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Brasil

Anuário diz que a violência na Amazônia está ligada à fragilidade das agências encarregadas de aplicar a lei

A situação tem relação direta com o avanço do PCC, de São Paulo, e do CV, do Rio de Janeiro, pelo Norte do país.

A taxa de violência letal nos municípios que compõem a Amazônia Legal foi 54% superior, em 2022, à média das demais cidades brasileiras. A constatação é do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP), que traçou um panorama dos dois fatores que contribuem para o crescimento da brutalidade na região: a intensa presença das facções do crime organizado e a disputa entre elas pelas rotas nacionais e transnacionais de drogas.

Os estados que compõem a Amazônia Legal são Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e a maior parte do Maranhão. Enquanto em todos os municípios do país a taxa de Mortes Violentas Intencionais (MVI) foi, no ano passado, de 21,9 por 100 mil habitantes, nos da Amazônia Legal chegou a 33,8 por 100 mil. A Região Norte passou de uma média de 3.300 MVIs, em 2011, para cerca de 8 mil, em 2018, e permanece com números bem superiores à média nacional.

O Anuário destaca, ainda, que os agentes do narcotráfico se subdividem para operar crimes ambientais, como desmatamento, garimpos ilegais e intensificação dos conflitos fundiários. “As duas (principais) facções (do crime organizado) passam a explorar cada vez mais as alianças firmadas no sistema prisional de estados da região amazônica, o que transferiu esses conflitos para territórios da região e permitiu a associação de grupos do narcotráfico a lideranças de outros ilícitos, como madeireiros e garimpeiros”, aponta o relatório.

Pesquisadora do FBSP, Betina Barros explica que o deslocamento da violência letal para os territórios da Amazônia Legal levou ao aumento de altas taxas de brutalidade e de homicídio nos estados que compõem a Região Norte. “Ainda que tenha tido uma queda recente (nos índices de violência), tem uma taxa de mortes agressivas 54% superior ao resto do país nos municípios da Amazônia Legal. A violência está muito mais presente do que nos outros estados do país”, observa.

Com o domínio das rotas do tráfico, as facções criminosas passaram a atuar, também, no garimpo ilegal, principalmente no território indígena dos ianomâmis. O levantamento relata que a atuação das organizações criminosas nessas áreas resultou no aliciamento de indígenas, quilombolas e ribeirinhos para atuarem no narcotráfico.

Por estar perto das fronteiras dos principais produtores de cocaína do mundo (Bolívia, Peru e Colômbia) e, também, pela difícil fiscalização do território, a Amazônia Legal passou a ser uma região disputada por diversas organizações criminosas. O assassinato, em 2016, do traficante Jorge Rafaat — conhecido como Rei da Fronteira — intensificou a guerra entre as facções Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho, que se uniram a quadrilhas locais para expandir seus negócios ilegais.

Betina Barros destaca que esse braço criminoso aumentou a violência nas cidades do interior, afastadas da proteção do Estado e à mercê dos bandos armados. “São cidades que, muitas vezes, sequer têm uma delegacia ou a presença da polícia para que possa haver a proteção, dada a distância de qualquer centro urbano. Isso deixa um vácuo de poder e permite aos criminosos controlar a região”, explicou.

Segundo o Anuário, a violência na Amazônia Legal está ligada à fragilidade das agências encarregadas de aplicar a lei e a segurança pública. “O FBSP tem defendido que, na região, outros arranjos federativos e de cooperação na prevenção e enfrentamento de crimes e violências sejam desenhados. A atual estrutura estatal não é capaz de, sozinha, dar conta desse enorme desafio”, observa o relatório.

Crimes ambientais

O narcotráfico tem impulsionado os crimes ambientais na Amazônia Legal, com a ocupação irregular de terras, extração de madeira e garimpo ilegal. A situação tem relação direta com o avanço do PCC, de São Paulo, e do CV, do Rio de Janeiro, pelo Norte do país.

“A Amazônia continua sendo um problema”, disse Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, o avanço da brutalidade na região demanda atenção das autoridades. Segundo levantamento recente da Rede de Observatórios da Segurança, foram 232 registros de violência contra indígenas e quilombolas no ano passado só no Pará, quatro vezes mais do que dois anos antes. Desde 2017, foram 47 homicídios dentro desses espaços no estado.

Estados

Os alertas às autoridades municipais, estaduais e federais para o descalabro na segurança da Amazônia Legal não são novidade. Isso foi reforçado pelo depoimento de Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa no segundo governo da presidente Dilma Rousseff, na CPI das ONGs, em 11 de julho.

Conforme destacou, a Amazônia se divide em três estados paralelos: “O oficial, das prefeituras, estados e União, com suas agências e órgãos. Ele é anêmico, débil e deficitário em tudo. O segundo Estado é o do crime organizado e do narcotráfico, espalhando seus tentáculos pela Amazônia inteira, dominando os rios como vias de acesso para o tráfico nacional e internacional, e ampliando seu poder social e econômico. Há ainda o terceiro Estado, mais importante e dominador: é o das ONGs governando a Amazônia de fato, com o auxílio do Estado formal brasileiro do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, do Ibama, da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas)”, alerta.

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