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Brasil

Catálogo científico apresenta genes dos micróbios das águas amazônicas

A primeira publicação específica sobre micro-organismos aquáticos da Amazônia é resultado de uma expedição que percorreu desde o alto Solimões até trechos do oceano Atlântico.

A pesquisa contribui para compreender aspectos importantes dos ecossistemas amazônicos. (Foto: Divulgação/UEA)

A Folha divulgou nesta quinta-feira, 25/2, o lançamento do primeiro catálogo de genes dos micróbios das águas amazônicas. Para fazer a coleta, pesquisadores brasileiros organizaram um tipo muito peculiar de pescaria ao longo de boa parte da bacia do rio Amazonas. Em vez de tentar fisgar tucunarés e tambaquis, seu alvo eram as inúmeras espécies de micro-organismos aquáticos que “comem” quase 1 bilhão de toneladas de matéria orgânica na região todos os anos.

O resultado da expedição “pesqueira” é o primeiro grande catálogo de genes dos micróbios das águas amazônicas, fisgados numa área que vai do alto Solimões, no oeste, até trechos do oceano Atlântico na foz do Amazonas, nos quais a matéria orgânica do maior rio do mundo é despejada (no total, são mais de 2.000 km de extensão). A montanha de dados obtida no trabalho tem potencial para inspirar inovações biotecnológicas e deve ajudar a compreender aspectos importantes do funcionamento dos ecossistemas amazônicos.

“É trabalho suficiente para continuar até a próxima encarnação”, brinca Flávio Henrique Silva, professor do Departamento de Genética e Evolução da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Junto com colegas de outras instituições no Brasil e na Espanha, Silva é autor de um artigo que descreve as descobertas na revista científica Microbiome.

Em essência, o trabalho da equipe foi um esforço de metagenômica, como é conhecida a área de pesquisa que busca obter novos dados sobre o DNA de diversas espécies, principalmente as microbianas, examinando toda a batelada de material genético que pode ser extraída das amostras de um ambiente, como o solo, um recife de coral, lagos ou rios.

A metagenômica é particularmente útil quando ainda não se conhecem as espécies que vivem em tais ambientes, ou quando elas são difíceis de reproduzir em culturas de laboratório (é o caso da grande maioria dos micro-organismos). Com base na sequência bruta de “letras” de DNA presente nas amostras, muitas vezes é possível ter ao menos uma ideia geral do tipo de organismo ao qual pertence aquele material genético e que funções bioquímicas ele desempenha.

Tais informações podem ser inferidas por meio da comparação dos dados novos com bibliotecas de DNA já conhecido. Mas é claro que ainda sabemos muito pouco a respeito de boa parte dos micróbios da Terra, e as descobertas feitas pela equipe confirmam isso. Os pesquisadores estimam que suas amostras contêm quase 4 milhões de genes (ou seja, trechos de DNA que contêm a receita para a produção de proteínas), mas quase metade deles não tem similaridade significativa com genes já conhecidos.

Além disso, a comparação com outros estudos de metagenômica que também foram feitos em ecossistemas fluviais (em rios do Canadá e no Mississipi, maior curso d’água dos EUA e da América do Norte) mostraram que a comunidade de micro-organismos da bacia do Amazonas é bastante distinta das demais.

De qualquer modo, os genes menos misteriosos, que apresentam alguma similaridade com outros já estudados, ajudaram os pesquisadores a ter uma ideia razoavelmente clara de como os micróbios lidam com as quantidades portentosas de matéria orgânica presentes nos rios da região. Dos 6.516 genes que parecem estar associados a esse processo, mais de 2.000 estão envolvidos na “quebra” das moléculas de lignina, essenciais para reforçar a parede das células de vegetais, em especial na madeira e na casca das árvores. Outra molécula importante dessas estruturas é a celulose, famosa como matéria-prima do papel.

“A degradação da matéria orgânica que ocorre no caso do Amazonas é muito eficiente. Isso é importante porque, de início, a degradação da lignina acaba gerando moléculas aromáticas [formadas por anéis de átomos de carbono], e esses produtos da reação atrapalham a ação de outras substâncias que quebram a celulose dos restos vegetais”, explica o pesquisador da UFSCar. “A eficiência inicial da degradação bacteriana da lignina minimiza esse processo e faz com que o processo posterior também funcione melhor.”

Aliás, tudo indica que existe uma espécie de colaboração —não intencional é claro— entre diferentes tipos de micro-organismos e diferentes partes da calha do Amazonas. Nas amostras obtidas rio acima, mais longe da foz, predominam os genes ligados à quebra da lignina, a fase inicial da degradação da matéria orgânica, enquanto genes que degradam celulose, o passo seguinte do processo, foram encontrados mais comumente rio abaixo.

Informações mais detalhadas sobre como os micróbios usam sua biblioteca de genes para “desmontar” a matéria orgânica poderão ajudar, por exemplo, a otimizar os processos de produção do etanol de segunda geração — feito a partir da parte “dura” das plantas, e não apenas a partir do açúcar da cana. Também poderiam ajudar na criação de equivalentes dos plásticos a partir da matéria-prima viva, substituindo o uso dos derivados de petróleo. “É um mar monstruoso de possibilidades”, resume Silva.

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