divulgada no site UOL, encontrou indícios que ligam o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), a irregularidades em um contrato de R$ 48 milhões para a compra de respiradores durante a pandemia. À época, ele era governador da Bahia.

O nome de Costa foi citado em delação premiada da empresária responsável pelo negócio, que devolveu R$ 10 milhões aos cofres públicos e apresentou extratos bancários de transferências a intermediários da venda. O UOL teve acesso ao conteúdo da delação.

Os respiradores nunca foram entregues, e os valores — pagos adiantados — não foram totalmente recuperados.

Um dos mais influentes ministros do governo Lula, Rui Costa nega as acusações.

Foi ele, como governador, quem determinou a investigação sobre o caso — o que ele ressalta para negar envolvimento com irregularidades.

Costa afirma nunca ter tratado “com nenhum preposto ou intermediário sobre a questão das compras deste e de qualquer outro equipamento de saúde”.

O pagamento adiantado, segundo ele, era a condição de mercado “vigente” para a compra de respiradores no início da pandemia.

O ex-governador também foi mencionado no depoimento à Polícia Federal feito por um ex-secretário do governo baiano, que disse ter fechado o negócio por ordem do petista.

O inquérito está em fase final na PF e corre na Justiça Federal da Bahia, pois envolve fatos do mandato anterior de Costa, antes de virar ministro. Ele governou o estado de 2015 a 2022.

O contrato, assinado em abril de 2020, no início da pandemia de covid-19, previa a compra de 300 respiradores importados da China.

O material iria abastecer os estados integrantes do Consórcio Nordeste, presidido na época pelo petista.

A delação premiada

A empresária Cristiana Prestes Taddeo, da Hempcare, que recebeu R$ 48 milhões do governo mas não entregou nenhum respirador, fechou um acordo de delação premiada em 2022 com a vice-procuradora-geral da República na época, Lindôra Araújo.

A colaboração foi homologada pelo ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Og Fernandes, também em 2022.

Em troca de benefícios processuais, Taddeo devolveu R$ 10 milhões aos cofres públicos e confessou uma série de irregularidades no negócio.

Ela afirmou que o contrato foi redigido de forma desfavorável ao governo da Bahia, prevendo pagamento adiantado.

Disse ainda que a empresa não possuía as documentações necessárias para a operação e que recebeu informações privilegiadas para apresentar sua proposta de preço ao governo.

Na delação, Taddeo afirmou aos investigadores que a contratação da Hempcare foi intermediada por um empresário baiano que se apresentou como amigo de Rui Costa e da então primeira-dama, Aline Peixoto.

Esse amigo teria cobrado o pagamento de comissões pelo negócio, que totalizaram R$ 11 milhões.

Achei que as tratativas para celebração do contrato com o Consórcio Nordeste ocorreram de forma muito rápida, mas entendi que eu estava sendo beneficiada porque havia combinado de pagar comissões expressivas aos intermediadores do governo. Cristiana Taddeo, empresária, em acordo de delação premiada

A PF e o Ministério Público Federal apuram se as “comissões” seriam propinas destinadas a agentes públicos.

Uma operação de busca e apreensão foi deflagrada em abril de 2022 para aprofundar as investigações sobre o caso.

Um dos alvos na ocasião foi o ex-secretário da Casa Civil Bruno Dauster, responsável pelas tratativas com a empresa.

‘O amigo’

Cristiana Taddeo relatou aos investigadores que a negociação só avançou porque tinha a autorização do então governador Rui Costa, que assinou o contrato.

O ex-secretário Bruno Dauster confirmou, em seu depoimento à PF, que as tratativas receberam o aval de Rui Costa.

Dauster disse que houve uma flexibilização das exigências por causa do cenário mundial de pandemia, com um aumento da procura no mercado por respiradores.

A Hempcare, que arrematou o contrato milionário, não possuía qualificação nem experiência na importação de respiradores pulmonares.

A empresa foi fundada para distribuir medicamentos à base de canabidiol.

Seu capital social era de R$ 100 mil e havia apenas dois funcionários registrados, segundo a investigação.

Cristiana Taddeo disse que um empresário se apresentou como amigo de Rui Costa e Aline Peixoto e, por causa disso, atuou na intermediação do contrato com o governo baiano.

Aline era enfermeira de formação e funcionária da secretaria estadual de Saúde, mas em 2023 foi nomeada para o cargo vitalício de conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia.

Taddeo disse que participava de um grupo de WhatsApp com empresários do ramo da saúde.

Um dos participantes, Fernando Galante, sócio de um fundo privado de investimentos na área de saúde, começou a discutir a possibilidade de importar respiradores da China.

O grupo também tinha participação de Cleber Isaac, um personagem central no esquema, segundo a PF. Ele seria amigo de Rui Costa e de Aline Peixoto.

A empresária afirma na delação que Cleber Isaac avisou à primeira-dama baiana que a Hempcare poderia vender respiradores ao Consórcio Nordeste.

Foi depois disso que integrantes do governo da Bahia entraram em contato com a dona da Hempcare para realizar o negócio.

Na noite de 5 de abril de 2020, a empresária recebeu um telefonema do então secretário da Casa Civil do governo da Bahia, Bruno Dauster, que manifestou interesse em comprar os respiradores da Hempcare.

Foi o próprio Rui Costa quem passou o contato da Hempcare para Bruno Dauster, segundo o depoimento dele à PF, com orientação de que negociasse com eles a compra dos respiradores.Segundo a empresária, Dauster frisou nos diálogos que “dependia da autorização de Rui Costa dos Santos [governador do Estado da Bahia] para tomar as decisões”.

A mesma versão foi apresentada por Dauster em seu depoimento à PF, deixando claro que a palavra final era de Rui Costa.

Cléber Isaac disse de imediato que ele é quem havia avisado a primeira-dama do governo do Estado da Bahia [Aline Peixoto, esposa de Rui Costa] que o nosso grupo poderia realizar a importação dos respiradores. (…) Como Cléber Isaac e Fernando Galante eram a ponte entre o grupo e o governo do estado da Bahia, eles cobraram participação nos lucros do negócio. Cristiana Taddeo, empresária, em acordo de delação premiada

A dona da Hempcare relata ter concordado com o pagamento da “comissão” aos dois intermediários, mas não sabe se eles dividiram os valores com algum integrante do governo da Bahia.

Foram transferidos um total de R$ 9,4 milhões para Galante e R$ 1,6 milhão para Cléber Isaac, mostram extratos bancários entregues na delação.

A PF apreendeu os celulares dos investigados e detectou conversas telefônicas entre Cléber Isaac e Aline Peixoto no período das negociações com a Hempcare.

Contrato desfavorável

Com o início das negociações, Cristiana Taddeo precisava definir um preço para a venda dos respiradores e as condições do contrato.

A empresária diz ter recebido informações privilegiadas sobre o valor máximo que o Consórcio pagaria pelos itens. A partir disso, montou a proposta, na qual cada respirador custaria US$ 28.900.

O contrato para venda de 300 respiradores totalizou R$ 48 milhões (pelo câmbio da época).

Cerca de R$ 20 milhões desse valor correspondiam ao lucro a ser dividido entre os quatro personagens envolvidos no negócio.

Bruno Dauster concordou com o valor e autorizou a contratação.

Depois disso, um integrante do governo da Bahia telefonou para Cristiana Taddeo para pedir os dados bancários para pagamento e a minuta do contrato.

Ela delata que foi um advogado da própria empresária quem redigiu o documento, em vez de o próprio governo providenciar o contrato.

A minuta feita por ele era bem favorável à Hempcare e isso nunca foi questionado pelo Consórcio Nordeste, tanto é que o contrato não previa nenhuma garantia caso os respiradores não fossem entregues e essa garantia nunca foi exigida nem mencionada por nenhum agente do Consórcio Nordeste. Cristiana Taddeo, empresária, em acordo de delação premiada

Na sua delação, Taddeo confessou uma irregularidade relevante no negócio. Segundo ela, a Hempcare “não possui as certificações necessárias para realizar importação de equipamentos hospitalares (Radar e AFE) e essa documentação nunca foi solicitada por nenhum agente vinculado ao governo e não foi um empecilho à contratação”.

Radar, sigla para “Registro e Rastreamento da Atuação dos Intervenientes Aduaneiros”, é uma licença do governo federal para a realização de importações.

AFE, sigla para Autorização para Funcionamento, é um registro da Anvisa para diversas atividades na área da saúde, como a importação de produtos.

As comissões pagas, segundo Cristiana Taddeo

Em depoimento que integra a colaboração, a empresária contou aos investigadores que recebeu o pagamento dos R$ 48 milhões em duas parcelas, sem apresentar nenhuma comprovação sobre a importação dos respiradores da China.

Os intermediários então teriam passado a cobrar de Taddeo o repasse das comissões acertadas.

Para corroborar sua versão, ele apresentou à PF comprovantes das transferências bancárias realizadas a Cléber Isaac e Fernando Galante, que totalizaram R$ 11 milhões.

Quando fez contato com a empresa chinesa responsável pela venda dos respiradores, Cristiana recebeu a informação de que os itens não estavam mais disponíveis.

Com isso, o negócio naufragou.

Ela ainda tentou comprar respiradores produzidos por um empresário no Brasil. Também deu errado.

O secretário Bruno Dauster passou a cobrar a devolução dos recursos.

Cristiana não possuía mais a totalidade dos recursos, pois houve pagamentos de comissões e repasse para a empresa brasileira sob a promessa do fornecimento de respiradores.

Criou-se, então, um impasse para a devolução do dinheiro, até hoje não resolvido.

A Hempcare embolsou R$ 48 milhões de forma adiantada, repassou os valores para diversas pessoas envolvidas no negócio e não forneceu os respiradores.

Rui Costa determinou na ocasião a a abertura de um inquérito na Polícia Civil da Bahia.

O caso foi levado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e à Polícia Federal após surgirem indícios da participação do então governador baiano nos fatos.

A investigação chegou à primeira instância da Justiça Federal da Bahia no ano passado.

O que dizem os envolvidos

Procurado pelo UOL, Rui Costa negou irregularidades.

Após a não entrega dos respiradores, o então governador Rui Costa determinou que a Secretaria de Segurança Pública da Bahia abrisse uma investigação contra os autores do desvio dos recursos destinados a compra dos equipamentos. Os mesmos foram presos pela Polícia Civil por ordem da Justiça baiana semanas após a denúncia. Nota enviada pela assessoria de Rui Costa

O ex-governador também se justifica dizendo que, durante a pandemia, as compras realizadas “no mundo inteiro foram feitas com pagamento antecipado”.

“O ex-governador nunca tratou com nenhum preposto ou intermediário sobre a questão das compras deste e de qualquer outro equipamento de saúde. Durante a pandemia, as compras realizadas por estados e municípios no Brasil e no mundo inteiro foram feitas com pagamento antecipado. Esta era a condição vigente naquele momento. O ex-governador Rui Costa deseja que a investigação prossiga e que os responsáveis pelo desvio do dinheiro público sejam devidamente punidos e haja determinação judicial para ressarcimento do erário público”.

A assessoria de Rui Costa diz ainda que “nenhuma delação cita a participação do então governador da Bahia” e rebate também as acusações contra a então primeira-dama Aline Peixoto.

“A afirmação é corroborada pelo reconhecimento do Ministério Público Federal e do Judiciário, através do STJ, da inexistência de qualquer indício ou participação do então governador Rui Costa ou sua esposa nos fatos apurados nesta investigação”.

A responsabilidade do ex-governador e da ex-primeira-dama, no entanto, continua sob apuração pela Polícia Federal.

A defesa de Cléber Isaac não quis comentar o mérito das investigações.

“A defesa do sr. Cléber Isaac nega peremptoriamente as acusações e afirmou que se resguarda o direito de se manifestar exclusivamente perante as autoridades competentes, ressaltando que a apuração tramita em sigilo”, disse.

Cléber Isaac admitiu em depoimento à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, em dezembro de 2021, ter relações sociais com Rui Costa e Aline Peixoto, mas negou ter tratado do tema dos respiradores com o casal. Ele afirmou conhecer Rui Costa desde 2010.

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