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Com mais secas, Amazônia perde circulação de água e estoque de carbono, mostram estudos

Diminuição das chuvas, elevação da temperatura e o prolongamento da estação no bioma têm causado aumento na mortalidade de árvores mais antigas.

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A extensão das áreas afetadas e a duração da estação seca na Amazônia aumentaram nas últimas décadas. Esse quadro, combinado com a recorrência de extremos de temperatura, como as ondas de calor que atingiram a região em 2020, além do desmatamento e o uso de fogo, tem elevado o estresse hídrico das árvores e, consequentemente, afetado a capacidade da floresta de realizar a ciclagem da água e estocar carbono.

As constatações foram feitas por meio de estudos conduzidos por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Laboratório de Sistemas Tropicais e Ciências Ambientais (Trees, na sigla em inglês) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Alguns resultados dos trabalhos foram apresentados durante uma mesa-redonda sobre desmatamento, queimadas e ponto de não retorno (tipping point) do bioma amazônico que aconteceu quarta-feira (16/07) durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Recife.

“A água é um elemento vital para entender a Amazônia e pensar sobre seu futuro. O bioma só existe porque tem água na região. Porém, mais da metade da floresta tem enfrentado eventos de estresse hídrico nos anos recentes”, disse Liana Anderson, pesquisadora do Cemaden e integrante da coordenação do Trees.

A redução das chuvas e o aumento da temperatura durante a estação seca observados nos últimos 40 anos na Amazônia, contudo, podem reduzir a ciclagem regional da água pela floresta. Além disso, o aumento da temperatura do ar eleva as demandas metabólicas das árvores, o que pode resultar em maiores perdas de carbono por meio da respiração.

As temperaturas mais altas também podem afetar negativamente a fotossíntese das árvores por meio do aumento da fotorrespiração e causar danos estruturais nas folhas, sublinhou a pesquisadora.

“A redução das chuvas, o aumento da temperatura e o prolongamento da estação seca que têm sido observados na Amazônia nos últimos 40 anos podem levar ao aumento da mortalidade de árvores. Temos feito estudos e medições de campo que mostram que há grandes árvores morrendo durante a estação seca”, afirmou Anderson.

“Quando começa a ter mortalidade maior dessas árvores, que pegam a água do solo da floresta por meio de raízes mais profundas e jogam para a atmosfera, isso significa que esse sistema de ciclagem da água está sendo minado. Com isso começa a ter uma possível mudança na estrutura da floresta, que também influencia no ciclo hidrológico”, apontou.

Um estudo em andamento, conduzido por pesquisadores do Trees, indicou um aumento da duração da estação seca na Amazônia entre 2000 e 2023. De acordo com resultados do trabalho, em revisão, 63% da região passou em 2015 por estresse hídrico. Em 2016, o número oscilou para 51% e em 2023 aumentou para 61%.

“As regiões com maior concentração da estação seca nesse período foram nas bordas da Amazônia”, afirmou Anderson.

Paisagem mais inflamável

As áreas da floresta submetidas a 100 milímetros de déficit durante uma seca na região em 2005 perderam 100 toneladas de carbono por hectare, apontou outro estudo conduzido por pesquisadores do Inpe, com apoio da Fapesp. Combinado com o aumento da temperatura, os efeitos da perda de estoques de carbono pela Amazônia podem ser piorados, apontaram os autores.

“A cada grau de aumento da temperatura há uma redução de 6% nos estoques de carbono da floresta. Quanto mais quente, mais as árvores morrem e o material lenhoso delas fica acumulado no chão da floresta, tornando essas áreas mais suscetíveis a incêndios”, disse Luiz Aragão, pesquisador do Inpe e membro da coordenação do Trees e do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

Quanto mais uma paisagem da floresta é fragmentada pela perda de vegetação, mais vulnerável ela se torna ao fogo, indica um estudo em andamento conduzido pelo pesquisador e colaboradores.

“Temos observado que em paisagens mais contínuas da floresta a área queimada só aumenta durante os anos de seca. Em anos normais elas apresentam um nível muito baixo de área queimada. Em contrapartida, em paisagens mais fragmentadas há áreas queimadas muito grandes. Ou seja, a fragmentação torna esse tipo de paisagem mais inflamável. É como se ela ficasse seca constantemente”, contou Aragão.

Refúgios hidrológicos

Algumas partes da floresta podem prover refúgios hidrológicos para a Amazônia resistir ao aumento da intensidade e frequência de secas, indicam dados de estudos conduzidos por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Por meio de estudos em campo, conduzidos em áreas situadas no norte e no sul de Manaus e com diferentes geomorfologias, os pesquisadores têm constatado que florestas com lençol freático raso têm resistido mais às secas, enquanto as que estão situadas em lençol profundo tiveram maior mortalidade e menor crescimento.

O crescimento das árvores nos anos recentes de seca extrema se manteve estável ou até mesmo aumentou em áreas com lençol freático superficial, indicaram os estudos.

“É importante lembrar que 50% da Amazônia tem lençol freático raso, mas a maior parte dos estudos sobre as respostas da floresta às mudanças climáticas está focando em áreas com lençol freático mais profundo. Dessa forma, talvez ainda não saibamos qual será a verdadeira resposta da floresta às secas se estivermos olhando para um tipo de ambiente que só representa parte da Amazônia”, ponderou Flávia Regina Capelloto Costa, pesquisadora do Inpa e coordenadora dos estudos.


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